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Processo nº 594/95 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1. - Um grupo de Deputados à Assembleia da República requereu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo
281º da Constituição da República (CR), a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas as normas da Lei nº 26/95 e da Lei nº
28/95, ambas de 18 de Agosto, que alteram, respectivamente, a Lei nº 4/85, de 9 de Abril – Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos – e a Lei nº
64/93, de 26 de Agosto – Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Os Deputados, em número de vinte e cinco, fizeram-se representar pelo signatário da petição, o Deputado Carlos Manuel Natividade da Costa Candal, que também usa Carlos M. Candal, a quem passaram procuração forense, na sua qualidade de advogado, intervindo este em nome próprio e como mandatário dos demais.
2. - Consideram os requerentes que os diplomas em referência, aprovados na reunião plenária da Assembleia da República, de 7 de Junho de 1995, são formal e materialmente inconstitucionais.
2.1. - São formalmente inconstitucionais, em primeiro lugar, dado que os textos de substituição, adoptados e apresentados pela Comissão Parlamentar expressamente constituída para o efeito – a Comissão Eventual para Estudar as Matérias Relativas às Questões de Ética e da Transparência das Instituições e dos Titulares dos Cargos Políticos, criada por resolução da Assembleia da República, de 5 de Abril de 1995 – foram discutidos e votados em plenário da Assembleia da República sem que tenham sido apreciados os correspondentes textos dos projectos de lei oportunamente apresentados e não retirados.
Entendem os requerentes que 'a mencionada Comissão usurpou objectivamente o direito de iniciativa legislativa que a Constituição da República reserva aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo (cfr. artigo 170º, nºs. 1 e 8)' – texto da versão constitucional então em vigor, a que hoje correspondem os nºs. 1 e 8 do artigo 167º, após a revisão levada a efeito pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro.
2.2. - São ainda os diplomas formalmente inconstitucionais, por violação do nº 4 do artigo 170º da Constituição (hoje, nº 4 do artigo 167º), uma vez que os diplomas «apreciados e 'substituídos' pela Comissão Eventual mencionada haviam sido definitivamente rejeitados – mas foram renovados ou representados na mesma 4ª sessão legislativa da VI Legislatura».
É esse o caso dos Projectos de Lei nº 565/VI e 568/VI, propostos pelo PS, em manifesta renovação, segundo escrevem, respectivamente dos seus Projectos de Lei nºs. 498/VI e 462/VI, rejeitados que haviam sido na reunião plenária da Assembleia da República de 16 de Março de 1995 (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 53, de 17 de Março de 1995). E, também, o caso 'do Projecto de Lei nº 494/VI – reposto tal-e-qual pelo grupo parlamentar do CDS/PP, apesar de haver sido rejeitado na generalidade pelo plenário da A.R. em 9/3/95 (cfr. Diário – I Série – nº 50)'.
3. - Mas os diplomas em referência enfermam, ainda, na tese dos Deputados requerentes, de «duas inconstitucionalidades 'substantivas' ou materiais».
3.1. - Assim, dizem, «a redacção dada pela Lei nº 26/95 ao nº 8 do artigo 25º da Lei nº 4/85 e a condição de aplicabilidade ('em regime de exclusividade') estatuída por aquele diploma nas novas redacções do nº 1 do artigo 25º e do nº 1 do artigo 31º desta Lei nº 4/85 violam nomeadamente os artigos 161º e 162º da Lei Fundamental» (actuais artigos 158º e 159º).
Observam, a este respeito:
'17 – Concretamente, as novas redacções consignadas no art. 1º da Lei nº 26/95 respectivamente para os nºs. 1 e 8 do art. 25º e para o nº 1 do art. 31º da Lei nº 4/85 criam iniludivelmente destrinça entre os ‘políticos’ enumerados: aqueles que exerçam funções ‘em regime de acumulação’ e aqueles que se encontrem ‘em regime de exclusividade’.
18 – Porque reportada ao regime dos benefícios chamados ‘subvenção mensal vitalícia’ e ‘subsídio de reintegração’, tal destrinça importa a correlativa existência de dois estatutos diferenciados para os titulares de cargos políticos aludidos no nº 1 do artº 24º da Lei nº 4/85.
19 – Ora, a Constituição da República não consente a existência de dois tipos de deputados: aqueles que exerçam a função para que são eleitos em ‘regime de acumulação’ e os que optem pelo ‘regime de exclusividade’.
20 – Porque estes seriam especialmente favorecidos, passaria a haver ‘deputados de 1ª e deputados de 2ª’ categoria [...].'
3.2. - A segunda inconstitucionalidade material apontada pelos requerentes reporta-se à estatuição do novo regime de 'dedicação exclusiva' para os Deputados portugueses ao Parlamento Europeu, constante da disposição transitória do artigo 4º da Lei nº 28/95, nos termos assim expostos:
'25 – Na verdade, se tal preceito for aplicável a quem – tendo integrado (em Portugal) as listas de candidatos às últimas eleições de deputados ao Parlamento Europeu (realizadas a 11/6/1994) em lugar na respectiva ordem de precedência tal que não lhe haja sido conferido mandato – seja chamado a substituir um deputado eleito que ‘abra’ vaga no respectivo mandato em curso, aquela norma viola designadamente ‘o princípio da confiança’ e o ‘princípio da igualdade’ decorrentes desse outro princípio estruturante da Constituição da República que
é ‘o do Estado de direito’.
26 – Isto porque passaria a haver ou a poder haver no Parlamento Europeu
(durante a respectiva legislatura em curso) deputados eleitos em Portugal, no mesmo sufrágio, com estatutos diferentes: uns quantos sujeitos ao agora inovado regime obrigatório da ‘dedicação exclusiva’ no exercício das respectivas funções
(aqueles que as tivessem iniciado depois da publicação e consequente entrada em vigor do diploma em apreço); e os outros – livres de tal ónus (todos aqueles que receberam mandato ou iniciaram funções antes da estatuição daquele regime)!.'
4. - O Presidente da Assembleia da República, notificado,
nos termos e para os efeitos do preceituado nos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, ofereceu o merecimento dos autos,
'expressando, ainda, o seu entendimento de efectiva violação do nº 8 do artigo
170º da Constituição da República Portuguesa, dado que os projectos de lei nem discutidos nem votados não foram retirados pelos seus autores'.
5. - Discutido em plenário o memorando apresentado nos termos do artigo 63º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e fixada a orientação maioritária do Tribunal, cumpre decidir.
II
Questão prévia ao conhecimento do objecto do recurso
1. - Nos termos do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo
281º da Constituição da República podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade, se for caso disso) de quaisquer normas, com força obrigatória geral, '[u]m décimo dos Deputados à Assembleia da República'.
Sendo 25 os Deputados ora requerentes e encontrando-se todos eles no exercício do respectivo mandato, foi observado aquele requisito formal, dado o disposto no artigo 13º da Lei nº 14/79, de 16 de Maio (redacção da Lei nº 18/90, de 24 de Julho), cujo nº 1 prescreve ser de 230 o número total de Deputados.
E, se é certo que, à data do pedido – 13 de Outubro de
1995 – já se procedera a nova eleição legislativa (ocorrida em 1 desse mês), a verdade é que o mandato dos Deputados só cessou com a primeira reunião após as eleições subsequentes, nos termos do artigo 156º da Lei Fundamental, na versão então vigente (hoje, nº 1 do artigo 153º), a qual ainda não ocorrera.
No entanto, só um dos Deputados assinou pessoalmente a petição, tendo os demais, como já se consignou, conferido procuração forense a favor do Deputado subscritor, concedendo-lhe poderes para a respectiva representação em juízo.
Com efeito, como se retira da leitura dos documentos de fls. 163 a 186 dos autos, todos os demais conferiram 'poderes forenses gerais ao Sr. Dr. Carlos M. Candal, advogado com escritório em Aveiro, com vista à apreciação da inconstitucionalidade de todas ou algumas das normas aprovadas pelo Plenário da Assembleia da República, em 7/6/1995, que visam alterar as Leis nºs. 4/85 e 64/93'.
Coloca-se, assim, o problema da admissibilidade desta forma de representação nos processos de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade - questão prévia que importa abordar, se bem que não suscitada no processo pelo órgão autor da normação em causa.
2. - Em comentário ao artigo 281º da Constituição da República, observam Gomes Canotilho e Vital Moreira:
'A legitimidade para requerer a declaração de inconstitucionalidade (e de ilegalidade) é pessoal, não podendo ser delegada a outrem, nem podendo ser exercida por outrem em seu nome. Quando se trate de presidentes de órgãos colegiais (AR, governos regionais, etc.) não podem estes ser chamados a pronunciar-se sobre o exercício deste poder pelos seus presidentes; quando se trate de titulares de cargos que podem ser preenchidos interinamente por outrem, não podem os substitutos exercer o poder que só compete aos titulares (v.g., Vice-Presidente da AR, Vice-Primeiro Ministro, etc.). Diferente é o caso do PR interino, pois este poder não é daqueles poderes do PR efectivo que a Constituição lhe veda (cfr. artigos 137º/g e 143º)' – cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 1035).
Neste sentido, também a Comissão Constitucional se pronunciou, no seu Parecer nº 10/79 (publicado in Pareceres da Comissão Constitucional, 8º volume, Lisboa, 1980, págs. 49 e segs.), ao entender que o poder conferido pelo artigo 281º, nº 1, da Constituição é um poder 'de exercício pessoal e indelegável' pelos respectivos titulares.
Equacionando-se, então, o problema de saber se o Vice-Presidente em exercício da Assembleia da República se podia substituir ao Presidente desse órgão para efeitos de requerer a apreciação de inconstitucionalidade normativa, concluiu-se negativamente:
'Ora [escreveu-se], o poder conferido pelo artigo 281º, nº 1, da Constituição tem de entender-se como de exercício pessoal e indelegável pelos titulares dos
órgãos aí referidos. Até porque sendo, neste caso, o Presidente da Assembleia da República considerado «como órgão constitucionalmente autónomo» qualquer delegação de poderes teria de se processar com obediência ao preceituado no nº 2 do artigo 114º da Constituição, mais que não fosse por analogia de situações'
(cfr. pág. 50).
A situação transcrita nas passagens extractadas não coincide, inteiramente, no entanto, com a que ora se aprecia: ali, tratava-se, em ambos os casos, de saber se o poder de iniciativa em matéria de fiscalização abstracta de constitucionalidade pode ser exercido por quem desempenha funções meramente substitutivas, vicariantes, ou delegadas; aqui, importa determinar se o titular do mesmo poder de iniciativa pode exercê-lo através de mandatário judicial.
Ou seja, num caso, está-se perante a questão de legitimidade para o exercício de um determinado poder; no outro, perante a questão da possibilidade de recurso ao patrocínio judiciário.
Retira-se, no entanto, dos trechos citados que a exigência da participação e actuação pessoal de certos titulares, de modo a impedir-se o seu exercício por substitutos ou delegados, visou assegurar que a decisão política de requerer a fiscalização da constitucionalidade se circunscreva àquelas entidades, elencadas no nº 2 do artigo 281º, para o efeito tidas por órgãos constitucionalmente autónomos, intenção que ficaria compreensivelmente comprometida se se admitisse a extensão da legitimidade aos substitutos ou delegados.
Importa, assim, determinar se o recurso ao patrocínio judiciário, nos processos de fiscalização abstracta de constitucionalidade, contraria, de algum modo, aquele desiderato.
Uma resposta negativa, com a virtualidade de ampliar o poder de intervenção processual junto do Tribunal Constitucional, susceptibilizaria, certamente, uma intensificação do controlo de constitucionalidade, designadamente no plano do procedimento, contribuindo para, de algum modo, optimizar a consecução dos fins ou dos programas finais condensados nas normas ou princípios constitucionais, a que Gomes Canotilho se refere (cfr. 'A Concretização da Constituição pelo Legislador e pelo Tribunal Constitucional', in Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa, 1986, pág. 357).
Restaria, no entanto, saber se essa perspectiva alargada se compadece, por um lado, com a pessoalidade e a indelegabilidade inerentes ao exercício da função de Deputado enquanto manifestação de subentendida responsabilidade política, o que coloca o problema do recurso ao patrocínio judiciário nesta matéria.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional dá nota, de resto, da problemática inerente.
É o caso, por exemplo, do acórdão nº 7/83, onde se entendeu que a competência atribuída ao Procurador-Geral da República para requerer a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de quaisquer normas tem natureza eminentemente política e deve ser exercida pessoalmente, não podendo fazer-se representar por outro magistrado do Ministério Público, o que já não ocorrerá quando actuar em representação desta magistratura (aresto publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Janeiro de 1984). Tese reiterada logo no acórdão nº 8/83 (publicado no mesmo jornal oficial).
De igual modo, no acórdão nº 16/83 (publicado na II Série do citado Diário, de 31 de Janeiro de 1984) ponderou-se, a este propósito, tratar-se 'de uma competência com carácter eminentemente político, que implica o dever de ser exercida pessoalmente, insusceptível pois de o ser por substituição ou mercê de delegação; em suma: só as entidades referidas na já citada disposição constitucional [alínea a) do nº 1 do artigo 280º] é que são parte legítima para requerer, directa e pessoalmente, a declaração de inconstitucionalidade'.
O poder constitucional estabelecido no artigo 281º, diz-nos, por sua vez, outro aresto, que corrobora a orientação jurisprudencial aludida, consubstancia uma atribuição eminentemente política, outorgada intuitu personae ou intuitu institutionis, sendo, como tal, indelegável (acórdão nº
93/84, publicado no Diário da República, I Série, de 16 de Novembro de 1984).
3. - Registe-se, a este propósito, o objectivo que presidiu ao reconhecimento da legalidade do acesso ao Tribunal Constitucional por parte de um certo número de Deputados ao Parlamento, ao funcionar não só como
'instrumento de defesa objectiva da Constituição mas também, e talvez sobretudo, de defesa das prerrogativas constitucionais dos partidos não governamentais contra os abusos da maioria' (cfr. Vital Moreira, 'Princípio da Maioria e Princípio da Constitucionalidade: Legitimidade e limites da Justiça Constitucional' in Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional, Coimbra, 1995, pág. 190).
Esta vertente aposteriorística do mandato parlamentar mais destaca a fracção do poder político que inspira e molda a actuação do Deputado ao requerer a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade – trate-se de uma questão de legitimidade para o efeito, ou, admitida essa, da viabilidade do patrocínio judiciário. E, por outro lado, importaria, ainda, saber se essa perspectiva se conciliaria com a suficiência do instrumento de procuração e a validade da expressão da vontade dos representados face à actuação autónoma do representante, no caso maximalizada, considerando a amplitude dos actos de atribuição dos poderes de representação.
III
1. - A Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, apenas se refere ao patrocínio judiciário a propósito da fiscalização concreta da constitucionalidade quando, no seu artigo 83º obriga a constituir advogado nos recursos para o Tribunal Constitucional, 'sem prejuízo do disposto no nº 3', preceituando este nº 3 que nos recursos interpostos de decisões dos tribunais administrativos e fiscais é aplicável o disposto na alínea a) do artigo73º do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, e nos artigos 104º, nº 2, e 131º, nº 3, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho – o que vale dizer que, nesses contados casos, a constituição de mandatário forense é facultativa, podendo as autoridades públicas aí englobadas fazer-se representar por advogado ou por quem designem, na observância do condicionalismo legal.
A possibilidade de constituir advogado nos processos que correm termos nos tribunais constitui, aliás, a regra.
É o que resulta, por exemplo, de preceitos como o do artigo 32º do Código de Processo Civil, o do artigo 64º do Código de Processo Penal, o do artigo 6º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o do artigo 5º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, o do artigo 9º do Código de Processo do Trabalho, e, em geral, do artigo 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo o qual 'o mandato judicial, a representação e a assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição'.
A exclusão expressa da intervenção de mandatário judicial encontrava-se prevista no artigo 41º da Organização Tutelar de Menores aprovada pelo Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro (em todo o caso admitida para efeitos de recurso), norma que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do artigo 20º, nº 2, conjugado com o artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição, na parte em que não admite a intervenção de mandatário judicial fora da fase de recurso: cfr. acórdão nº 870/96, publicado no Diário da República, I Série-A, de 3 de Setembro de 1996.
O juízo de inconstitucionalidade então alcançado resultou de um dado entendimento do direito ao patrocínio judiciário, tal como está previsto no nº 2 do artigo 20º da Constituição, em harmonização com os limites que aqueles nºs. 2 e 3 do artigo 18º estabelecem.
Observou-se, então, que, à luz dos parâmetros ditados por estes últimos normativos, a restrição ao patrocínio judiciário representava-se desproporcionada e desadequada: excluindo a defesa dos interesses do menor e dos direitos que na matéria cabem aos pais se levada a efeito por mandatário judicial, ainda que essa intervenção se não mostre absolutamente necessária, é, nessa medida, atingido o núcleo essencial do direito em causa – o de nomeação de um 'intermediário técnico' no processo, entendendo-se como tal a representação em juízo das partes ou sujeitos processuais por profissionais do foro, no tocante à condução técnico-jurídica do processo.
Ainda como exemplo de exclusão da representação em juízo por advogado, aponte-se o nº 2 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – LPTA), nos termos do qual a resposta ao recurso contencioso tem de ser assinada pelo autor do acto recorrido, ou por quem haja sucedido na respectiva competência (norma essa já apreciada por este Tribunal que se pronunciou no sentido da sua não inconstitucionalidade: cfr. acórdãos nºs. 199/94 e 117/95, publicados no Diário da República, II Série, de 20 de Maio de 1994 e 24 de Abril de 1995, respectivamente). É uma exigência que tem sido entendida pela 'pessoalidade' que se pretendeu imprimir ao dever processual das autoridades recorridas no articulado de resposta ao recurso, fundada na protecção e defesa de valores do maior relevo e da importância que se atribuíu a essa peça processual (cfr. Artur Maurício, Dimas de Lacerda e Simões Redinha, Contencioso Administrativo, Lisboa,
2ª ed., pág. 142).
2. - Quando o Tribunal Constitucional, no exercício da sua competência de fiscalização abstracta de constitucionalidade, declara uma norma inconstitucional com força obrigatória geral, está a desempenhar uma função que
é depuradora do ordenamento jurídico: os efeitos da declaração de inconstitucionalidade produzem a eliminação da norma na ordem jurídica desde a sua origem (em princípio), com ressalva dos casos julgados.
Nessa medida, e do mesmo passo que a delimitação dos efeitos lhe permite, no entanto, obviar a indesejáveis projecções da decisão nos domínios da certeza e da segurança jurídicas, o Tribunal contribui para o
'equilíbrio do sistema jurídico' aludido no acórdão nº 272/86, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1986.
Não estando em causa a sua caracterização como verdadeiro tribunal, em sentido próprio, a actividade por si desenvolvida, nesta específica área, corresponde a uma função essencialmente jurisdicional sem que, no entanto, se possa abstrair de natureza eminentemente política da matéria em causa (assim, Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade..., Lisboa, 1999, pág. 865 e, na sistemática do texto constitucional anterior à Revisão, J.M. Cardoso da Costa, 'A Jurisdição Constitucional em Portugal' in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Coimbra, 1984, págs. 220 e segs.).
Esta peculiariedade aponta para a inadmissibilidade de uma representação convencional quando um grupo de Deputados, sem prejuízo de satisfazer a exigência formal contida na alínea f) do nº 2 do artigo 281º da Constituição, desencadeia o processo de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade.
É que, aqui, os Deputados intervêm enquanto tais [com a sua responsabilidade individual, como representantes da Assembleia da República e não como grupo parlamentar em abstracto, como observou Vital Moreira, então Deputado, nos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em
13 de Janeiro de 1982: cfr. Diário da Assembleia da República, II Série-Suplemento ao nº 69, de 20 de Março desse ano, pág. 1288-(22)], fora do contexto circunstancial de uma fiscalização concreta, ou seja, à revelia dos direitos ou interesses subjectivos que são próprios deste tipo de controlo normativo, mas inseridos no âmbito da prossecução de objectivos político-constitucionais que subentendem a assunção de uma orientação política que a esse círculo de entidades compete concretizar.
Compreende-se que assim seja.
Uma iniciativa de fiscalização abstracta de constitucionalidade ao abrigo da alínea f) do nº 2 do artigo 281º da CR pressupõe a expressão de um indirizzo político concertado por quem exerce mandato parlamentar e destina-se a que o Tribunal Constitucional, como órgão destinatário do pedido, exerça a sua função expurgatória e estabilizadora.
Não é semelhante iniciativa coabitável com uma representação convencional, nos limites estritos do mandato judicial, que permita a certo ou certos titulares desse direito de direcção política fazer-se representar por terceiro, a quem se concedam poderes forenses gerais, mesmo que, na realidade, esse terceiro seja um dos titulares desse direito. O instrumento utilizado não será idóneo para a conformação dos objectivos político-constitucionais em que assenta aquela função de direcção política.
3. - Mesmo que não se perfilhe este entendimento, de modo a aceitar-se a representação nesta área, sempre haverá que concluir pelo não conhecimento do pedido, dada a insuficiência do mandato conferido.
Com efeito, as procurações emitidas pelos Deputados mandantes ao Deputado mandatário limitam-se a conferir poderes forenses gerais, com o já referenciado objectivo de ser apreciada 'a inconstitucionalidade de todas ou algumas das normas aprovadas pelo Plenário da Assembleia da República, em 7/6/1995, que visam alterar as leis nºs. 4/85 e 64/93'.
O teor do mandato revela-se, na verdade, formalmente insuficiente: não há indicação das normas nem do objecto do pedido, nem se identifica cabalmente o objecto do mandato, de modo a dele se colher, de modo inequívoco, a expressão da vontade dos mandantes. Os instrumentos dos mandatos – sendo certo que o problema se colocou entre nós pela primeira vez – não indicam concretamente as normas que se pretende sejam declaradas inconstitucionais, proporcionando, nessa medida, um critério de opção das normas a sindicar, referidas em alternativa ('todas ou algumas'), não compatível com os fins que terão instituído o mandato, como tão pouco apontam as razões ou os motivos de inconstitucionalidade, existentes na óptica dos requerentes. E o mandato, por seu turno, não é susceptível de ser suprido nas suas deficiências, uma vez que o mandato parlamentar dos Deputados requerentes terminou logo a seguir à dedução do pedido.
Seria caso para duvidar do protagonismo que o Tribunal Constitucional desempenha como garante e promotor da correcção constitucional do processo político, descaracterizada que se mostre a expressão da vontade política subjacente – e ele também contribui, 'ao seu nível e ao seu modo, para a formação da «vontade política» do Estado, e participa na direcção superior deste' (cfr. J.M. Cardoso da Costa, ob. cit., pág. 258).
4. - Assim, ou porque se entenda que, nos pedidos de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade, não é possível o exercício da representação convencional, ou porque se têm por insuficientes os poderes constantes dos instrumentos do mandato que, no caso vertente, foram apresentados, sempre se há-de concluir que o requerimento do pedido se encontra subscrito por quem não detém poderes suficientes para o efeito pretendido, não podendo, em consequência, o Tribunal dele tomar conhecimento.
IV
Em face do exposto, o Tribunal Constitucional, em plenário, decide não tomar conhecimento do pedido. Lisboa, 2 de Maio de 2001- Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Messias Bento Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos e com os fundamentos constantes da declaração de voto junta) Guilherme da Fonseca (vencido, pelos fundamentos constantes da declaração do Exmº Cons. Luís Nunes de Almeida) Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida pelo essencial da declaração de voto do Exmº Cons. Luís Nunes de Almeida). José Manuel Cardoso da Costa (vencido, conforme declaração de voto junta)
Declaração de voto
Votei vencido, por entender que o Tribunal devia ter tomado conhecimento do pedido, uma vez que, por um lado, não existe impedimento à representação por advogado, através de mandato forense, na formulação de requerimentos de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade, e que, por outro lado, a procuração junta aos autos era suficiente para a apresentação do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos diplomas em apreço, com fundamento na respectiva inconstitucionalidade formal.
E, apreciando o pedido, teria votado a requerida declaração de inconstitucionalidade das normas questionadas, com fundamento na mencionada inconstitucionalidade formal.
Passo a expor as razões da minha discordância.
I A questão prévia
1. Dispõe a alínea f) do nº 2 do artigo 281º da Constituição que podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, com força obrigatória geral, «um décimo dos Deputados à Assembleia da República».
Ora, nos presentes autos, os Deputados em causa são em número bastante para preencher por essa via aquele requisito formal e encontravam-se no exercício do respectivo mandato, apesar de à data do pedido (13 de Outubro de
1995) já se ter procedido a nova eleição legislativa (1 de Outubro de 1995), tendo em conta o estabelecido no nº 1 do artigo 153º da Constituição, segundo o qual o mandato dos Deputados só «cessa com a primeira reunião após as eleições subsequentes». E se não assinaram pessoalmente a petição, conferiram procuração forense a favor de um deles, concedendo-lhe poderes para a respectiva representação em juízo.
Não se contesta a exigência da «pessoalidade» inerente à legitimidade para desencadear o processo de fiscalização abstracta sucessiva, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, nota VIII ao artigo 281º, pág. 1035) e se consignou no Parecer nº 10/79 da Comissão Constitucional (Pareceres da Comissão Constitucional, 8º vol, págs. 49-52), onde se entendeu que o poder conferido pelo artigo 281º, nº 1, da Constituição é um poder «de exercício pessoal e indelegável» pelos respectivos titulares. Todavia, as situações analisadas neste Parecer da Comissão Constitucional e na referida anotação de Gomes Canotilho e Vital Moreira não coincidem com a situação que ocorre nos presentes autos: ali, tratava-se, em ambos os casos, de saber se o poder de iniciativa em matéria de fiscalização abstracta de constitucionalidade pode ser exercido por quem desempenhe funções meramente substitutivas, vicariantes ou delegadas; aqui, importa determinar se o titular do mesmo poder de iniciativa pode exercê-lo através de mandatário judicial. Ou seja: num caso, está-se perante a questão da legitimidade para o exercício de um determinado poder; no outro, perante a questão da possibilidade de recurso ao patrocínio judiciário.
2. Ora, as razões que levam a rejeitar o alargamento da legitimidade para desencadear a fiscalização abstracta a entidades que só poderiam exercer essa faculdade no exercício de poderes vicariantes ou delegados - razões que se encontram expressas no Parecer da Comissão Constitucional e na mencionada anotação doutrinal - não se podem, sem mais, estender ao recurso ao patrocínio judiciário, por forma a rejeitá-lo pelos mesmos fundamentos.
Com efeito, ao exigir-se a participação e actuação pessoal de certos titulares, impedindo assim o seu exercício por substitutos ou delegados, pretendeu-se assegurar que a decisão política de requerer a fiscalização da constitucionalidade apenas pertencesse àquelas entidades taxativamente enunciadas no artigo 281º, nº 2, para o efeito tidas por órgãos constitucionalmente autónomos, o que ficaria compreensivelmente comprometido se se admitisse a extensão da legitimidade a tais substitutos ou delegados.
Contudo, tal desiderato não é minimamente ameaçado pela admissão da representação em juízo por mandatário judicial, uma vez que sempre, em tal caso, a decisão de desencadear o processo compete ao titular do poder de iniciativa, tal como se encontra definido no artigo 281º da Constituição.
O recurso ao Direito Comparado mostra, aliás, que a impossibilidade de representação por advogado em procedimentos congéneres é manifestamente desconhecida noutros países da União Europeia (cfr. La Jurisdiccion Constitucional en la Union Europea, Boletín de Legislación Extranjera, nº
155-156, Setembro-Outubro de 1994) com sistemas jurídicos próximos do sistema português.
Com efeito, a Lei do Tribunal Constitucional Federal Alemão, no seu artigo 22º determina que «as partes se poderão fazer representar em cada uma das fases do processo por um advogado habilitado para actuar perante qualquer tribunal alemão [...] . As Câmaras Legislativas e os respectivos órgãos que disponham de poderes próprios, segundo a Constituição ou o Regulamento, poderão também fazer-se representar pelos seus membros [...]» (La Jurisdiccion ..., cit., pág. 9).
A Lei do Tribunal Constitucional Austríaco, no seu artigo 17º, nº 3, dispensa, sem proibir, a representação por advogado no caso dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade apresentados por um terço dos membros do Conselho Nacional ou por um terço dos deputados do Conselho Federal (ibidem, pág. 30).
Por sua vez, em Espanha, a Lei do Tribunal Constitucional prevê expressamente, no artigo 82º (ibidem, pág. 58):
1. Os órgãos ou o conjunto de Deputados ou Senadores investidos pela Constituição e por esta Lei de legitimidade para requerer processos de constitucionalidade actuarão nos mesmos representados pelo membro ou membros que designem ou por um mandatário nomeado para esse efeito.
2. Os órgãos executivos, tanto do Estado como das Comunidades Autónomas, serão representados e defendidos pelos seus Advogados. Pelos órgãos executivos do Estado actuará o Advogado do Estado.
Finalmente, também em Itália o artigo 20º da Lei do Tribunal Constitucional estabelece que «nos processos perante o Tribunal Constitucional as partes poderão entregar a sua representação e defesa a advogados habilitados para exercerem o mandato jurídico perante a Corte de Cassação»; e se o Governo deve ser sempre representado pelo Advogado-Geral do Estado, já para os conflitos de jurisdição entre Poderes do Estado se prevê no artigo 37º que «os órgãos interessados poderão, no caso de não comparecerem pessoalmente, fazer-se representar e defender por profissionais livres, habilitados para litigar perante as jurisdições superiores» (ibidem, págs. 72 e 74).
Em termos de Direito Comparado conclui-se, pois, que a tendência não
é para impedir a representação por advogado das entidades com acesso ao Tribunal Constitucional, nomeadamente deputados ou membros de órgãos colegiais, mas antes de admitir ou mesmo impor essa representação por advogado.
Na verdade, apenas em França se não encontra norma semelhante, a prever a representação por mandatário judicial, mas a verdade é que tal resulta do facto de o Conseil Constitutionnel não ser um verdadeiro tribunal.
Pois bem, em Portugal, o Tribunal Constitucional é um verdadeiro tribunal, em sentido próprio, como assinala José Manuel M. Cardoso da Costa (A Jurisdição Constitucional em Portugal, separata do BFDC, Coimbra, 1992, 2ª ed. rev. e act., págs. 18-19):
A Constituição não permite nenhuma dúvida acerca da natureza do Tribunal Constitucional: prevendo-o logo na enumeração das diferentes categorias de tribunais, constante do art. 211º, e definindo-o, depois, como «o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional» (art. 223º), é indiscutível que o concebe como um verdadeiro tribunal, e que concebe a sua actividade nuclear e característica como uma parcela da função judicial (que não da função política). Em harmonia com tal qualificação estão, de resto, o estatuto e as garantias de independência, já referidas, dos seus juízes.
Considerado o conjunto dos tribunais como um «sistema» - mais rigorosamente, um «sub-sistema» do sistema político, stricto sensu – e tomando-o num sentido unicamente funcional, decerto que o Tribunal Constitucional não só o integra, como representa mesmo o seu órgão de cúpula, em razão da competência cassatória de que dispõe relativamente às decisões de todos os outros tribunais
(sem excluir o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo), em matéria de constitucionalidade das normas que a estes caiba aplicar e matérias equiparadas [...].
Não se detecta, assim, qualquer obstáculo, no plano dos princípios constitucionais, à possibilidade de recurso ao patrocínio judiciário nos processos de fiscalização abstracta da constitucionalidade, pelo que a questão releva, portanto, da opção do legislador.
3. A Lei do Tribunal Constitucional refere-se expressamente ao patrocínio judiciário apenas a propósito da fiscalização concreta da constitucionalidade, sendo que, em tal caso, «é obrigatória a constituição de advogado», salvo, quanto às autoridades públicas, nos recursos interpostos de decisões dos tribunais administrativos e fiscais (artigo 83º). No entanto, nestes casos em que não é obrigatória a constituição de advogado, as autoridades públicas podem constituí-lo, se assim o entenderem - a constituição de mandatário forense torna-se, assim, facultativa.
Aliás, a regra, no nosso Direito, é a da possibilidade de constituir mandatário em todos os processos que correm termos nos tribunais, conforme resulta do disposto no artigo 32º do Código de Processo Civil, no artigo 64º do Código de Processo Penal, no artigo 6º do Código de Processo Tributário, no artigo 5º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, no artigo 9º do Código de Processo do Trabalho e, em geral, no artigo 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados, segundo o qual, «o mandato judicial, a representação e a assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição».
Aliás, ao entender que não era constitucionalmente ilegítimo excluir o patrocínio judiciário no caso previsto no artigo 26º, nº 2, da LPTA (Acórdão nº 199/94 e Acórdão nº 117/95), o Tribunal não concluiu, porém, obviamente, que ele não fosse possível, caso a lei assim o determinasse ou não proibisse. Nessa conformidade, o Anteprojecto de Código de Processo nos Tribunais Administrativos
(Ministério da Justiça, Janeiro de 2000), actualmente em discussão pública, não contém já regra semelhante à do actual artigo 26º, nº 2, da LPTA.
Há, assim, que concluir que se a lei pretendesse excluir o patrocínio judiciário nos processos de fiscalização abstracta sucessiva, tal proibição haveria de ser expressa; caso contrário, como acontece, há-de valer o princípio geral que permite a representação por advogado perante os tribunais, bem como a norma geral constante do artigo 54º da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março.
5. Questão diversa - que o Tribunal resolveu, porém, de forma não autónoma - é a da suficiência do mandato conferido.
Ora, também aqui não acompanhei o acórdão que fez vencimento.
Na verdade, o objecto do pedido encontra-se claramente determinado nas procurações, na medida em que estas se referem a todas as normas dos diplomas impugnados. E se algum relevo deveria ser dado ao facto de as procurações mencionarem «todas ou algumas normas» desses mesmos diplomas, tal relevo apenas determinaria a insuficiência do mandato para o pedido de declaração de inconstitucionalidade de certas e determinadas normas, por elas não terem sido concretamente identificadas.
O que se afigura, porém, é que o pedido de declaração de inconstitucionalidade de todas as normas dos diplomas em causa inculca, desde logo, que o vício apontado era necessariamente o da inconstitucionalidade formal das leis questionadas, uma vez que a eventual invocação do outro vício que potencialmente poderia atingir os diplomas na sua globalidade - a inconstitucionalidade orgânica - não faria sentido perante leis parlamentares.
Assim sendo, também falece o fundamento da insuficiência do mandato para o não conhecimento do pedido.
II A questão da inconstitucionalidade formal resultante da violação do artigo 170º, nº 4, da CRP (na versão de 1989)
6. No âmbito da iniciativa parlamentar, foram apresentados diversos projectos de lei relativos à matéria do estatuto, incluindo as respectivas incompatibilidades, dos Deputados e demais titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, nomeadamente introduzindo alterações à Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, e à Lei nº 4/85, 9 de Abril.
Assim, no que a estas se refere, foram apresentados vários projectos de lei, da iniciativa de quase todos os grupos parlamentares, designadamente os seguintes (cfr. Relatório da Comissão Eventual para Estudar as Matérias Relativas às Questões de Ética e da Transparência das Instituições e dos Titulares de Cargos Políticos, Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº
48, de 8 de Junho de 1995), que foram publicados no Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 43, de 18 de Maio de 1995:
- Projecto de lei nº 563/VI, da iniciativa do Deputado Carlos Candal (PS), sobre o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos ou equiparados e de outros servidores do Estado;
- Projecto de lei nº 564/VI, da iniciativa do Deputado Carlos Candal (PS), sobre subvenções e outros direitos conferidos a antigos titulares de cargos políticos ou equiparados;
- Projecto de lei nº 566/VI, da iniciativa do PS, alterando a Lei nº 4/85, instituindo um sistema facultativo de pensões para os titulares de cargos políticos baseado em quotizações voluntárias;
- Projecto de lei nº 568/VI, da iniciativa do PS, introduzindo alterações à Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, que estabelece o regime das incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos;
- Projecto de lei nº 570/VI, da iniciativa do Deputado independente Mário Tomé, sobre os vencimentos dos titulares de cargos políticos;
- Projecto de lei nº 571/VI, da iniciativa do Deputado independente Mário Tomé, sobre as subvenções dos ex-titulares de cargos políticos.
Pela Resolução da Assembleia da República nº 27/95, de 5 de Abril de
1995 (publicada no Diário da República, I Série-A, de 19 de Maio de 1995), fora constituída a já referida Comissão Eventual para Estudar as Matéria Relativas às Questões de Ética e da Transparência das Instituições dos Titulares dos Cargos Políticos, a qual procedeu a uma apreciação prévia (na generalidade e na especialidade) de todos os projectos, tendo sido apresentadas durante os trabalhos diversas propostas de alteração àqueles textos iniciais.
Na sequência dessa apreciação foram aprovados cinco textos de alteração relativos às Lei nº 4/83, de 2 de Abril, Lei nº 72/93, de 30 de Novembro, Lei nº 4/85, de 9 de Abril e Lei nº 7/93, de 1 de Março. Nos termos do disposto no artigo 148º, nº 1, do Regimento da Assembleia da República, estes textos constituíram textos de substituição, a serem levados ao Plenário para discussão.
7. Estes textos subiram ao Plenário da Assembleia da República em 7 de Julho de 1995.
Não foram, todavia, acompanhados dos projectos de lei a que se referiam, e que não haviam sido retirados, o que foi contestado por alguns dos Deputados presentes, os quais, em interpelações à mesa, manifestaram a sua oposição e discordância expressa, entendendo que os textos deveriam ser discutidos em paralelo com os textos dos projectos substituídos que não haviam sido retirados pelos seus autores, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 148º do Regimento, segundo o qual «o texto de substituição é discutido na generalidade em conjunto com o texto do projecto ou proposta e, finda a discussão, procede-se à votação sucessiva dos textos pela ordem da sua apresentação» (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 85, de 8 de Junho de 1995, págs. 2729 a 2731).
Assim, o Deputado Mário Tomé interpelou a Mesa no sentido de apurar a razão pela qual não se encontravam à discussão os projectos de lei nº 570/VI e nº 571/VI que apresentara, relativos à eliminação das subvenções dos ex-titulares de cargos políticos e à suspensão de qualquer aumento dos vencimentos dos Deputados. Informado pelo Presidente da Assembleia de que o que estava em discussão naquela sessão eram apenas os textos de substituição apresentados pela Comissão Eventual, o Deputado Mário Tomé manifestou-se no sentido de, sendo aqueles projectos matéria conexa que entrara na Comissão, não ver razão para não serem os mesmos postos simultaneamente à discussão.
Entendendo o Presidente da Assembleia que os projectos estavam consumidos pelos textos de substituição, aquele Deputado insistiu na submissão dos projectos à discussão em Plenário, obstando o Presidente a tal, porquanto
«foi essa a instrução que veio da Comissão e foi assim que se agendou».
Por sua vez, o Deputado Alberto Costa (PS) interpelou a mesa nos termos seguintes:
Sr. Presidente, por determinação de V. Ex.ª, apoiada na maioria da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, maioria que, para este particular, integrou, além do PSD, o PCP, o CDS-PP e Os Verdes, sobem a este Plenário apenas os textos de substituição da Comissão Eventual e não os vários projectos de lei apresentados, nomeadamente os do Partido Socialista. Ora, isso faz-se com a nossa discordância expressa, com a nossa oposição e com o entendimento de que se trata de uma actuação, salvo o devido respeito, menos correcta e menos legal.
Os nossos projectos de lei, como os outros, foram regularmente admitidos por V.ª Ex.ª, que, aliás, nos comunicou tal admissão, esses textos, nos trabalhos da Comissão, deram lugar àquilo que o Regimento chama um texto de substituição, mas que, nos termos desse mesmo Regimento e de harmonia com o artigo citado pelo próprio presidente da Comissão, não prejudica os projectos e as propostas de lei apresentados.
Nesse sentido, durante a discussão e, também, no final da mesma, registámos que não retirávamos os projectos de lei por nós apresentados, o que tornava claro, à face do artigo 148º do Regimento, expressamente mencionado no relatório da Comissão, repito, que os demais projectos de lei deveriam subir a Plenário. Esta seria, a nosso ver, a correcta actuação parlamentar.
Por seu turno, o Deputado Carlos Candal (PS), ao formular a sua interpelação, afirmou:
[...] Portanto, os textos de substituição são legítimos, só que o artigo 148º, nº 2, do Regimento diz que os textos substituídos são debatidos em paralelo com os textos de substituição.
Tudo visto, temos de debater os textos substituídos em paralelo com os textos de substituição, que, como já disse, estão apresentados de maneira exótica, mas para todo este debate é possível estabelecer um limite de tempo.
Respondendo àquelas interpelações, o Presidente da Assembleia da República, invocando a conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, ocorrida na semana anterior, na qual se fixara que o texto objecto de discussão e votação em Plenário seria apenas o de substituição elaborado pela Comissão Eventual, esclareceu que a ordem de trabalhos assim fixada se estabilizara, nos termos do disposto no artigo 57º do Regimento, tanto mais que não se verificara posteriormente qualquer consenso para a sua alteração. Por fim, uma vez que a questão de os projectos iniciais não subirem a Plenário junto com os textos de substituição aprovados apenas fora levantada na véspera do dia agendado para o respectivo debate, decidira manter a convocatória em causa.
8. À data em que se procedeu à discussão e votação dos diplomas questionados em plenário da Assembleia da República, a norma constitucional à face da qual importa aferir da respectiva constitucionalidade formal era o artigo 170º, nº 8 (versão anterior à 4ª revisão constitucional). Aí se dispunha
- e continua hoje a dispor no artigo 167º, nº 8 - o seguinte:
As comissões parlamentares podem apresentar textos de substituição, sem prejuízo dos projectos e das propostas de lei e de referendo a que se referem, quando não retirados.
Em anotação a esta disposição constitucional, referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição ..., cit., notas XII e XIII ao artigo
170º, pág. 690):
XII. Os textos de substituição das comissões (nº 8) podem ser apresentados quer na fase da apreciação na generalidade quer na da especialidade
(cfr. art. 171º), visto que a norma não distingue. Apesar da designação equívoca, tais textos funcionam apenas como projectos alternativos, não podendo fazer dispensar a votação dos projectos ou propostas originários (se estes não forem, entretanto, retirados precisamente a favor do texto da comissão).
XIII. Os projectos e as propostas de lei podem ser retirados (nº 6, in fine), seguramente que apenas pelos seus autores. [...]
No caso vertente, e conforme resulta das actas do debate em plenário, não oferece qualquer dúvida que, por um lado, pelo menos os projectos de lei subscritos pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, pelo Deputado Carlos Candal e pelo Deputado Mário Tomé não foram retirados; e que, por outro lado, esses mesmos projectos de lei não foram submetidos à discussão e votação na generalidade, no plenário da Assembleia da República, em alternativa com os textos de substituição aprovados pela Comissão.
Ora, a Lei nº 26/95, que altera a Lei nº 4/85, dispondo sobre o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, incide sobre matéria a que se referiam os projectos de lei nº 563/VI, nº 564/VI, nº 566/VI, nº 570/VI e nº 571/VI, apreciados pela Comissão Eventual e não retirados em benefício do texto de substituição por ela aprovado. E a Lei nº 28/95, que altera a Lei nº
64/93, que estabelece o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, incide sobre matéria a que se referia o projecto de lei nº 568/VI, igualmente apreciado pela Comissão Eventual e não retirado pelos seus autores.
Nesta conformidade, em ambos os casos ocorreu uma manifesta violação do preceituado no referido artigo 170º, nº 8, da Constituição (versão anterior a
1997), o que consequência a inconstitucionalidade de todas as normas constantes quer da Lei nº 26/95, quer da Lei nº 28/95. Luís Nunes de Almeida
Declaração de voto Tive dúvidas - que não desfiz inteiramente - quanto à resposta a dar à questão que conduziu ao não conhecimento do pedido: - dúvidas, desde logo, quanto à possibilidade de constituição de mandatário judicial em processos de fiscalização abstracta da constitucionalidade, em geral; - e dúvidas, depois, quanto à suficiência do mandato no caso, já que, a admitir-se, em princípio, aquele, em tais processos, há-de ser em termos muito precisos e condicionados, quanto aos poderes conferidos.
Desejaria em especial sublinhar, quanto ao primeiro aspecto, que me interrogo, designadamente, sobre se seria de admitir que, por exemplo, o Procurador-Geral da República ou o Provedor de Justiça - para já não falar do Presidente da República, no domínio da fiscalização preventiva - pudessem exercer através de mandatário judicial a sua faculdade de requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas. Mas como não me custa admitir que a resposta à questão da admissibilidade, em geral, da constituição de mandatário, nos processos em apreço, não tenha de ser a mesma para todas as situações, e como uma tal possibilidade já se me afigura mais curial na hipótese, que é a dos autos, em que o requerimento seja de um grupo de deputados, não encontrei razão suficiente para, nesta específica situação, deixar de acompanhar o essencial da argumentação desenvolvida pelo Ex.mo Conselheiro Vice-Presidente, Luís Nunes de Almeida, na sua declaração de voto (e isto tanto mais, porventura, quanto, no caso, o mandatário também é, ele próprio, um dos requerentes).
Assim - e como, quanto ao segundo aspecto da questão (a da suficiência do mandato, no caso), a minha posição, consoante comecei por referir, também não era mais do que de dúvida - votei no sentido de que se conhecesse do pedido. José Manuel Cardoso da Costa