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Proc. nº 63/01
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório
1. P... e Mulher (ora recorridos) requereram nos autos a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto a produção antecipada da prova contra J... (ora recorrente), acerca de determinados actos alegadamente praticados por este no prédio urbano sito na Rua Álvares Cabral, no Porto (melhor identificado nos autos) de que os requerentes se disseram usufrutuários, e sendo tais provas uma inspecção judicial, vistoria e avaliação.
2. O pedido de produção antecipada da prova foi deferido, por despacho de 24 de Março de 1995.
3. Em 23 de Março de 1998 o requerido veio aos autos para, ao abrigo do disposto no art. 771º, al. c) do CPC, interpor recurso de revisão do aludido despacho. Invocou então que nele haviam sido os requerentes reconhecidos como partes legitimas, embora de forma implícita, quando na verdade carecem de legitimidade por não poderem opor ao requerido o predito direito de usufruto por este não se encontrar registado. Alega ainda que só nesta data obteve certidão comprovativa da referida falta de registo.
4. O recurso foi, contudo, indeferido, por despacho de 31 de Março de 1998, com o fundamento em que o recorrente poderia ter obtido e feito uso da certidão no tempo próprio, desde que a tivesse requerido.
5. O recorrente agravou então para o Tribunal da Relação do Porto que, fazendo uso da faculdade do art. 713º, nº 5 do CPC, negou provimento ao agravo.
6. Ainda inconformado recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma:
'7.1. – Ao não receber o recurso de revisão, violada foi a regra do art. 771º, al. c) do CPC;
7.2 – Quando não recebeu o recurso, com fundamento na impossibilidade de se formar caso julgado nos processos de produção antecipada de prova, foram violadas as regras dos artigos 676º, 677º, 678º e 679º, todos do CPC;
7.3. – Como violado foi o princípio da legalidade consagrado no art. 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, violação essa que expressamente se argui para todos os efeitos legais'.
7. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 17 de Fevereiro de 2000, negou provimento ao recurso. Escudou-se, para tanto, na seguinte fundamentação:
'Ora, contrariamente aquilo que o recorrente vem afirmando, no despacho de 24 de Março de 1995 do 3º juízo cível da Comarca do Porto, nada se decidiu acerca dos pressupostos processuais, nem explicita, nem implicitamente, nomeadamente acerca da legitimidade dos requerentes. Se o recorrente pretendia sustentar a dita ilegitimidade deveria ter invocado esta excepção em tempo oportuno, provocando a respectiva apreciação e decisão. Não tendo existência a decisão de que se pretende recorrer cabe indeferimento imediato do recurso, nos termos do art. 774º do CPC, como bem se decidiu. Em segundo lugar, cabe distinguir entre o documento a que se refere o art. 771º, al. c) do CPC, o facto que esse documento visa provar e a questão que com ele se prenda. A obtenção supervenientemente de um documento não supre a falta de alegação oportuna do facto a provar pelo documento. Ora, na espécie, o que está em causa é o alegado direito de usufruto, sob determinado prédio, dos ora recorridos. O recorrente não põe em causa a realidade desse direito, mas apenas a oponibilidade do usufruto ao recorrente por falta de registo do facto mediante o qual o direito terá ingressado na esfera jurídica dos recorridos. A inoponibilidade do direito por falta de registo devia Ter sido alegada oportunamente pelo recorrente nos autos, de sorte a suscitar o conhecimento e resolução desta questão pelo tribunal. Agora é tarde para que o recorrente, mediante a certidão que apresentou, possa suscitar aquela questão. Finalmente, pelo que respeita ao documento em si mesmo, a certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial, é certo que, como bem observaram as instâncias, o recorrente a podia ter obtido no tempo em que os autos correram, dele fazendo uso. Por isso, no acórdão recorrido não se mostra violado o disposto no art. 771º, c) do CPC. Não se põe em dúvida que em procedimento de produção antecipada de prova podem ser proferidas decisões e que estas são susceptíveis de transitar em julgado; e que, uma vez transitadas (ver o art. 771º do CPC onde refere «a decisão transitada em julgado»), essas decisões podem ser objecto de recurso de revisão. O que acontece aqui é que não existe a decisão de que alegadamente se recorre. Por isto, no acórdão recorrido não se mostra violado o disposto nos art.s 676º a
679º do CPC. Pela mesma razão, não resulta ofendido o invocado princípio da legalidade que se diz consagrado no art. 266º, nº 2 da Constituição'.
8. Foi deste acórdão que foi interposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso de constitucionalidade. Pretendia o recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade do artigo
771º, alínea c) do Código de Processo Civil, 'na interpretação que dele foi feita', por violação do princípio da legalidade contido no art. 266º, nº 2 da Constituição.
9. Na sequência foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 142 a 148). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso. Importa, por isso, começar por averiguar se o recorrente suscitou, durante o processo e de forma processualmente adequada, a questão da constitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente refere que a mesma teria sido suscitada nas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça, a fls. 91 a 94 dos presentes autos. A verdade, porém, é que tal não aconteceu. Desde logo porque, se atentarmos no teor das alegações produzidas no Supremo Tribunal de Justiça, verificamos que aí não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. O recorrente limita-se nessa peça processual a imputar ao próprio despacho impugnado - e não a normas que este tenha aplicado - a violação de vários preceitos do Código de Processo Civil, bem como do art.
266º, nº 2 da Constituição. Para o demonstrar basta transcrever as - únicas - passagens daquela peça processual onde o recorrente se refere ao artigo 771º, alínea c) do Código de Processo Civil: No ponto 5. da alegação, refere-se:
'Com efeito, o despacho recorrido, e ora confirmado, labora num erro grave, na medida em que o recurso de revisão foi interposto não com fundamento na impossibilidade de obtenção de certidão demonstrativa da inexistência do registo, mas com base no desconhecimento da existência do documento, pelo que esse despacho violou, efectivamente, o disposto na alínea c) do artigo 771º do CPC'. (sublinhado nosso). Por outro lado, a concluir as alegações, diz o recorrente:
'7.1. – Ao não receber o recurso de revisão, violada foi a regra do art. 771º, al. c) do CPC;
7.2 – Quando não recebeu o recurso, com fundamento na impossibilidade de se formar caso julgado nos processos de produção antecipada de prova, foram violadas as regras dos artigos 676º, 677º, 678º e 679º, todos do CPC;
7.3. – Como violado foi o princípio da legalidade consagrado no art. 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, violação essa que expressamente se argui para todos os efeitos legais'. Ora, como resulta expressamente do disposto nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e tem sido por inúmeras vezes repetido por este Tribunal (cfr., a título de exemplo, o acórdão nº 20/96, in Diário da República, II série, de 16 de Maio de 1996), o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e não das decisões judiciais que as apliquem. O que antecede obsta, só por si, à possibilidade de conhecimento do objecto do recurso interposto. Acresce, no mesmo sentido, que, mesmo aceitando que o recorrente teria ali imputado a violação do artigo 266º, nº 2 da Constituição não à decisão recorrida mas a uma norma por ela aplicada, sempre ficaria por saber - porque o recorrente não o diz nas alegações que apresentou perante o Supremo Tribunal de Justiça - a que preceito, de entre os vários do Código de Processo Civil que considera terem sido violadas pela decisão recorrida, é que pretende imputar a questão de constitucionalidade. E mesmo que - o que não se admite - se pudesse considerar que a inconstitucionalidade que ali é suscitada se refere ao artigo 771º, alínea c) do CPC, sempre ficaria por esclarecer, porque mais uma vez o recorrente não o disse, qual a dimensão normativa desse preceito que considera inconstitucional.
É que, como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem o recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) 'tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'. Porém, como pode ver-se pela transcrição feita, nada disso foi feito na peça processual em que o recorrente sustenta ter suscitado a questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada. Assim, por tudo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor'.
10. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência.
11. Por parte dos recorridos não foi apresentada, dentro do prazo legal, qualquer resposta. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação
12. O reclamante limita-se, com a presente reclamação, a solicitar a alteração do decidido na decisão reclamada, sem contudo avançar com qualquer fundamento que pudesse sustentar essa pretensão ou pôr em causa o ali decidido. Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada - que mantém inteira validade, em nada sendo abaladas pela reclamação apresentada - é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor. III - Decisão Em face do exposto, decide-se desatender a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta
Lisboa, 4 de Abril de 2001- José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida