Imprimir acórdão
Proc. nº 56/2001
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Militar, em que figura como recorrente A.... e como recorrido o Ministério Público, o 1º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, por acórdão de 15 de Março de 2000, decidiu condenar o ora recorrente pela prática de um crime de peculato, previsto e punível pelos artigos 193º do Código de Justiça Militar, e 375º, nº 1, do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão, substituída por igual tempo de presídio militar.
A... requereu cópia dactilografada do acórdão de 15 de Março de
2000, em virtude da sua ilegibilidade, nos termos do artigo 94º, nº 4, do Código de Processo Penal.
Depois de receber a cópia dactilografada requerida, A... interpôs recurso do acórdão condenatório para o Supremo Tribunal Militar.
O recurso foi admitido, por despacho de fls. 338.
O Supremo Tribunal Militar, por acórdão de 8 de Junho de 2000, considerou o recurso interposto intempestivo, uma vez que o requerimento de passagem de cópia dactilografada de sentença ilegível 'não conduz à prorrogação do prazo previsto para a interposição do recurso'. Em consequência, o Supremo Tribunal Militar não tomou conhecimento do recurso, nos termos dos artigos 411º, nº 1, alínea a), 420º, nº 1, e 414º, nº 2, do Código de Processo Penal.
2. A.... requereu a reforma do acórdão de 8 de Junho de 2000, suscitando então a inconstitucionalidade da norma do artigo 94º, nº 4, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de não se abrir prazo para a interposição do recurso com a entrega de cópia dactilografada requerida, por violação dos artigos 32º, nº 1, e 2º, da Constituição.
O pedido de reforma foi indeferido, por acórdão de 29 de Junho de
2000.
3. A... interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, na interpretação que dela foi feita no douto acórdão que antecede, no sentido de que, caso o interessado tenha solicitado cópia dactilografada da decisão, ao abrigo do disposto no artigo 94º, nº 4, do CPP, o prazo para a interposição do respectivo recurso conta-se a partir do depósito na secretaria e não a partir da data da entrega ou recebimento pelo interessado dessa cópia.
O recorrente afirmou que não teve oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade normativa antes da prolação do acórdão que decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto da decisão condenatória.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de
14 de Julho de 2000.
Apresentada reclamação, nos termos dos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso veio a ser admitido pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 526/2000, de 29 de Novembro.
Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu da seguinte forma: A) Confrontado com a ilegibilidade do acórdão, de 15 de Março de 2000 do 1º Tribunal Militar de Lisboa o defensor requereu a transcrição dactilográfica da decisão para poder interpor recurso; B) A cópia do acórdão transcrita, foi entregue no dia 30 de Março, tendo o então recorrente interposto recurso do acórdão condenatório em 3 de Abril seguinte; C) O Supremo Tribunal Militar (STM) por acórdão de 8 de Junho de 2000 rejeitou liminarmente o recurso, por intempestividade, pois, de acordo com o disposto no artigo 411º n° 1 do CPP, 'o prazo findara em 30 de Março'; D) O STM interpretou o artigo 411° nº 1 do CPP, aplicável ao Código de Justiça Militar 'ex-vi' 331° do CJM, com o sentido de que o pedido 'de transcrição dactilográfica da parte manuscrita do acórdão recorrido por manifesta ilegibilidade' ... 'não conduz à prorrogação do prazo previsto para a interposição do recurso'; E) Porém, no caso dos autos não está em causa a prorrogação do prazo de recurso, mas sim, a determinação da data em que começa a correr o prazo de recurso; F) O prazo de recurso começa a correr da notificação do acórdão e tal notificação tem por fim dar a conhecer o conteúdo do acórdão; G) Sendo que o acórdão era parcialmente ininteligível para o R.te, o seu conhecido quando sanada conteúdo só se lhe torna a sua ininteligibilidade, dactilográfica ou seja aquando da entrega da transcrição requerida; H) Deste modo deve ser considerado que a notificação do Acórdão é efectuada em
30 de Março, data da entrega da transcrição dactilográfica; I) Entregue a transcrição em 30 de Março de 2000, a interposição de recurso da decisão final, em 3 de Abril deve ser considerada tempestiva, atento o prazo de quinze dias concedido pelo artigo 411° do CPP; J) O acórdão 8 de Junho de 2000 do STM errou ao interpretar o artigo 411º n° 1 com o sentido de que a notificação é um acto formal que se considera efectuado, independentemente da compreensão do declaratário do conteúdo do acórdão e ainda que essa compreensão não exista; K) Tal interpretação não tem em conta o princípio assente do direito penal, decorrente do artigo 94° do CPP da 'legibilidade dos actos processuais' e jurisprudência constante sobre tal questão; L) Por outro lado, estabelecendo a CRP no artigo 32° n° 1 que o processo criminal assegura as garantias. de defesa, incluindo o recurso, a interpretação dada no acórdão do STM ao artigo 411º n° 1 do CPP, não assegura as garantias de defesa no recurso, pois o Recorrente não conhecia a decisão antes da transcrição dactilográfica entregue; M) Encontrando-se consagrado no artigo 20° n° l da CRP o direito de acesso aos tribunais, as decisões judiciais enquanto ininteligíveis, não permitem tal acesso, por não serem conhecidas pelos seus destinatários; N) Deste modo a decisão do STM de considerar que a notificação do Acórdão se efectua com a sua leitura, ou com o depósito na secretaria, ainda que ininteligível, e de não se abrir o prazo de interposição do recurso penal com a entrega da requerida cópia dactilografada, é uma decisão que faz uma interpretação dos artigos 411º n° 1 do CPP e do artigo 428° do CJM , quando em conjugação com o artigo 94°, n° 1 e 4 da CPP, inconstitucional, por ofensa do direito de acesso ao direito e aos tribunais e do princípio das garantias de defesa constantes dos artigos 20° n° 1 e 32° n° 1 da CRP . Termos em que de acordo com os fundamentos sobreditos devem ser julgadas inconstitucionais as normas referidas, Como é de justiça.
Por seu turno, o Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
1º É inconstitucional, por violação do princípio constitucional das garantias de defesa do arguido, a interpretação normativa do artigo 411°, n° 1, do Código de Processo Penal, aplicável em sede de processo penal militar, que se traduz em contar o prazo de interposição do recurso da decisão condenatória proferida da data do depósito na secretaria do texto manuscrito, de forma ilegível, de tal decisão - e não do momento processual em que - na sequência da notificação da entrega da respectiva cópia dactilografada, oportunamente requerida - o arguido teve efectivo e pleno acesso ao conteúdo da decisão que o condenou.
2° Termos em que deverá proceder o presente recurso.
3. Cumpre decidir.
II Fundamentação
4. A questão de constitucionalidade normativa objecto do presente recurso de constitucionalidade foi recentemente apreciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 148/2001, de 28 de Março.
Nesse aresto, o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, a norma do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar a contagem do prazo de interposição do recurso desde a data do depósito na secretaria da sentença manuscrita de modo ilegível, e não da data em que o defensor do arguido é notificado da cópia da sentença dactilografada, tempestivamente requerida.
Este entendimento, assim como os fundamentos do Acórdão nº 148/2001, são, mutatis mutandis, aplicáveis nos presentes autos.
Nessa medida, e porque o presente recurso não suscita qualquer questão nova que cumpra apreciar, remete-se para a fundamentação do Acórdão nº
148/2001 (do qual se junta cópia), concluindo-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar que o prazo para a interposição do recurso se deve contar desde a data do depósito na secretaria da sentença manuscrita de modo ilegível, e não da data em que o defensor do arguido recebe cópia dactilografada da sentença, tempestivamente requerida, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição.
III Decisão
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 9 de Maio de 2001- Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa