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Proc. nº 743/97
Plenário
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. A., na qualidade de primeiro candidato da CDU-Coligação Democrática Unitária na lista concorrente à Câmara Municipal da Moita, veio apresentar recurso de contencioso eleitoral relativamente à 'não consideração da validade, pela Assembleia ao Círculo Eleitoral da Moita, de 3 votos onde o eleitor demonstra, de forma inequívoca, a sua intenção de voto' (quanto à eleição da assembleia de freguesia de Gaio-Rosário).
A petição de recurso foi recebida, por telecópia, no dia 24 de Dezembro de 1997 (dia em que os serviços do Tribunal Constitucional estiveram encerrados por tolerância de ponto), sendo o original entregue na secretaria do mesmo Tribunal em 26 de Dezembro, pelas 9 horas e 35 minutos.
A petição de recurso veio acompanhada de certidões de parte da acta da Assembleia de Apuramento Geral do Concelho da Moita, dos três boletins de voto protestados e do edital dos resultados apurados datado de 23 de Dezembro de
1997.
Em 29 de Dezembro foi remetida por telecópia certidão de afixação do edital dos resultados apurados no Concelho da Moita.
2. O recorrente alega, em síntese, o seguinte:
- No apuramento parcial da secção de voto nº 1 da Freguesia de Gaio-Rosário, não foram considerados como válidos 3 dos votos em que os eleitores manifestaram inequivocamente a sua vontade ao assinalarem com uma cruz o símbolo da coligação a que pertence o recorrente;
- Na assembleia de apuramento geral, foi confirmado o critério usado no apuramento parcial, considerando-se os votos como nulos;
- No entanto, a manifestação da vontade dos eleitores é clara e inequívoca, não podendo subsistir qualquer dúvida sobre o seu sentido de voto a favor da CDU;
- Foram deduzidos protestos relativamente à decisão da Assembleia de Apuramento Geral relativamente aos mesmos votos, os quais não obtiveram acolhimento;
- 'Qualquer norma jurídica tem que ser interpretada no contexto histórico e social em que é produzida e aplicada (Art. 9º nº 1 e 3 do C.C.), ora não pode o intérprete deixar de considerar a escassa ou nula familiaridade com a escrita de uma parte significativa dos eleitores', o que levará à necessidade de uma interpretação ampla, sob pena de se 'trair o espírito [da lei] e dos próprios eleitores arredados que foram do acesso à formação escolar';
- 'A nossa Lei Fundamental enfatiza o direito de voto em termos que não podem levar o excluir quem não possa, quer por razões de ordem de formação escolar, quer por razões de idade, imprimir a sinalética dentro dos limites precisos dum quadrado';
- 'A sua vontade evidencia-se pela referência ao símbolo que pretendem desde logo marcar como sua opção.'
Conclui pedindo a procedência do recurso e a consideração como válidos dos 3 votos em causa.
II
3. O recorrente dispõe de legitimidade para o recurso (art.
103º, nº 2, do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais), estando a sua qualidade de candidato da CDU à Câmara Municipal da Moita certificada pela acta da assembleia de apuramento geral.
O recurso é tempestivo, visto ter dado entrada no Tribunal Constitucional dentro do prazo de 48 horas previsto no art. 104º, nº 1, da mesma Lei Eleitoral (cfr. a acta, o edital e a certidão juntas pela recorrente).
4. Da acta da assembleia de apuramento geral consta que a mesma assembleia explicou, no início dos trabalhos, 'o critério legal de qualificação de votos como nulos', tendo a mesma deliberado, por unanimidade, 'considerar como válidos todos os votos em que o eleitor haja assinalado no quadrado, através de uma cruz inscrita nele, mesmo que não perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do mesmo, desde que não haja dúvidas da lista escolhida' (a fls. 4).
Relativamente à análise dos votos nulos na mesa nº 1 da freguesia Gaio-Rosário, o mandatário da CDU B. apresentou 'um protesto sobre o critério adoptado pela Assembleia no que se refere à não consideração como válidos dos votos nos quais a cruz haja sido aposta sobre a sigla partidária, o que em seu entendimento reflecte uma inequívoca intenção de voto no partido ou coligação, e como tal os mesmos deveriam ser considerados válidos', visto a cruz ter 'acepção afirmativa', não traduzindo rejeição.
'Face a este protesto a Assembleia deliberou no mesmo sentido que o havia feito relativamente ao protesto anterior, mantendo o critério adoptado'.
Do anexo à acta constam cópias dos três boletins de voto protestados, referentes às eleições para a Câmara Municipal e Assembleia Municipal de Moita e para a Assembleia de Freguesia de Gaio-Rosário, em que se acha assinalado por uma cruz a parte esquerda do símbolo da CDU (símbolo do Partido Comunista Português), não se mostrando assinalado qualquer dos quadrados destinados para o efeito.
5. Desde já se deixa dito que o recurso não merece provimento.
Nos termos do art. 85º, nº 3, da referida Lei Eleitoral, 'não será considerado voto nulo o do boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale inequivocamente a vontade do eleitor'. Por outro lado, o nº 4 do art. 84º da mesma lei estabelece que, no acto de votação, 'o eleitor entrará na câmara de voto situada na assembleia e, aí, sozinho, marcará com uma cruz no quadrado respectivo a lista em que vota para cada órgão autárquico e dobrará cada boletim em quatro'.
Sendo o direito de sufrágio um direito fundamental de natureza política, é constitucionalmente lícito condicionar o seu exercício a certos formalismos, desde que previstos na lei. Ora, é indubitável que a lei estatui de forma rigorosa o modo de expressar o voto de cada eleitor, prevendo os casos em que o deficiente preenchimento do boletim de voto torna o mesmo nulo (art. 85º, nº 2).
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem, de modo uniforme, interpretado de forma estrita o disposto no nº 4 do art. 84º desta Lei Eleitoral, exigindo que a cruz, ainda que imperfeitamente desenhada, se encontre no quadrado destinado a esse efeito. Na jurisprudência mais antiga do Tribunal houve opiniões de voto discordantes quanto à exigência da inscrição de uma cruz no quadrado respectivo, mas nunca se pôs em causa a exigência de o sinal de expressão do voto do eleitor ser desenhado no quadrado a esse fim destinado, ainda que pudesse exceder os seus lados (cfr. declarações de voto dos Conselheiros Monteiro Diniz, Vital Moreira, Raúl Mateus e Costa Mesquita juntas ao acórdão nº 319/85, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., págs.
1095 a 1100: vejam-se ainda os acórdãos nºs. 320/85, 326/85 e 864/93, publicados os dois primeiros naquele volume dos Acórdãos, págs. 1101 e seguintes e 1145 e seguintes, e o último no 26º volume dos Acórdãos, págs. 637 e seguintes, respectivamente).
A adoptar-se a tese propugnada pelo recorrente estar-se-ia a fazer uma interpretação correctiva do nº 4 do art. 84º da Lei Eleitoral, subvertendo-se o princípio aceite de que 'a lei não deixa à liberdade do eleitor o modo de assinalar o seu voto' (formulação do citado acórdão nº 326/85).
6. Há-de, assim, improceder o recurso interposto, não merecendo censura a deliberação da assembleia de apuramento geral atrás identificada, nem a aplicação do critério legal à apreciação dos boletins de voto certificados nos autos.
III
7. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso interposto.
Lisboa, 30 de Dezembro de 1997 Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Vítor Nunes de Almeida Maria da Assunção Esteves Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Bravo Serra Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa