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Proc. nº 727/97 Plenário Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - O mandatário do Partido Socialista na eleição para os órgãos das autarquias do concelho de Mértola, A., recorreu para o Tribunal Constitucional, invocando o artigo 103º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, com o fundamento de 'irregularidade grave ocorrida no decurso da votação na área da freguesia de Santana de Cambas', daquele concelho. Assim:
'
1º
Após o encerramento da votação na secção de voto nº 1 da freguesia de Santana de Cambas, quando a assembleia de apuramento parcial procedia à contagem e verificação dos votos entrados na urna, detectou a existência de 3
(três) simulações de boletins de voto em papel da mesma cor dos originais
(branco, amarelo e verde).
2º
Tais 'boletins de voto' serviram para obter, ilicitamente, três boletins de voto autênticos.
3º
Na verdade, a mesa de apuramento parcial, ao contar todos os boletins de voto que tinha à sua guarda, verificou que, efectivamente, haviam desaparecido três desses boletins.
4º
Assim, presume-se e não é de excluir a hipótese de tais boletins haverem circulado pels três mesas de voto daquela freguesia, deturpando assim o resultado da votação.
5º
Ou seja, o eleitor que, fraudulentamente, conseguiu obter três boletins de voto verdadeiros, mais não deve ter feito do que 'passá-los' a outro eleitor, mas, a partir desse momento, já preenchidos (queremos dizer: com as cruzes já apostas nos respectivos quadrados da CDU-PEV) e assim sucessivamente.
6º
Tanto mais que, verificados todos os votos validamente expressos obtidos pela Coligação Democrática Eleitoral - CDU-PEV, comprovou-se haver uma regularidade geométrica das cruzes apostas nos boletins que não se compadece com o facto de grande parte do eleitorado ser idoso e iletrado, como também pela redução significativa de votos nulos e brancos.
7º
Acrescente-se ainda que as três simulações de boletins de voto acima referidas, e que se encontram apensas à acta da dita secção de voto nº 1, apresentam as cruzes apostas nos quadrados respeitantes à CDU (Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Assembleia de Freguesia).
***
Nestes termos e dado que houve irregularidade na votação por introdução ilegal de 'votos' falsos no processo de votação, deve o presente recurso ser provido com a consequente:
a) Anulação da votação nas três secções de voto da freguesia de Santana de Cambas, concelho de Mértola, para os três órgãos autárquicos: Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Assembleia de Freguesia, ou
Quando assim se não entenda,
b) Anulação da votação da secção de voto nº 1 da freguesia de Santana de Cambas, concelho de Mértola, e consequente repetição do acto eleitoral nesta secção de voto'.
O recorrente protestou, então, juntar certidão das actas de apuramento parcial e geral.
II - 1. Nos termos do artigo 103º, nº 3 da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro), 'A petição especificará os fundamentos de facto e de direito do recurso e será acompanhada de todos os elementos de prova, incluindo cópia ou fotocópia da acta da assembleia em que a irregularidade tiver ocorrido'.
O recorrente juntou ao processo certidão da acta da assembleia de apuramento geral dos órgãos das autarquias do concelho de Mértola e notificação emanada da Câmara Municipal de Mértola. Nessa notificação dá-se conta de um requerimento do mandatário do Partido Socialista no sentido de que lhe fosse emitida certidão da acta da assembleia de apuramento parcial da secção de voto nº 1 da freguesia de Santana de Cambas e também fotocópias de 'três simulações de boletins de voto'. Depois, exara-se o seguinte:
'Notifique-se de que o artigo 102º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de
29/9, referido pelo requerente, se refere apenas à acta da assembleia de apuramento geral e de que os demais documentos solicitados não se encontram em poder da Câmara Municipal'.
2. Da acta da assembleia de apuramento geral, junta ao processo, consta quanto à freguesia de Santana de Cambas:
'3.5.1. Mesa 1: Verificando-se que na acta da mesa de voto foi lavrada uma cota explicativa de que na operação de apuramento foi apurado que na urna foram encontrados três votos (um por cada órgão) lançados sobre material de campanha - impressos semelhantes aos boletins de voto -, a Assembleia de Apuramento Geral procedeu à verificação de todos os votos desta mesa de voto.
Após a realização dessa operação, a Assembleia verificou não terem sido encontrados quaisquer votos em impresso que suscitassem dúvidas quanto à sua autenticidade'.
E, mais à frente, sob a rubrica 'Reabertura dos trabalhos':
'Reabertos os trabalhos às 9 horas do dia 19 de Dezembro e recolhidos os volumes contendo os documentos de apuramento, depois de verificado o seu estado, a Assembleia de Apuramento procedeu à abertura de todos os volumes provenientes de todas as mesas de voto, à excepção dos provenientes da mesa nº 1 da freguesia de Santana de Cambas que já haviam sido verificados no dia de ontem, registando-se que não foram encontrados quaisquer votos em impresso que suscitassem dúvidas quanto à sua autenticidade'.
III - Com esta ordem de coisas, o relator proferiu despacho solicitando ao Governo Civil do Distrito de Beja a acta da assembleia de apuramento parcial da secção de voto nº 1 da freguesia de Santana de Cambas, com os votos apensos.
O Governo Civil do Distrito de Beja enviou então ao Tribunal Constitucional cópia da acta de apuramento parcial da secção de voto nº 1 da freguesia de Santana de Cambas.
IV - A Acta de Apuramento Parcial demonstra que, na eleição que se realizou na secção de voto nº 1 da Freguesia de Santana de Cambas, para cada
órgão autárquico, desapareceu, na verdade, um boletim de voto verdadeiro e, correspondentemente, surgiu um boletim de voto falso.
Isso configura uma ilegalidade grave, capaz de se reproduzir em um número indeterminado de votos.
Porém, no confronto ainda da Acta de Apuramento Parcial, verifica-se que não existe qualquer protesto sobre esse facto. Ora, só é admissível recurso para o Tribunal Constitucional da deliberação que recai sobre a ilegalidade de votação oportunamente reclamada ou protestada (Decreto-Lei nº 701-B/76, de 26 de Setembro, artigo 103º, nº 1). Falta, pois, um pressuposto do conhecimento do recurso.
V - Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 30 de Dezembro de 1997 Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Bravo Serra Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa