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Processo nº 310/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção), proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. J..., com os sinais identificadores dos autos, veio ‘interpor recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, para o Tribunal Constitucional’, apoiando-se ‘no disposto na al. b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro’, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção), de 2 de Fevereiro de 2000, porque ele ‘aplicou a norma do nº 3 do artº 438º do C.P.P.
(p.5) cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo (item 8º do requerimento de interposição de recurso junto do Supremo para fixação de jurisprudência)’. Nesse acórdão, no que agora pode interessar, decidiu-se ‘pela rejeição do recurso’, ficando relatado o seguinte:
‘Ao abrigo do disposto nos arts. 437° e ss. do Código de Processo Penal, J..., identificado nos autos, interpôs o presente recurso, para fixação de jurisprudência, de douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em
7 de Outubro de 1997, no processo n° 2.351/97, por em seu entender se encontrar em oposição com douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Janeiro de 1991, sobre a mesma questão de direito . Invoca, para o efeito, em síntese, no douto requerimento de interposição, que enquanto o segundo acórdão referido (acórdão fundamento) - que confirmou decisão do Juiz de instrução não pronunciando por crime de burla arguidos no processo, em que era assistente - decidiu no sentido de que os extractos de conta bancária não responsabilizam ninguém, uma vez que os mesmos não contêm qualquer assinatura, o acórdão recorrido - que confirmou a sua condenação por crime de emissão de cheque sem provisão considerou que o arguido tinha a obrigação de conhecer a falta de provisão na sua conta d.o., pelos extractos que o banco lhe enviava. Subsidiariamente, invocando o disposto no art. 646°, n° 1, do C.P.P., que entende ferido de inconstitucionalidade, por violação do disposto no art. 13° da C.R.P., se interpretado no sentido de limitar ao Ministério Público a legitimidade para interpor recurso aí previsto, pediu a anulação do douto acórdão da Relação de Lisboa, por violar jurisprudência obrigatória fixada por Ac. do Plenário da Secções Criminais do S.T.J. de Outubro de 1995, proc. n°
46.580 3ª publicado no D.R. Série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, ao decidir que a matéria de facto era insindicável por isso que ocorreu renúncia à matéria de facto. Requereu o efeito suspensivo do recurso. O Ex.mo Relator do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, por douto despacho certificado a fls. 24 e 25 admitiu, sem efeito suspensivo, o recurso, exprimindo embora dúvidas sobre a sua admissibilidade, por se afigurar que não se verifica o requisito da oposição de julgados. Foi em seguida dado cumprimento ao disposto no art. 439°, n° 1, do C.P.P. Remetidos ao S. T.J., o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, no seu douto despacho quando da vista nos termos do art. 440° do C.P.P., pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso, por não se verificar a oposição de julgados, conforme resulta da apreciação a tal respeito pelo douto despacho do Ex.mo Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, acima referido. No exame preliminar, o relator considerou admissível o recurso, manteve o carácter não suspensivo do seu efeito, em harmonia com o disposto no n° 3 do art. 443° do C.P.P., e pronunciou-se no sentido de se afigurar não existir oposição de julgados, pelas razões aduzidas no mencionado despacho do Ex.mo Relator do Tribunal da Relação de Lisboa’.
2. A norma em causa, relativa ao recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, limita-se a dizer que este recurso ‘não tem efeito suspensivo’ e como tal foi entendida e aplicada no acórdão recorrido. No requerimento de interposição de tal recurso, o recorrente veio sustentar que
‘deve ser-lhe fixado efeito suspensivo já que o nº 3 do artº 438º do C.P.P. enferma dum vício de inconstitucionalidade’. E acrescentou:
‘Com efeito, se o nº 1 do artº 445º do mesmo diploma, confere à decisão que resolver o conflito, eficácia no processo em que o recurso foi interposto, teríamos, se ao mesmo não for atribuído efeito suspensivo, (pelo menos da decisão recorrida), que a parte recorrente fica sujeita a pagar por uma condenação que só transitou em julgado na dependência de uma condição resolutiva. Ora isto resulta em grosseira violação do princípio da presunção de inocência do arguido consagrado no nº 2 do artº 32º da C.R.P.’.
3. Acontece porém, que, dado o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, por todos reconhecido, nenhuma utilidade pode ter in casu o recurso, sendo meramente académico estar a apreciar aqui a questão de inconstitucionalidade posta pelo recorrente, quanto àquela norma do nº 3 do artigo 438º. Daí que, por não haver interesse juridicamente relevante nessa apreciação – e não poder ela servir para o recorrente ‘fazer-se valer do decurso do prazo de prescrição com mais hipóteses de êxito’ , como ele próprio pretende –, não se deva tomar conhecimento do presente recurso, na parte em que foi parcialmente admitido e ainda está pendente. Com efeito, o acórdão recorrido rejeitou o recurso para a fixação de jurisprudência que o recorrente havia interposto, ‘ao abrigo do disposto nos arts. 437º e ss. do Código de Processo Penal’, por não julgar verificada a alegada oposição de julgados. Interposto recurso de constitucionalidade, pretendendo o recorrente que o Tribunal Constitucional apreciasse a constitucionalidade da ‘norma do nº 3 do artº 438º do C.P.P. (...)’ e da ‘norma do artº 437º do C.P.P., a qual conjugada com a do nº 1 do artº 445º do mesmo diploma também aplicada no acórdão recorrido, para desatender a excepção da prescrição, violam o nº 1 do artº 32º da Constituição’, ‘o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não o admitir por não ter sido suscitada oportunamente (isto é, durante o processo, como o exige a al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82) a respectiva inconstitucionalidade’, e, apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional desta não admissão, foi ela indeferida, por acórdão de fls. 126 e seguintes, com o nº 464/2000. Tal significa que se tornou no processo definitiva a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que rejeitou o recurso para fixação de jurisprudência, fazendo caso julgado formal, que sempre se impõe e imporá ao recorrente. Portanto, saber se tal recurso tem ou não efeito suspensivo e discutir esta regra, no plano da conformidade com as garantias de defesa do arguido consagradas na Constituição, é na prática irrelevante (disto mesmo se apercebeu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão em que indeferiu a arguição de nulidades, de 29 de Março de 2000, quando nele se refere não se justificarem, a propósito do ‘entendimento dos aludidos despachos no sentido do efeito não suspensivo’, que se produzissem no acórdão reclamado ‘outras considerações sobre este aspecto, tendo em atenção a sua irrelevância decorrente da verificação da não oposição de julgados e da inexistência de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo S.T.J., determinantes de rejeição do recurso’). É que, mesmo admitindo um juízo de inconstitucionalidade a proferir eventualmente pelo Tribunal Constitucional, ‘com a sua autoridade intraprocessual’, para usar a linguagem do recorrente, o certo é que sempre ficaria intocável a decisão de rejeição do recurso constante do acórdão recorrido. Por tudo isto, não se projectando utilmente a presente questão de
(in)constitucionalidade na decisão e na sequência dos autos, não pode, nem deve, tomar-se conhecimento do recurso de constitucionalidade.
4. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em seis unidades de conta'. B. Dessa Decisão veio o recorrente 'RECLAMAR para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 78º-A da Lei nº 28/82', invocando, no essencial, que 'o nº 3 do Art. 438º do C.P.P. ou é constitucional ou não o é' e 'a apreciação de tal questão há-de fazer-se sempre que ela for levantada nos termos legais, como acontece nos presentes autos'. E acrescenta depois:
'8 - Em suma, afigura-se ao reclamante que o estabelecido no Art.437º e no n° 1 do Art. 445° do C.P .P, em abstracto, nada tem de inconstitucional; em contrapartida, o preceito contido no n° 3 do Art. 438° do mesmo diploma é, esse, sim, estruturalmente inconstitucional, por razões que não cumpre aduzir aqui.
9 - Tanto devia bastar para se exigir uma apreciação autónoma e independente da solução dada ao outro problema.
10 - E nem se conclua, como se fez na decisão ora reclamada, in fine, que não há projecção útil da lide, pois que a prescrição é inegavelmente um instituto que conta a favor daquele para quem funciona.
11 - Assim sendo, não se pode ter senão como diminuição das garantias de defesa a recusa de alargar a possibilidade de a invocar .
12 - O que não se compreenderia num Tribunal ao qual está especialmente confiada a missão de defender a pureza constitucional.
13 - Na realidade, quando foi proferido o acórdão no Tribunal da Relação de Lisboa ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição para o procedimento criminal, o qual só se atingiu depois de subirem os autos ao Supremo para fixação de jurisprudência.
14 - O que poderá acarretar a seguinte consequência: se não se reconhecem efeitos suspensivos ao recurso, a decisão condenatória transitou em julgado; se se reconhecem, não houve trânsito em julgado e o ora reclamante já pode valer-se da prescrição.
15 - Existindo, por tal motivo, uma notória utilidade no julgamento do, recurso de constitucionalidade do n° 3 do Art. 438° do C.P .P.' C. Respondeu à reclamação o 'representante do Ministério Público junto deste Tribunal', afirmando que ela 'carece de qualquer sentido' e explicitando a seguir a afirmação:
'2 – Na verdade – e para além da manifesta inutilidade que representaria a discussão acerca dos efeitos de um recurso que o Supremo Tribunal de Justiça já decidiu definitivamente que era inadmissível, – a questão de constitucionalidade suscitada é 'manifestamente infundada'.
3 – Assentando na injustificada suposição de que a Lei Fundamental conferiria tutela ao interesse do arguido em protelar artificiosamente a sua condenação, através da interposição de um recurso visando a 'uniformização de jurisprudência', mas destinado a dirimir conflito jurisprudencial afinal, inexistente – a fim de mais facilmente poder alcançar a prescrição do procedimento criminal.
4 – Por outro lado – e sendo o recurso de fixação de jurisprudência, no processo penal, um recurso extraordinário - seria verdadeiramente absurdo e inconcebível que a susceptibilidade de uso eventual de tal meio impugnatório pudesse obstar à definitividade da decisão proferida' D. Cumpre decidir. Delimitado o presente recurso à questão da (in)constitucionalidade da 'norma do nº 3 do artº 438º do C.P.P.' e admitido pelo próprio recorrente que 'o estabelecido no Art.437º e no n° 1 do Art. 445° do C.P .P, em abstracto, nada tem de inconstitucional', é bom de ver que, como também ele próprio confessa, o pretendido é alargar a possibilidade de invocar a prescrição para o procedimento criminal, já que não tinha ainda decorrido o respectivo prazo, 'o qual só se atingiu depois de subirem os autos ao Supremo para fixação de jurisprudência' (e daí a sua afirmação final de existir 'uma notória utilidade no julgamento do recurso de constitucionalidade do n° 3 do Art. 438° do C.P .P.'). Só que o recurso de constitucionalidade não é instrumento adequado para obter tal objectivo. E o seu carácter instrumental impõe que apenas se conheça da questão de (in)constitucionalidade se houver interesse juridicamente relevante na apreciação da questão, o que não é o presente caso, como ficou demonstrado na Decisão reclamada. O recorrente não consegue infirmar essa demonstração e, por isso, tem sempre de concluir-se que não pode, nem deve, tomar-se conhecimento do presente recurso de constitucionalidade. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em quinze unidades de conta. Lisboa, 18 de Abril de 2001- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa