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Processo nº26/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (Secção Criminal), proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. L, com os sinais identificadores dos autos, veio novamente (pela 3ª vez)
‘interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo em conformidade com o disposto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro’, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Secção Criminal), de 7 de Dezembro de 2000, que decidiu
‘rejeitar o recurso também por falta de concisão ou prolixidade das conclusões, reafirmando-se a rejeição do recurso quanto a todas as questões que constituem o seu objecto e agora ainda por manifesta improcedência no que toca à questão dos vícios referidos no artº 410º, nº 2, als. a), b), e c), do C.P.P.’ No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade invocou o recorrente que ‘pretende ver declarada a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo STJ dos nºs 1 e 2 do artº 412º do C.P.P. na medida em que rejeitou o recurso interposto pelo recorrente por desrespeito pelo convite de aperfeiçoamento e por falta de concisão ou prolixidade das conclusões, resultante do número excessivo de conclusões, em clara violação dos arts 20º, nº
1 e 32º, nº 1 da CRP’ e pretende ‘ainda ver declarada a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo STJ do artº 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) na medida em que rejeitou o recurso quanto a todas as questões que constituem o seu objecto por manifesta improcedência no que toca à questão dos vícios referidos naquela disposição legal’ (‘Como consequência da interpretação feita pelo STJ, o recorrente ficou impossibilitado de aceder à instância de recurso, limitando o direito de acesso à justiça e diminuindo as garantias de defesa do arguido, com violação dos artºs 20º, nº 1, e 32º, nº 1 da CRP’ –acrescenta depois no mesmo requerimento).
2. Como se vê, são duas as pretensões do recorrente: o uma que se prende com a ‘inconstitucionalidade da interpretação feita pelo STJ dos nºs 1 e 2 do artº 412º do C.P.P.’. o outra que se prende com a ‘inconstitucionalidade da interpretação feita pelo STJ do artº 410º, nº 2, alíneas a), b) e c)’. Quanto àquela primeira questão, é bom de ver que ela se relaciona com o desenrolar do recurso penal interposto pelo recorrente no Supremo Tribunal de Justiça e com a posição aí assumida relativamente ao decidido neste Tribunal Constitucional, na sequência de dois recursos de constitucionalidade por ele também interpostos, tudo como melhor se descreve no acórdão nº 340/2000 (ponto nº 5.), a fls. 911 e seguintes dos autos. Nesse acórdão nº 340/2000, dando-se provimento ao segundo recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente, determinou-se ‘o cumprimento integral do julgamento constante do acórdão nº 43/2000’ (acórdão de fls. 804 e seguintes, que manteve a decisão sumária proferida pelo relator, na qual se julgou ‘inconstitucional a norma constante dos artigos 412º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição imediata do recurso sem que previamente seja feito o convite ao recorrente para aperfeiçoar a deficiência, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição’). O Supremo Tribunal a quo, por via do acórdão proferido em 12 de Outubro de 2000, a fls. 1001 e 1002 dos autos, tomando em consideração o julgado naquele acórdão nº 340/2000, e ‘satisfazendo o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional’, decidiu ‘ordenar a notificação do recorrente para, querendo, apresentar, em cinco dias, as conclusões da sua motivação nos termos definidos naquele acórdão, sob pena de rejeição do recurso também por falta de concisão das conclusões, sem prejuízo das decisões de rejeição do recurso que já transitaram em julgado’. O recorrente veio então, ‘em cumprimento do douto acórdão proferido a 12 de Outubro de 2000, apresentar as suas conclusões’ e nelas não questionou a
(in)constitucionalidade da interpretação a seguir quanto aos nºs 1 e 2 do artigo
412º do Código de Processo Penal e da interpretação a que o Supremo viesse a aderir quanto àquelas mesmas normas (apesar da advertência constante do acórdão de 12 de Outubro de 2000, - ‘sob pena de rejeição do recurso também por falta de concisão das conclusões’ -,exactamente o que se decidiu no acórdão recorrido relativamente à rejeição do recurso ‘também, por falta de concisão ou prolixidade das conclusões’). Face à trajectória do processo no Supremo Tribunal a quo, e ao acatamento do julgado neste Tribunal Constitucional, incumbia ao recorrente o ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade a que se reporta esta primeira questão, em termos processualmente adequados, de modo a obrigar o tribunal a quo a dela conhecer (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). Não o fez (enunciando-a apenas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade) e, assim, falta um pressuposto processual específico do tipo do recurso de constitucionalidade de que lançou mão o recorrente. Com o que não pode, neste ponto, tomar-se conhecimento do recurso.
3. Quanto à segunda questão, também é facto que o recorrente não suscitou nas conclusões apresentadas, ‘em cumprimento do douto acórdão proferido a 12 de Outubro de 2000’, nenhuma questão de (in)constitucionalidade relativa à interpretação do artigo nº 410º, nº 2, a) b) e c), do Código de Processo Penal, limitando-se a esgrimir com os vícios da ‘contradição insanável da fundamentação’ (alínea b), da ‘insuficiência para a matéria de facto provada’
(alínea a)) e do ‘erro notório na apreciação da prova’ (alínea c)), o que tudo mereceu resposta proficiente no acórdão recorrido, sempre no sentido de que não se verifica nenhum daqueles vícios indicados (‘Por conseguinte, quanto aos vícios do artº 410º, nº 2, als. a), b) e c), do C.P.P., o recurso seria ainda manifestamente improcedente, pelo que teria de ser rejeitado, nos termos do artº
420º, nº 1 do mesmo Código’ – é a conclusão a que chega o acórdão). Ora, o momento processualmente adequado para suscitar qualquer questão de inconstitucionalidade, à luz do artigo 72º, nº 2, da Lei nº 28/82, quanto àquela norma do Código de Processo Penal seria o da apresentação das referidas conclusões, ‘em cumprimento do douto acórdão proferido a 12 de Outubro de 2000’, pois só elas o Supremo Tribunal a quo iria tomar em consideração, como fez no acórdão recorrido. Aliás, em boa regra, o que haveria a questionar pelo recorrente seria a norma que levou à rejeição do recurso ‘por manifesta improcedência no que toca à questão dos vícios referidos no artº 410, nº 2, als. a), b) e c), do C.P.P.’, ou seja, a norma aplicada do artigo 420º, nº 1, do mesmo Código. Nada disto fez o recorrente e, assim, igualmente falta um pressuposto processual específico do tipo do recurso de constitucionalidade de que ele lançou mão. Com o que não pode, também neste ponto, tomar-se conhecimento do recurso.
4. Por último, registe-se que, em todo o caso, o presente recurso revela carecer de qualquer utilidade, na medida em que nenhum efeito prático se projectaria no decidido agora pelo Supremo Tribunal a quo, ainda que este Tribunal Constitucional viesse a proferir um eventual juízo de inconstitucionalidade, que sempre se localizaria na órbita do ‘direito de acesso à justiça’ e da diminuição das ‘garantias de defesa do arguido’ , talqualmente se expressa o recorrente. Isto porque o acórdão recorrido pronunciou-se sobre o mérito das questões postas pelo recorrente nas ditas conclusões, que ele, por último, reformulou, e julgou-as manifestamente improcedentes à luz do artigo 420º, nº 1, do Código de Processo Penal, preceito cuja aplicação ao caso o recorrente não questionou. Esse julgamento de mérito sempre se manteria, qualquer que fosse aquele eventual juízo de inconstitucionalidade. Também por esta via se chega à mesma conclusão de não poder tomar-se conhecimento do recurso.
5. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'. B. Dela veio o recorrente 'nos termos do nº 3 do artº 78º-A da LTC, apresentar reclamação para a conferência', pedindo que seja admitida, devendo 'o recurso interposto seguir os seus termos até final'. Nessa peça processual o reclamante teceu largas considerações sobre o entendimento do Supremo Tribunal a quo 'que obsta à apreciação do mérito do recurso e ao seguimento dos termos do recurso até final', interrogando-se sobre
'o critério para considerar a concisão das conclusões' ('Deverão ser admitidas
2, 5, 10, 20 conclusões?' 'Será que todos os recurso deverão ter o mesmo número de conclusões?' – são as perguntas que formula). E no que pode aqui interessar, argumentou deste modo:
'É referido que o recorrente deveria ter suscitado a questão da inconstitucionalidade do despacho que convida o recorrente a corrigir as conclusões, sob pena de rejeição. Ora, a inconstitucionalidade da interpretação do art° 412°, nº 1 e 2 apenas pôde ser alegada aquando da efectiva rejeição do recurso por falta de concisão das conclusões.
É quando a interpretação é realizada que se torna possível suscitar a inconstitucionalidade, e ela só velo a ser efectivada com da rejeição. Da qual veio a ser interposto o respectivo recurso. O convite para a apresentação de novas conclusões que foi cumprido veio dar origem a nova decisão. que rejeitou o recurso por aplicação do ano 412°. Em violação dos arts 20º, nº 1 e 32°, nº 1 da CRP, na medida em que limita o direito de acesso à justiça e diminui as garantias de defesa do arguido. Pelo que, não poderá considerar-se que não deve o presente Tribunal tomar conhecimento do recurso. Acresce que, No que respeita à segunda questão, ou seja à invocação da inconstitucionalidade do artº 420º, nº 1 do C.P .P . O recorrente suscitou a inconstitucionalidade dos artº 410º, 2, alíneas a), b) e c) porque na verdade, o acórdão recorrido não considerou que estavam preenchidos tais critérios, e ,portanto. fez uma interpretação inconstitucional de tais normas, Vedando o acesso à instância de recurso e limitando a defesa do arguido, em clara violação dos arts 20º , nº1 e 32º, nº 1 da CRP. Deste modo, o Tribunal sempre poderá tomar conhecimento do recurso interposto. Finalmente, no que respeita à falta de qualquer utilidade por parte presente recurso, também se discorda dos argumentos apresentados, uma vez que a rejeição do presente recurso sendo considerada inconstitucional, determinaria a admissão do recurso e consequentemente, o seu conhecimento de mérito. E na verdade, não poderá deixar de se considerar inconstitucional a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça que rejeitou o recurso' C. Respondeu à reclamação o 'representante do Ministério Público junto deste Tribunal', nestes termos:
'1º - Parece-nos inquestionável que o acórdão ora impugnado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça – para além das considerações, de índole ‘formal’ acerca do adequado cumprimento pelo recorrente do convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação de recurso, tidas por ‘deficientes’, - assenta, em termos decisivos, numa rejeição do recurso fundada em ‘manifesta improcedência’.
2º - Sendo esta ‘manifesta improcedência’ da argumentação, expedida pelo recorrente, quanto ao preenchimento dos vícios da decisão, especificados pelo nº
2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, a verdadeira ‘ratio decidendi’ do acórdão do Supremo, ora impugnado, pelo que é ostensiva a inutilidade da apreciação das questões de índole ‘formal’ inicialmente abordadas naquele aresto.
3º - Na realidade, é inquestionável – face à instrumentalidade dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade – que a existência de um fundamento alternativo da decisão tomada preclude a utilidade e interesse processual na dirimição das questões suscitadas em torno do outro fundamento (de cariz formal) apontado pela decisão impugnada.
4º - Não se mostra, por outro lado, delineada, em torno da questão suscitada quanto à constitucionalidade da norma do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, qualquer questão de inconstitucionalidade de ‘normas’.
5º - Limitando-se o recorrente a remeter vagamente para a interpretação feita pelo Supremo de tal preceito legal, sem especificar minimamente qual a interpretação – isto é, o critério normativo seguido – feita pelo Supremo – e que se considera padecer de alegada inconstitucionalidade.
6º - Sendo evidente que não constitui objecto idóneo de um recurso de constitucionalidade apreciar se – na específica situação dos autos – a apreciação de mérito feita pelo Supremo (e expressa naquela rejeição do recurso por ‘manifesta improcedência’) é ou não a correcta e adequada.
7º - Em suma: é inútil face ao carácter instrumental dos recursos de constitucionalidade – a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada quanto à norma do artigo 412º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, atento o fundamento alternativo (e substancial) da rejeição do recurso por manifesta improcedência; e – não tendo o recorrente delineado, em termos idóneos, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa quanto à norma do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal – especificando qual a interpretação ou o critério normativo que considera ter o Supremo seguido na aplicação de tal preceito – não se mostra delineada, quanto a ele, uma questão de inconstitucionalidade normativa.
8º - O que conduz à improcedência da presente reclamação'. D. Cumpre decidir. O reclamante não conseguiu abalar a conclusão da Decisão reclamada, nada lhe valendo as considerações quanto a não compreender, nem poder aceitar, 'o entendimento do STJ', que 'mais uma vez, veio a considerar não obstante todo o trajecto processual que as conclusões continuam a ser demasiado extensas'. Na verdade, quanto à questão de inconstitucionalidade 'do artº 410º, nº 2, alíneas a), b) e c)', a verdade é que ela não foi arguida previamente no momento e pela forma processualmente adequada, ou seja, aquando da apresentação das alegações. Quanto à questão de inconstitucionalidade 'da interpretação feita pelo STJ dos nºs 1 e 2 do artº 412º do CPP', sempre ficaria de pé a afirmação do Ministério Público de que 'é inútil face ao carácter instrumental dos recursos de constitucionalidade – a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada quanto à norma do artigo 412º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, atento o fundamento alternativo (e substancial) da rejeição do recurso por manifesta improcedência'. Com o que não merece acolhimento a presente reclamação. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 4 de Abril de 2001 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida