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Processo nº 302/2000
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. M... recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de fls. 475, de 18 de Fevereiro de 2000, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que se aprecie a constitucionalidade das normas constantes 'dos artºs 140º e 141º do Estatuto do Militar da G.N.R. aprovado pelo Dec.-Lei 465/83, de 31/12, e 53º e
27º da L.P.T.A., sendo os preceitos e princípios constitucionais violados os dos artºs 2º, 13º, 20º e 268º, nºs 4 e 5, todos da C.R.P., bem como os dos artºs 6º do C.E.D.H. e 190º do D.U.D.H. e, consequentemente, dos artºs 8º e 16º da C.R.P. Tal inconstitucionalidade foi logo arguida pelo recorrente na P.I. de recurso perante este Supremo Tribunal Administrativo, e foi reafirmada nas alegações de recurso para o Pleno da Secção do mesmo Supremo Tribunal Administrativo. Invoca igualmente (por violação v.g. dos artºs 13º e 202º da C.R.P.) a inconstitucionalidade do artº 15º da L.P.T.A. ao permitir a assistência à sessão do julgamento e a respectiva audição na discussão, do Ministério Público(...)'. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82).
2. O acórdão recorrido foi proferido em recurso interposto por M... do acórdão da Secção de Contencioso Administrativo de 13 de Julho de 1995 que rejeitou,
'por manifesta ilegalidade na sua interposição', o recurso contencioso de anulação do 'acto tácito de indeferimento que se teria formado por omissão da autoridade recorrida, Senhor Ministro da Administração Interna, em não ter apreciado o recurso hierárquico necessário que interpôs do despacho de 91.10.02 do Comandante Geral da GNR – e proferido em substituição de anterior despacho que, já em pleno recurso contencioso, o MAI revogara por vício de forma – que indeferira a reclamação oportunamente deduzida contra a sua exclusão da lista de escolha para promoção a Sargento-Mor, no ano de 1991, recurso este posteriormente ampliado, nos termos do nº 1 do artº 51º da LPTA, para o acto expresso da mesma autoridade recorrida de 91.12.19, que rejeitou o recurso hierárquico atrás referido...', decisão que confirmou. Em síntese, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que o recorrente, ao interpor recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna do acto administrativo que impugna, não havia cumprido a exigência (constante dos artigos 140º e 141º do Decreto-Lei nº 645/83, de 31 de Dezembro) da reclamação prévia necessária para o respectivo autor; assim sendo, não tinha o Ministro da Administração Interna o dever legal de decidir o recurso hierárquico, razão pela qual se não formou nenhum acto tácito de indeferimento contenciosamente impugnável; logo, carecendo o recurso contencioso de objecto, não era possível a respectiva ampliação. A circunstância de já ter reclamado de despacho anteriormente proferido pelo Comandante Geral da GNR e de este despacho ter sido revogado por vício de forma pelo Ministro da Administração Interna, vindo a ser proferida nova decisão pelo Comandante Geral da GNR, não o dispensa de, previamente à segunda interposição de recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna, deduzir reclamação perante o autor do (segundo) acto. E essa exigência, decorrente dos citados artigos 140º e 141º, não enfermaria de qualquer inconstitucionalidade, não infringindo a Constituição a exigência legal de prévia exaustão dos meios graciosos. Para além disso, também não teria razão o recorrente ao afirmar que seria inconstitucional a norma, contida no artigo 27º da LPTA, segundo a qual o Ministério Público emite 'parecer sobre a decisão final a proferir', na vista regulada no art. 53º da mesma LPTA, não existindo contraditório. É que o Ministério Público, 'no seu parecer final, limitou-se a acompanhar a autoridade recorrida, concordando com ela, na questão, ela sim nova, que levantou, da não formação do acto tácito recorrido e consequente impossibilidade da substituição do objecto do recurso contencioso'. Desde logo, por não ter levantado qualquer questão nova, não tendo pois ficado 'diminuídas as garantias de defesa do recorrente, que aliás lhe respondeu longamente (...)'. E, além disso, porque o Ministério Público interveio apenas no exercício das suas funções de defesa da legalidade democrática.
3. Notificadas para o efeito, as partes vieram apresentar as respectivas alegações. Quanto ao recorrente, concluiu da seguinte forma:
'VII Conclusões
(...)
3º Os artºs 140º e 141º do Estatuto do Militar da GNR, aprovado pelo Decreto-Lei
465/83, de 31/12, interpretados e aplicados como o foram no acórdão do STA recorrido, revelam-se, desde logo, manifestamente violadores dos artºs 2º, 13º,
20º e 268º, n.º 4, todos da CRP, por imporem ao cidadão recorrente um encargo inteiramente desproporcionado e exigências totalmente infundamentadas (já que da decisão que substituía a anterior decisão da reclamação apresentada e a qual foi entretanto revogada, o recorrente teria de reclamar novamente, não podendo dela interpor recurso hierárquico e vendo assim o recurso contencioso não ser conhecido).
4º Mas revelam-se também violadores dessas disposições e do n.º 3 [sic] do já citado artº 268º da CRP , uma vez que estas deixaram de estabelecer como pressuposto do recurso contencioso que o acto administrativo contenciosamente sindicado tenha de ser definitivo e executório, pelo que a exigência de prévia reclamação necessária (e, também, de recurso hierárquico necessário) para só depois poder haver lugar ao referido recurso contencioso viola claramente aqueles princípios e preceitos constitucionais.
5º Finalmente os artºs 53º e 27º da L.P.T.A., aprovados pelo Dec. Lei 267/85, de
16/7, da forma como foram interpretados e aplicados no acórdão recorrido, violam os mesmos supracitados preceitos e princípios e ainda o artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
6º Devendo o direito ao exame equitativo da causa ali consagrado, 'ex vi' dos artºs 16º, n.ºs 1 e 2 e 8º, n.º 2 da CRP, ser considerado como integrando a panóplia dos direitos dos cidadãos constitucionalmente afirmados e protegidos.
7º Pois vai contra tais princípios e preceitos a admissão de que o Mº Pº possa, maxime em recurso contencioso em que se discute um acto praticado por um órgão da Administração Central do Estado, formular 'pareceres', ou, sobretudo 'novos pareceres', em que aduz argumentos em favor do indeferimento do recurso do particular, sem que este seja notificado para sobre os mesmos eventualmente se pronunciar.
8º Rigorosamente o mesmo se diga quanto ao artº 15º da mesma LPTA, ao permitir, com patente e flagrante violação do direito a um processo equitativo, a intervenção do Mº Pº nas sessões de julgamento no STA.
9º Tal como aqui efectivamente sucedeu, e foi logo suscitado no primeiro momento processualmente relevante.
10º Aliás, essa patente inconstitucionalidade foi já declarada por este Tribunal Constitucional no Acórdão de 15/6/99, proferido no processo n.º 996/98 da 3ª Secção,
11º E cujas razões justificativas se aplicam por inteiro aos atrás citados artºs
53º e 27º da LPTA.
12º O Acórdão recorrido interpretou e aplicou normas legais (para além das já citadas normas da LPTA, também os artºs 140º e 141º do Estatuto do Militar da GNR, aprovado pelo Decreto-Lei 465/83, de 31/12), que, assim interpretados e aplicados violam ostensivamente os preceitos e princípios constitucionais dos artºs 2º, 13º, 20º e 268º, n.ºs 4 e 5, todos da Lei Fundamental, bem como os dos artºs 6º da C.E.D.H. e 10º da D.U.D.H., aplicáveis 'ex vi' dos artºs 8º e 16º da C.R.P.. Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, declarando-se as inconstitucionalidades oportunamente arguidas, só assim se fazendo inteira JUSTIÇA !'
Por seu lado, o recorrido veio sustentar a extemporaneidade da alegação de inconstitucionalidade no que toca às normas dos artigos 15º, 27º e 53º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e a falta de fundamento quanto às restantes, concluindo assim:
'III - CONCLUSÕES
1ª Não foi alegada perante o STA a inconstitucionalidade do artº 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, o que impede que a questão seja suscitada perante este Venerando Tribunal, nos termos do artº 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
2ª Do mesmo modo, não foi alegada perante o STA a inconstitucionalidade dos artºs 53º e 27º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, o que obsta a que a mesma seja apreciada no presente recurso.
3ª Os artigos 140º e 141º do Estatuto dos Militares da GNR, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro, que prevêem uma reclamação necessária, não ofendem qualquer princípio ou preceito constitucionais, nem o artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou o artº 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO.'
Notificado para se pronunciar, querendo, nos termos do disposto nos artigos 69º da Lei nº 28/82 e 704º, nº 2, do Código de Processo Civil, sobre a questão do não conhecimento parcial do objecto do recurso, levantada pelo recorrido, o recorrente veio responder apenas no que respeita à norma contida no artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, sustentando não ter sido possível colocá-la anteriormente por se tratar de uma norma que só na sessão de julgamento foi aplicada, apenas tendo podido tomar conhecimento dessa aplicação pela respectiva acta.
4. Os preceitos que contêm as normas impugnadas têm a seguinte redacção:
– Do Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro, aliás entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho: Artigo 140º
(Reclamação)
A reclamação dirigida contra um acto administrativo deve ser singular e dirigida por escrito, através das vias competentes, ao chefe que determinou esse acto, no prazo de 15 dias contados a partir do seu conhecimento oficial pelo reclamante. Artigo 141º
(Recurso hierárquico)
Quando a reclamação apresentada nas condições da disposição anterior for julgada improcedente, no todo ou em parte, assiste ao reclamante o direito de recurso hierárquico para o chefe imediato daquele que determinou o acto administrativo em causa, no prazo de 15 dias contados a partir do conhecimento oficial da decisão recaída sobre a reclamação.
– Da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos: Artigo 15º (redacção decorrente do Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro)
(Intervenção do Ministério Público nas sessões)
No Supremo Tribunal Administrativo e no Tribunal Central Administrativo o representante do Ministério Público a quem, no processo, esteja confiada a defesa da legalidade assiste às sessões de julgamento e é ouvido na discussão. Artigo 27º
(Direitos do Ministério Público) Salvo nos recursos que interponha em defesa da legalidade, pode o Ministério Público, mediante vista dos autos ou, nos demais casos, em requerimento: a) Suscitar a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer sugestões que obstem ao prosseguimento do recurso e pronunciar-se sobre questões que não tenha suscitado; b) Promover diligências de instrução; c) Emitir parecer sobre a decisão final a proferir; d) Arguir vícios não invocados pelo recorrente; e) Requerer, assumindo a posição de recorrente, o prosseguimento de recurso interposto durante o prazo em que podia impugnar o respectivo acto, para julgamento não abrangido em decisão, ainda não transitada, que tenha posto termo ao recurso por desistência ou outro fundamento impeditivo do conhecimento do seu objecto.
Artigo 53º
(Vista final do Ministério Público) Apresentadas as alegações ou findo respectivo prazo, vão os autos com vista, por
14 dias, ao Ministério Público, salvo nos recursos que interponha em defesa da legalidade.
5. Cabe começar por analisar a questão suscitada pelo recorrido, relativamente à extemporaneidade da alegação da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 15º, 27º e 53º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Efectivamente, o recorrido tem razão quanto à primeira norma, cuja inconstitucionalidade apenas foi suscitada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal. É pressuposto de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como é o caso, que a inconstitucionalidade haja sido 'suscitada durante o processo' (citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), ou seja, colocada 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' (nº 2 do artigo 72º citado). No presente recurso, haveria de ter sido suscitada a inconstitucionalidade das norma agora em causa perante o Supremo Tribunal Administrativo, de forma a que este Tribunal dela devesse conhecer no recurso julgado pelo Pleno da Secção de Contencioso, cuja decisão está agora sob recurso. Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente apenas pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade 'durante o processo' nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, ou em que não era de todo previsível a aplicação de uma norma (ou dessa norma, com o sentido que lhe foi dado na decisão recorrida); só então será admissível a arguição em momento subsequente
(cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e
160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Não é, manifestamente, o caso dos autos. Desde logo, porque o recorrente teve a oportunidade processual para suscitar a inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, nomeadamente nas alegações que então apresentou; e de modo algum se pode afirmar que fosse imprevisível a aplicação pelo Supremo Tribunal Administrativo da norma do artigo
15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, uma vez que respeita a um acto que necessariamente teria lugar – a sessão de julgamento do recurso. O Supremo Tribunal Administrativo limitou-se a aplicar o disposto na letra do artigo 15º. Ainda que se entendesse, porém, que não era exigível ao recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade antes de ser proferido o acórdão recorrido, sempre haveria de o ter feito mediante a arguição de nulidade por prática de um acto não admitido por lei, susceptível de influir na decisão da causa (artigo 201º do Código de Processo Civil); seria a consequência da assistência e da possibilidade de participação na discussão, nas sessões de julgamento, do representante do Ministério Público, baseada numa norma que seria inconstitucional. Só assim se cumpriria a regra prevista no nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82, pois que o conhecimento da nulidade implicaria o julgamento da questão de constitucionalidade, não se infringindo, portanto, o princípio consagrado no nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil. Neste sentido, cfr. o acórdão nº 612/99 (Diário da República, II Série, de 22 de Fevereiro de
2000). Não pode, assim, o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso no que respeita à norma do artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
6. Estas mesmas razões valem, todavia, para considerar oportunamente invocada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 27º e 53º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, sem necessidade de maiores explicações.
7. Passando então à apreciação das normas contidas nos artigos 140º e 141º do Estatuto do Militar da GNR, cabe desde já esclarecer que apenas integram o objecto do presente recurso enquanto exigem uma reclamação para o autor do acto previamente à interposição de recurso hierárquico (também ele necessário), ainda que o acto impugnado haja sido repetido por ter sido revogado um anterior, do qual foi deduzida reclamação antes de ter sido hierarquicamente recorrido. O recorrente coloca duas questões distintas: Em primeiro lugar, a da inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 2º, 13º, 20º e 268º, nº 4, da Constituição, 'por imporem ao recorrente um encargo inteiramente desproporcionado e exigências totalmente infundadamentadas (já que da decisão que substituía a anterior decisão da reclamação apresentada e a qual fora entretanto revogada, o recorrente teria de reclamar novamente, não podendo dela interpor recurso hierárquico e vindo assim o recurso contencioso a não ser conhecido)'. Em segundo lugar, a da inconstitucionalidade por violação dos mesmos preceitos constitucionais 'e do nº 5 [sic] do já citado artº 268º da CRP, uma vez que tais disposições deixaram de estabelecer como pressuposto do recurso contencioso que o acto administrativo contenciosamente impugnado tenha de ser definitivo e executório, mas apenas e tão só que ele lese ou possa lesar – como aqui efectivamente sucede – directos e interesses legalmente protegidos, pelo que a exigência da prévia reclamação necessária (e, também, do recurso hierárquico necessário) para só depois haver lugar ao referido recurso contencioso, viola claramente aqueles mesmos princípios e preceitos constitucionais'. No que toca à alegação de que tal norma lhe impõe um encargo desproporcionado, obrigando-o a repetir a reclamação, antes de poder recorrer hierarquicamente, não tem razão o recorrente. Com efeito, ao ser revogado pelo Ministro da Administração Interna o primeiro acto praticado pelo Comandante Geral da GNR, foi eliminado não só o acto revogado, mas também a reclamação para o seu autor, sobre ele incidente. Praticado o segundo acto pelo mesmo Comandante Geral, não faria sentido que se considerasse reclamado pelo facto de ter sido apresentada aquela outra reclamação, renascida para o efeito, havendo o referido Comandante Geral de se pronunciar sobre uma reclamação dirigida a outro acto – sem, note-se, que essa reapreciação lhe fosse solicitada pelo interessado. E igualmente se não poderia dispensar essa reapreciação, admitindo a intervenção imediata do Ministro da Administração Interna, por estar em causa um acto novo, distinto do primeiro. E não se afigura ao Tribunal Constitucional que seja manifestamente desproporcionada e infundada tal exigência. Não é infundada porque a lei pretende que o autor do acto – o Comandante Chefe da GNR – seja colocado perante os argumentos apresentados pelo interessado e tenha de reponderar o acto que praticou antes da intervenção de uma entidade exterior à GNR, o Ministro da Administração Interna; nem se traduz num encargo desproporcionado, tendo em conta, por um lado, o esforço que implica para o interessado e, por outro, a vantagem indicada da nova ponderação. As normas impugnadas não lesam, portanto, nem o direito de acesso à justiça e aos tribunais, nem os princípios do Estado de Direito e da proporcionalidade, nem, tão pouco, o princípio da igualdade (cuja violação, aliás, não é concretizada pelo recorrente).
8. Quanto ao segundo argumento, o Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes, embora a propósito de outros preceitos legais, no sentido de que se não pode extrair do novo texto constitucional do nº 4 do artigo 268º a inconstitucionalidade de todas as normas que, como condição de conhecimento do recurso contencioso interposto de um acto administrativo, exigem previamente a sua impugnação graciosa (ver, por exemplo, os acórdãos nºs 603/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional , 32º, pág. 411 e segs., 24/96, não publicado, ou 425/99
(Diário da República, II Série, de 3 de Dezembro de 1999). Note-se que se toma como referida ao nº 4 do artigo 268º da Constituição a indicação do seu nº 5. Escreveu-se no acórdão nº 425/99 – acompanhando, de perto, o acórdão nº 603/95 deste Tribunal:
'II. Fundamentos
4. A questão posta no presente recurso não é nova e, concretamente quanto a um acto administrativo proferido por um órgão subalterno da Administração, numa via hierárquica necessária, o Tribunal Constitucional entendeu que a mesma norma do artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, a LPTA, não é inconstitucional. Fê-lo no Acórdão n.º 603/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 32º, pág. 411 e segs..
É a posição exposta neste aresto que há que reiterar no presente recurso de constitucionalidade. Tal posição não é, na verdade, infirmada pelas alterações introduzidas no texto do artigo 268º, n.º 4, da Constituição, com a revisão constitucional de 1997.
5. Após a Lei Constitucional n.º 1/97, neste artigo 268º, n.º 4, passou a referir-se o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, incluindo, nomeadamente, a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os administrados, independentemente da sua forma. Tal norma contém, pois, uma garantia de protecção jurisdicional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Dela decorre, designadamente, a
'inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento legal a uma protecção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares', bem como um dever de configuração adequada dos instrumentos de tutela judicial já existentes (assim, J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, 1998, pág. 457). Todavia, não se vê que da consagração desta garantia de protecção jurisdicional, dirigida à protecção dos particulares através dos tribunais, e deste direito de impugnação dos actos administrativos lesivos, haja que decorrer a impossibilidade do condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso a um recurso hierárquico dos actos administrativos proferidos por órgãos subalternos da Administração – ou, o que é o mesmo, que dela decorra uma obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata desses actos, independentemente da sua reapreciação por órgãos superiores. Do artigo 268º, n.º 4, da Constituição não resulta, na verdade, como se diz no Acórdão recorrido, 'a ideia de que todo o acto que não aquiesça às pretensões de um cidadão é imediatamente recorrível para os tribunais.' Desde logo, um acto administrativo da autoria de um subalterno, como acto precário, susceptível de ser alterado por órgãos superiores, não reveste também carácter lesivo como última palavra da Administração sobre a matéria, que não possa ser corrigido pela própria Administração. A reacção contra a potencial lesão resultante desse acto, igualmente precária, não tem pois, que poder efectivar-se imediatamente através do recurso aos tribunais, podendo tal reacção ser condicionada à reapreciação pela própria Administração. Por outro lado, da obrigatoriedade de um prévio recurso hierárquico não resulta a inviabilização, ou, sequer, a inadequação da tutela de direitos e interesses dos particulares. Apenas se impõe a necessidade de impugnação hierárquica prévia para actos de órgãos subalternos, ficando em qualquer caso assegurado o posterior recurso contencioso. Já, aliás, com a 2ª revisão constitucional se pretendeu, na definição dos actos administrativos, um afastamento dos conceitos de definitividade e de executoriedade, anteriormente utilizados, prevendo-se a garantia de recurso contencioso contra quaisquer actos, agora formulada como garantia de 'tutela jurisdicional efectiva'. Todavia, como se salienta na doutrina,
‘a garantia constitucional não obsta a que a lei imponha, entre outras condições de procedibilidade, a necessidade de impugnação administrativa prévia de certos actos administrativos praticados por órgãos subalternos (actos não definitivos), nem a que exija uma necessidade concreta de protecção judicial do particular, por vezes inexistente em casos de actos já constituídos mas ainda não eficazes – será esse (...) o sentido e o alcance actual do artigo 25º da LPTA, ao exigir que os actos sejam ‘definitivos e executórios’ .
[J.C. Vieira de Andrade, A justiça administrativa (Lições), Coimbra, 1999, pág.
96] A tutela jurisdicional efectiva dos administrados não resulta, nem inviabilizada, nem, sequer, restringida pela previsão de tal via hierárquica necessária como meio de, em primeira linha, tentar obter a satisfação do interesse do administrado pela revisão do acto administrativo praticado pelo
órgão subalterno da Administração, previamente ao, sempre assegurado, recurso jurisdicional. Trata-se, apenas, de um condicionamento legítimo do direito de recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia da tutela judicial em todos os casos concretos (veja-se a ob. cit., págs. 181 e segs.).
6. No caso concreto, sendo o acto recorrido uma decisão susceptível de recurso hierárquico (cujo necessário esgotamento está justamente em causa), como se salientou no citado Acórdão n.º 603/95 'não causou ela lesão efectiva do direito que o funcionário invoca, pois, se tal direito existir, sempre ele poderá vir a ser reconhecido pelo órgão a que na Administração cabe a última e definitiva palavra sobre a matéria. A lesão do direito invocada, a existir, é, por isso, meramente potencial.' (isto, sendo certo que, a subsistir tal lesão, não ficará inviabilizada a protecção jurisdicional contra ela). Remetendo para os fundamentos invocados neste Acórdão n.º 603/95, ter-se-á, pois, de negar provimento ao presente recurso, não se reconhecendo violação do n.º 4 do artigo 268º, na redacção posterior a 1997, pelo preceito questionado do artigo 25º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. E, da mesma forma, não pode dizer-se que resulte desta norma qualquer violação dos artigos 17º e 18º da Constituição (desde logo porque, como vimos, a garantia do artigo 268º, n.º 4 não é posta em causa, mas apenas condicionada em obediência a interesses legítimos de unidade e eficácia da acção administrativa).' Valem aqui, plenamente, as mesmas razões para não julgar inconstitucionais as normas agora em apreciação por violação do nº 4 do artigo 268º da Constituição, em nada alterando, quanto a este fundamento específico da alegada inconstitucionalidade, a circunstância de, no caso, se somarem uma reclamação e um recurso hierárquico necessários. Não se acolhe, portanto, o critério apresentado por VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo como 'Direito Constitucional concretizado' ou 'ainda por concretizar', Coimbra, 1999, segundo o qual 'a inconstitucionalidade das normas que impõem o recurso hierárquico não está naqueles casos em que o particular utilizou esse meio administrativo, não sendo por isso prejudicado, mas sim em todas aquelas outras em que o particular vê precludida a sua possibilidade de recurso contencioso por não ter interposto atempadamente recurso hierárquico do acto lesivo. O que parece ser uma manifesta violação do princípio constitucional da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares perante a justiça administrativa, já que equivale a negar o direito de acesso ao recurso contencioso só porque não utilizou previamente um meio administrativo, fazendo depender o acesso à justiça da utilização ou não das garantias administrativas (...)' (pág. 40).
9. Relativamente aos artigos 27º e 53º da LPTA, cumpre verificar que apenas releva para o caso a norma que se extrai da conjugação da al. c) do artigo 27º com o artigo 53º, segundo a qual, se vem 'permitir ao Mº Pº – a quem, legalmente, compete a defesa judicial dos interesses do Estado – formular (novo) parecer no sentido da rejeição do recurso contencioso interposto pelo recorrente contra um acto praticado por um órgão do mesmo Estado, sem que ao recorrente particular seja dada a possibilidade de se pronunciar sobre o dito parecer' (fl.
428, alegações apresentadas pelo recorrente no recurso interposto para o Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo). O recorrente pretende que 'da forma como foram interpretados e aplicados no Acórdão recorrido, violam os mesmos supracitados preceitos e princípios e ainda o artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem'. O 'direito ao exame equitativo da causa ali consagrado, ‘ex vi’ dos artºs 16º, nºs 1 e 2, 8º, nº 2, da CRP, ser considerado como integrando a panóplia dos direitos dos cidadãos constitucionalmente afirmados e protegidos. Pois vai contra tais princípios e preceitos a admissão de que o Mº Pº possa, maxime em recurso contencioso em que se discute um acto praticado por um órgão da Administração Central do Estado, formular ‘pareceres’ ou, sobretudo, ‘novos pareceres’, em que aduz argumentos em favor do indeferimento do recurso do particular, sem que este seja notificado para se pronunciar...'. Segundo o acórdão recorrido (cfr. em particular fls. 494-495), apenas lhe foi colocada a questão da eventual inconstitucionalidade das normas agora em causa
'dentro do segmento que o recorrente então lhe submeteu, ou seja, pela ausência de contraditório à questão nova levantada pelo MºPº no seu parecer final, de fl.s 195 e segs.' Nesta dimensão, o Supremo Tribunal Administrativo julgou não ocorrer qualquer inconstitucionalidade porque o Ministério Público se limitou, no parecer final, a acompanhar a autoridade recorrida na afirmação de que não ocorreu 'formação de acto tácito recorrido e consequente impossibilidade da substituição do objecto do recurso contencioso.' Não foi violado o direito do recorrente a um processo equitativo, nos termos exigidos perlo artigo 6º da CEDH, porque o recorrente se pode pronunciar
'longamente' sobre esta questão, em resposta à autoridade recorrida. Para além disso, o Supremo Tribunal Administrativo chamou a atenção para que o Ministério Público, neste recurso, se não opõe ao recorrente, apenas nele intervindo para defesa da legalidade democrática.
A verdade, todavia, é que a questão de constitucionalidade colocada a este Tribunal não se restringe à hipótese de o Ministério Público, no seu parecer, tratar questões novas; e, como se vê da transcrição atrás feita, também se não encontra essa restrição quando o recorrente suscitou a inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido. Encontrando-se, todavia, contida na norma impugnada, pode ser apreciada neste recurso a dimensão normativa efectivamente aplicada na decisão recorrida ou seja, a norma segundo a qual, num recurso contencioso interposto por um particular contra um acto praticado por um órgão do Estado, não há que notificar o recorrente particular para se pronunciar sobre o parecer que o Ministério Público emite, na vista final do processo, no qual não levanta nenhuma questão nova que possa conduzir à rejeição do recurso.
10. O Tribunal Constitucional, na sequência dos acórdãos nºs 345/99
(Diário da República, II Série, de 17 de Fevereiro de 2000), 412/200 (Diário da República, II Série, de 17 de Fevereiro de 2000) e 500/00, não publicado, julgou inconstitucional com força obrigatória geral a norma constante do artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (acórdão nº 157/01, ainda não publicado); a fundamentação adoptada – seja a que fez maioria, no sentido de que violava a norma que se extrai do nº 4 do artigo 20º da Constituição, na parte em que consagra o direito a um 'processo equitativo', seja a que considera infringido o princípio da independência dos juízes – não conduz, necessariamente, à inconstitucionalidade das normas agora em julgamento.
Com efeito, escreveu-se no primeiro dos acórdãos citados, sintetizando a posição ocupada pelo Ministério Público no âmbito do contencioso administrativo de anulação:
'No que toca ao núcleo tradicionalmente central da justiça administrativa, que é o recurso contencioso, o Ministério Público tem legitimidade para interpor recursos de anulação de quaisquer actos administrativos [ cf. artigo 46º, n.º 2, do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (Decreto-Lei n.º 41.234, de 20 de Agosto de 1957). E, quando não seja o recorrente, tem o poder de suscitar a regularização da petição, excepções, nulidades e quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso, e pronunciar-se sobre questões que não tenha suscitado; promover diligências de instrução; emitir parecer sobre a decisão final a proferir; arguir vícios não invocados pelo recorrente; e requerer, assumindo a posição de recorrente, o prosseguimento de recurso interposto durante o prazo em que podia impugnar o respectivo acto, para julgamento não abrangido em decisão, ainda não transitada, que tenha posto termo ao recurso por desistência ou outro fundamento impeditivo do conhecimento do seu objecto [ cf. artigo 27º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º
267/85, de 16 de Julho)] . Para este efeito, o Ministério Público - para além de poder fazer requerimentos no processo (cf. o citado artigo 27º) - tem vista dos autos, inicialmente, logo que feito o preparo (cf. artigo 42º da citada Lei de Processo), e, mais tarde, depois de apresentadas as alegações ou de findo o respectivo prazo (cf. artigo 53º da mesma Lei). Além disso, quando o recorrido ou o próprio relator suscitem a questão prévia do não conhecimento do recurso, o Ministério Público é ouvido sobre essa questão (cf. artigo 54º da referida Lei de Processo). Tudo isto, obviamente, com vista à defesa da legalidade, que é uma das funções que a Constituição lhe comete, no artigo 219º, n.º 1: 'Ao Ministério Público - diz-se nesse preceito - compete [ ...] , nos termos da lei [ ...] , defender a legalidade democrática'.
(...) Cabe perguntar se a norma do referido artigo 15º viola a norma que se extrai do nº 4 do artigo 20º da Constituição, na parte em que consagra o direito a um
'processo equitativo' .
(...) O conceito de 'processo equitativo' tem sido desenvolvido sobretudo pela jurisprudência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo artigo 6º tem precisamente como epígrafe 'direito a um processo equitativo' e cujo § 1º dispõe
, retirando as palavras do artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que 'qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativamente', frase que é repetida no artigo 14º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos. Ora a revisão constitucional pretendeu precisamente, fazendo uma 'transposição explícita do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem', tendo presente 'todo o trabalho do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem', 'dar dignidade constitucional' (expressões do deputado Alberto Martins na reunião de 5.9.1996 da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, edição provisória não oficial de José de Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional em CD-Rom, 2ª ed., Lisboa, Editorial Notícias, 1999), a conteúdos normativos que, através daquele direito internacional, já integravam a ordem jurídica portuguesa e inclusivamente, num certo entendimento, através da remissão no nº 2 do artigo 16º, a própria ordem constitucional (no mesmo sentido se pronunciou o deputado Luis Sá, ibidem: 'toda a densificação é bem vinda e nesse sentido creio que a consagração do princípio do processo equitativo pode ser uma contribuição para que no plano da legislação ordinária venha a ser reforçado o princípio da igualdade das armas, dos direitos de defesa, da justiça no processo em termos gerais': também o deputado Luis Marques Guedes admitiu um 'ganho acrescido').
(...) Quanto ao artigo 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 299/96 de 29 de Novembro, há que julgá-lo inconstitucional, por violação do nº 4 do artigo 20º da Constituição, uma vez que não permite às partes tomar conhecimento e discutir qualquer elemento da intervenção do Ministério Público no processo que possa influenciar a decisão. Não tem cabimento qualquer restrição aos casos de pronúncia possivelmente desfavorável. Mesmo quando o Ministério Público nada diga na sessão de julgamento, basta a possibilidade de dizer sem controlo do facto pela parte para tornar a intervenção inadmissível, em face das exigências de transparência ligadas ao correcto entendimento do princípio do contraditório, implicado pelo nº 4 do artigo 20º da Constituição.'
E no acórdão nº 412/2000 reiterou-se 'a conclusão a que chegou o Acórdão nº 345/2000, no sentido da inconstitucionalidade da norma em causa, por violação do direito a um processo equitativo, consignado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República', considerando-se expressamente que o que é decisivo
'é o modo e o momento em que se processa a intervenção do Ministério Público, cujo conteúdo as partes ficam a desconhecer e não podem minimamente controlar.
Com efeito, o respeito por um processo equitativo supõe a criação de condições objectivas que permitam assegurá-lo. Ora, não se vê como tal possa acontecer quando um elemento exterior ao colégio de juízes, que tem por missão decidir a controvérsia, pode participar na discussão, numa fase em que qualquer intervenção se apresenta como particularmente decisiva porque antecede imediatamente a tomada de decisão'.
No acórdão 157/01 remeteu-se para a fundamentação adoptada pelo acórdão nº 412/2000.
11. E a verdade é que as razões apontadas para justificar a inconstitucionalidade da norma então apreciada não ocorrem na norma agora em julgamento. Com efeito, não se verifica aqui a impossibilidade de controlo pelas partes que, ali, foi considerada decisiva; por um lado, porque, sendo o parecer apresentado por escrito, sempre podem questionar a apreciação feita pelo tribunal sobre a existência, ou não, de uma questão nova, e sobre a decisão de as notificar para se pronunciarem ou não; em caso de discordância – ou seja, para o que interessa, se o tribunal tiver entendido não ter sido suscitada uma questão nova e, portanto, tiver julgado o recurso sem ter mandado notificar a parte para se pronunciar –, sempre esta pode invocar nulidade justamente por falta dessa notificação, que origina, naturalmente, uma violação relevante do princípio do contraditório (artigo 201º do Código de Processo Civil). Com efeito, o respeito por este princípio apenas exige que, em caso de o Ministério Público ter suscitado uma questão nova – um novo obstáculo ao conhecimento do recurso, para o que agora interessa – ao recorrente seja dada oportunidade de a apreciar, antes da decisão do recuso; e foi precisamente com este sentido que o Supremo Tribunal Administrativo interpretou e aplicou a norma em julgamento. Poder-se-ia sustentar que o princípio do contraditório exigiria, em qualquer caso, a notificação anterior à decisão. Não parece, todavia, que entendimento diverso provocasse qualquer inconstitucionalidade; só assim seria se fosse irremediavelmente ineficaz uma alegação, posterior à decisão, de ter sido suscitada pelo Ministério Público no seu parecer uma questão nova a que a parte tivesse o direito de responder. A verdade, todavia, é que o regime apontado das nulidades por omissão de um acto devido permite obviar ao trânsito em julgado daquela decisão e conseguir a sua anulação, se vier a entender-se que a alegação era fundada.
12. Foi aliás o entendimento agora afastado – embora relativo a um domínio diferente – que levou o Tribunal Constitucional a proferir o acórdão nº 533/99
(Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1999), no qual foi decidido
'não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem', independentemente do sentido do parecer (ou seja, quer se pronuncie no sentido do agravamento da sua posição, quer não).
Estava então em causa resolver o conflito de jurisprudência ocorrido quanto à 'norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929', entre os acórdãos nºs 135/98 e 150/87.
'A norma em causa determina que «os recursos, antes de irem aos juízes que têm de os julgar, irão com vista ao Ministério Público, se a não tiver tido antes».
O Acórdão nº 150/87 julgou inconstitucional a norma em questão, enquanto o Acórdão nº 135/98, na esteira do Acórdão nº 150/93, não a julgou inconstitucional, embora numa dada interpretação, que se pretendeu ser conforme
à Constituição. De acordo com esta interpretação, «se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem».
A solução que fez vencimento baseou-se na declaração de voto aposta pelos Conselheiros José de Sousa e Brito, Antero Monteiro Dinis e Armindo Ribeiro Mendes ao acórdão nº 150/93, da qual se transcreve também aqui a fundamentação essencial: '2. Está fora de questão a possibilidade de os recursos irem com vista ao Ministério Público para os mesmos efeitos do artigo 707º, nº
1, do Código de Processo Civil: pronúncia sobre a má fé dos litigantes e a nota de revisão efectuada pela secretaria, promoção das diligências adequadas, quando verifique a existência de qualquer infracção da lei. É claro que para estes efeitos o Ministério Público desempenha apenas a sua função constitucional de defesa da legalidade democrática (artigo 221º da Constituição). Não se justifica nessa medida um direito de resposta do réu.
(...) Com efeito, também em fase de recurso no processo penal o Ministério Público representa o Estado no exercício da acção penal. É nessa qualidade que se pode pronunciar sobre o objecto do processo ou sobre a possibilidade do seu conhecimento (...)
3. O direito de defesa garantido pelo nº 1 do artigo 32º da Constituição tem toda a extensão racionalmente justificada para uma defesa efectiva em processo criminal (assegura 'todas as garantias necessárias de defesa', nas palavras do nº 1 do artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), pelo que não se esgota (assim, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 40/84, - Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3º, pp. 241 ss -, 55/85 - Acórdãos, vol. 5º, pp. 461ss -, 17/86 - Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1986 -, etc.) nas garantias constantes dos vários números do mesmo artigo e que se devem ler à luz daquele direito. Mas, por outro lado, o direito de defesa concretiza-se e desenvolve-se sistematicamente através dessas garantias. É assim que o princípio do contraditório (nº 5) vem determinar que a defesa é cometida, em primeiro lugar, à responsabilidade do arguido, que tem o direito de responder da forma que julgar adequada às intervenções processuais do Ministério Público. Em sentido inverso, a ilimitação das garantias de defesa ('todas') assegura o direito de resposta sempre que o Ministério Público intervém pela acusação, pois em toda essa extensão é racionalmente justificado o contraditório (nas palavras do acórdão nº 45/84 - Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3º, pp 271 - :
'é de atribuir a este princípio a maior dimensão possível').
A Constituição estatui que a audiência de julgamento está subordinada no princípio do contraditório (nº. 5 do artigo 32º). Não há razão para distinguir neste aspecto a audiência oral de julgamento das 'audiências' de recurso, que, no regime do Código de 1929, eram apenas escritas.
Na lógica da contraposição dialéctica entre a acusação e a defesa, cuja efectividade é assegurada pelo princípio do contraditório, a defesa é um posterius relativamente à acusação, que pressupõe. É, assim, por exigência do princípio do contraditório e não por um princípio assimétrico de favorecimento do réu, que a este - ou ao seu defensor - deve caber a última palavra (como dispõe para o julgamento o artigo 467º do Código de 1929). Por consequência, sempre que em via de recurso o Ministério Público se pronuncia sobre o objecto do processo ou sobre o conhecimento do recurso, de qualquer das formas representando a acusação, terá o réu direito de resposta, por aplicação directa dos nºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição.' Disse-se ainda no acórdão nº 533/99:'5. Não se diga que o princípio da igualdade de armas não tem aplicação no processo penal português, por este não estar estruturado como um processo de partes. A posição do Ministério Público sendo dependente da sua configuração constitucional idiossincrática, consoante os países, caracterizando-se em Portugal pela autonomia, pelo que seria no processo penal um órgão de justiça, vinculado a critérios de legalidade e de objectividade, e não uma parte. Ora, sem pretender dilucidar aqui o instituto jurídico-constitucional do Ministério Público, e em especial a questão de saber como a sua 'autonomia', compatível com a sujeição dos seus magistrados às directivas, ordens e restrições previstas na respectiva lei, se distinguem da
'independência' dos juízes (cfr. o Acórdão nº 254/92, Diário da República, 1ª Série-A, p. 3593), é certo que pelo simples facto de no processo penal representar o Estado como detentor do interesse punitivo, que se realiza desde logo através do exercício da acção penal, mas que se realiza também através da actuação do Ministério Público no processo penal, sem exceptuar a fase de recurso, o Ministério Público representa um dos sujeitos da relação jurídica punitiva que é objecto do processo penal e em que o réu é o outro sujeito. É neste sentido uma das partes do processo, mesmo que este processo não esteja na disponibilidade das partes como o estão, na maior parte dos casos, os processos civis. A moderada idiossincrasia do Ministério Público no direito português não
é acompanhada de qualquer idiossincrasia da sua função no processo penal.' Ou seja: foi aqui decisiva a verificação de que, no processo penal, o Ministério Público intervém no exercício do poder punitivo do Estado, e a esse título exerce a acção penal – ou seja, neste sentido, intervém como 'parte'; no contencioso administrativo de anulação, que neste recurso nos interessa, não podemos esquecer que a norma em apreciação apenas prevê que o Ministério Público tenha vista do processo para emitir parecer sobre a decisão a proferir quando não foi ele a interpor o recurso (cfr. início do artigo 27º e fim do artigo 53º)
– ou seja, quando o Ministério Público apenas intervém no recurso como garante da legalidade objectiva e não como representante de nenhuma das partes.
13. Também não procedem no presente caso as razões que levaram o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 582/2000 (Diário da República, II Série, de 13 de Fevereiro de 2001), a 'Julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, a norma constante do n.º 3 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º
185/93, de 22 de Maio, quando interpretada no sentido de que, no recurso judicial da decisão do organismo de segurança social que rejeite a candidatura a adoptante, não é necessária a notificação ao recorrente do parecer que o Ministério Público emita, sendo esse parecer desfavorável ao recorrente e versando sobre matéria relativamente à qual o recorrente ainda não tenha tido oportunidade de se pronunciar'.
Com efeito, basta verificar que, aqui, se perfilhou uma interpretação da norma aplicável no sentido de que o candidato a adoptante não tem de ser notificado do parecer do Ministério Público que versou questões sobre as quais aquele ainda não dispusera de oportunidade para se pronunciar para afastar qualquer precedente.
14. Resta concluir que as sucessivas alterações da Constituição, no que toca à definição das regras fundamentais em matéria de contencioso administrativo, embora possam ser vistas como implicando uma evolução no sentido de um modelo subjectivista na organização da justiça administrativa, não obrigam a julgar inconstitucionais as normas que prevêem a intervenção do Ministério Público agora em análise. Como escreve VIEIRA DE ANDRADE (A Justiça Administrativa, 3ª ed., Coimbra, 2000, págs. 66-67), comparando os modelos objectivista e subjectivista e caracterizando o sistema português dentro dessa contraposição, a Constituição
'não pretendeu impor um modelo processual determinado. A concretização desse modelo compete ao legislador, que, no uso da sua liberdade constitutiva, pode optar entre diversas fórmulas de instituição da justiça administrativa, desde que respeite o quadro constitucionalmente estabelecido (concretamente, o modelo organizatório judicialista e a protecção efectiva dos direitos dos administrados). E, exemplificando os domínios em que essa liberdade de conformação se pode verificar, VIEIRA DE ANDRADE indica, expressamente, o dos
'poderes e deveres (...) do Ministério Público (...)'. E, na verdade, nenhum dos princípios ou das normas constitucionais que especificamente versam sobre contencioso administrativo implica a inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto deste recurso. Como escreveu SÉRVULO CORREIA (O recurso contencioso no projecto da reforma: tópicos esparsos, in Cadernos de Justiça Administrativa,, Março/Abril 2000, pág.
12 e segs.), 'Trata-se de preservar um momento importante para a qualidade da justiça administrativa e para a salvaguarda da legalidade democrática. Desacompanhado da participação activa na sessão de julgamento, o parecer final corresponde a uma fórmula que nenhum Acórdão do Tribunal Europeu Dos Direitos do Homem condenou ainda expressamente nesses estritos confins'. Também JORGE MIRANDA ( Os parâmetros constitucionais da reforma do contencioso administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, Setembro/Outubro de 2000, pág. 3 e segs.) considera que, nas sucessivas alterações ao artigo 268º da Constituição, se verifica que 'A componente ou intenção subjectivista fica bem realçada (nem outra coisa seria de esperar no âmbito de um artigo sobre
‘direitos dos administrados’). Nem por isso, entretanto, fica excluída ou sequer diminuída a componente objectivista irredutível, ligada à acção popular (art.
52º, nº 3) e à intervenção do Ministério Público em defesa da legalidade democrática (art. 219º, nº 1)'.
Nestes termos, decide-se: a) Não conhecer do objecto do recurso no que respeita à norma constante do artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 299/96, de 29 de Novembro; b) Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto na al. c) do artigo 27º com o artigo 53º Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, segundo a qual, num recurso contencioso interposto por um particular contra um acto praticado por um órgão do Estado, não há que notificar o recorrente particular para se pronunciar sobre o parecer que o Ministério Público emite, na vista final do processo, no qual não levanta nenhuma questão nova que possa conduzir à rejeição do recurso; c) Não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 140º e 141º do Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n
º 465/83, de 31 de Dezembro, na sua redacção original, enquanto impõe como condição necessária da interposição de recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna dos actos praticados pelo Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana a reclamação prévia para o autor do acto, ainda que tenha sido anteriormente reclamado um primeiro acto, praticado pelo mesmo autor em resposta ao mesmo pedido, que veio a ser revogado em recurso hierárquico oportunamente interposto; d) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida quanto às questões de constitucionalidade. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 2 de Maio de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Artur Maurício Paulo Mota Pinto Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito José de Sousa e Brito (vencido, quanto à alínea b) da decisão, conforme declaração de voto junta) Guilherme da Fonseca (vencido, quanto às alíneas b) e c), conforme declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa Declaração de Voto Votei vencido quanto à alínea b) da decisão, porque em meu entender a norma segundo a qual, num recurso contencioso interposto por um particular contra um acto praticado por um órgão do Estado, não há que notificar o recorrente particular para se pronunciar sobre o parecer que o Ministério Público emite, na vista final do processo, no qual não levanta nenhuma questão nova que possa conduzir à rejeição do recurso, se deve julgar inconstitucional, por violação da norma que consagra o direito a um processo equitativo e que se extrai do nº 4 do artigo 20º da Constituição. Embora o acórdão pretenda não contrariar a recente jurisprudência deste Tribunal
(acórdãos: 545/99 Diário da República, II série, de 17 de Fevereiro de 2000, pp.
3293 ss.; 412/2000, Diário da República, II série, de 21 de Novembro de 2000, pp. 18871 ss.; 500/2000, inédito; 157/2001, Diário da República, I série-A, de
10 de Maio de 2001, pp. 2738 ss.), representa, em minha opinião, um recuo relativamente a ela. Essa jurisprudência vinha retirando da inclusão na revisão constitucional de 1997 da referência a um direito a um 'processo equitativo', entendida como uma 'transposição explícita do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem', a recepção pela Constituição dos conteúdos normativos da anterior jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre esse conceito (Acórdão nº 545/99 cit., p. 3298).
Ora, como se disse no Acórdão nº 345/99 (p.3298) 'a partir do Acórdão L... contra Portugal, de 20 de Fevereiro de 1996 (Recueil des arrêts et décisions, 1996, I, pp.195 e segs.), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem firmou uma jurisprudência segundo a qual o direito a um processo equitativo inclui «o direito a um processo contraditório. Este implica em princípio a faculdade para as partes de um processo, penal ou civil, de tomar conhecimento de, e de discutir, todo o elemento ou observação apresentado ao juiz, mesmo por um magistrado independente, tendo em vista influenciar a decisão» (p.206, §31)'. Trata-se, assim, de um 'direito a ser ouvido em direito' ('Recht auf rechtliches Gehör') cfr. Christoph Grabenwarter, Verfahrensgarantien in der Verwaltungsgerichtsbarkeit, Wien, Springer, 1997, p. 616), que só tem sentido em função da possível influência do que a parte disser, em consequência do exercício do direito, na deliberação judicial consecutiva.
Ora a limitação desse direito aos casos em que o tribunal entende ter sido suscitada uma questão nova que possa conduzir à rejeição do recurso não tem justificação racional, porque pode ter sido suscitado um argumento novo sobre uma questão já anteriormente suscitada, susceptível de influenciar a decisão em bem maior medida do que uma questão nova, porventura irrelevante.
Ora o Acórdão nº 345/99 afastou expressamente a jurisprudência do Tribunal anterior à revisão de 1997 (nomeadamente nos acórdãos nº 263/93 - Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24, 670 e nº 150/93 - Acórdãos cit, 24, p.308) que atendeu à circunstância de o Ministério Público ter in casu a natureza a um órgão de justiça, ou ter por função exclusiva a defesa da legalidade, argumento que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou irrelevante, ao considerar que no caso L... o direito a um processo equitativo teria sido violado no caso pela impossibilidade para o interessado de tomar conhecimento e de responder ao parecer do procurador-geral adjunto anterior ao julgamento do recurso na secção social do Supremo Tribunal de Justiça, ou que considerou relevante o sentido favorável ou desfavorável à parte de intervenção do Ministério Público, na interpretação do Tribunal.
Dada a função de direito do interessado a ser ouvido, é irrelevante que a sua alegação de nulidade da decisão, por falta de notificação do interessado para se pronunciar, possa ou deva ser eficaz. Desde logo, na tese do Acórdão, que contesto, a arguição estaria restrita à hipótese de ter sido suscitada uma questão nova que possa conduzir à rejeição do recurso, que é a restrição que se discute.
Finalmente, o Acórdão nº 157/2001 deve ser interpretado num sentido reforçativo, e não restritivo da viragem jurisprudencial marcada pelo Acórdão nº
545/99. José de Sousa e Brito
Declaração de Voto
1. Votei vencido quanto à alínea b), por entender que o juízo de não inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação do disposto na alínea c) do artigo 27º com o artigo 53º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, a LPTA, deveria assentar na interpretação no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão para vista final, se pronunciar, deve ser dada ao recorrente particular a possibilidade de responder.
É que, na linha da doutrina do acórdão nº 533/99 (citado no acórdão e aí largamente transcrito) e remetendo no essencial para os seus fundamentos, que, aliás, podem transpor-se para o presente caso - independentemente da questão teórica acerca da 'configuração constitucional idiossinarática' da posição do Ministério Público no processo penal e no contencioso administrativo de anulação
-, o que aqui também releva é o respeito absoluto e irrestrito do princípio do contraditório. Ainda que não se possa falar naquele contencioso numa 'lógica da contraposição dialéctica entre a acusação e a defesa', talqualmente acontece no processo penal, a verdade é que deve ser sempre assegurada ao recorrente particular no referido contencioso a possibilidade de responder sempre que, no visto final, o Ministério Público se pronuncie (a sua pronuncia, mesmo quando o Ministério Público se limita a acompanhar a autoridade recorrida, é sempre numa nova linguagem, podendo até envolver uma nova argumentação). Apelar, como fez o acórdão, para o regime das nulidades por omissão de um acto devido, é impor ao recorrente particular o ónus de discutir se foi ou não levantada pelo Ministério Público uma 'questão nova que possa conduzir à rejeição do recurso', com o arrastamento do processo, quando muito mais fácil na sequência processual é seguir o meu juízo de não inconstitucionalidade (há em qualquer caso a pronuncia, então pode haver resposta do recorrente particular).
2. Votei também vencido quanto à alínea b), por entender estar ferida de inconstitucionalidade, por violação do artigo 268º, nº 4, da Lei Fundamental, a norma constante dos artigos 140º e 141º do Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana (Decreto-Lei nº 465/83, de 31 de Dezembro, na sua redacção originária). Aqui limito-me a aderir ao meu voto de vencido que acompanha o acórdão nº
603/95, citado no acórdão e por este seguido passo a passo, sempre com o entendimento de que, a fazer depender o acesso à justiça administrativa da utilização ou não das garantias administrativas, está a eliminar-se ou a restringir-se intoleravelmente o direito fundamental do recurso contencioso. Registe-se só que tal entendimento está ultimamente a ser adoptado pela jurisprudência administrativa, como pode ver-se nos acórdãos publicados nos Cadernos de Justiça Administrativa, nº 24, págs. 31 e seguintes, com anotação do J.M. Pires Machado.
Guilherme da Fonseca