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Proc. n.º 530/97 ACÓRDÃO Nº153/01 Plenário Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO
1. - O Provedor de Justiça de acordo com o preceituado no artigo 281º, nº2, alínea d) da Constituição da República Portuguesa veio requerer ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 51º, nº1 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a apreciação e declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 37º, nº 2 e nº 3, do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº
139-A/90, de 28 de Abril e do artigo 16º, nº 1, do Decreto-Lei nº 287/88, de 19 de Agosto (Regulamento da profissionalização em serviço dos professores pertencentes aos quadros, com nomeação provisória, dos ensinos preparatório e secundário), por entender que as mesmas violam os artigos 13º, nº1, e 57º, nº1, da Constituição, porquanto discriminam as faltas dadas no exercício do direito de greve, relativamente às faltas dadas por motivo de acidente de serviço, doença protegida ou prolongada, e gozo de licença de parto.
As normas em causa dispõem o seguinte:
(Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril) Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário Artigo 37º Serviço efectivo prestado em funções docentes
1 – Não são considerados na contagem de tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes, para efeitos de progressão e promoção na carreira docente, os períodos referentes a: a)Requisição, destacamento e comissão de serviço para o exercício de funções não docentes ou que não revistam natureza técnico-pedagógica; a. Licença sem vencimento por 90 dias; b. Licença sem vencimento por um ano; c. Licença para acompanhamento do cônjuge no estrangeiro; d. Licença de longa duração; e. Perda de antiguidade.
2 – Na contagem de tempo de serviço docente efectivo prestado em cada escalão não é ainda considerado, para efeitos de progressão, a totalidade dos períodos de ausência, nos casos em que esta exceda o produto do número de anos no escalão por sete semanas.
3 – Para efeitos do cômputo previsto no número anterior, são consideradas como ausências todas as faltas justificadas, seguidas ou interpoladas, exceptuadas as faltas por acidente em serviço e por doença protegida ou prolongada.
4 – [...]
(Decreto-Lei nº 287/88, de 19 de Agosto) Artigo 16º Faltas às componentes
1 – Em cada ano de formação, o docente em profissionalização não pode ultrapassar 60 dias de faltas seguidas ou alternadas, considerando a participação nas sessões realizadas pela instituição de ensino superior e a prática pedagógica na escola.
2 – Nos 60 dias referidos no número anterior não se incluem os abrangidos por licença de parto.
3 – [...]
4 – [...]
2. – O requerente fundamenta o pedido pela forma seguinte.
O recorrente considera que as normas indicadas violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, e o direito à greve, consagrado no artigo 57º, nº 1, da mesma Lei Fundamental, na medida em que excluem da contagem do tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes, relativamente à primeira norma, e da contagem do tempo de formação necessário para a profissionalização em serviço, no caso da segunda norma, as ausências ao trabalho relativas ao exercício do direito à greve.
Entende ainda que o exercício do direito à greve pelos docentes em causa resulta efectivamente limitado, na medida em que podem vir a ser prejudicados a respectiva progressão na carreira, no caso da norma constante dos nº 2 e nº 3 do artigo 37º do referido Estatuto ou o respectivo aproveitamento na profissionalização, no caso da norma do artigo 16º, nº 1, do Decreto-Lei nº 287/88, por via da sua adesão à greve.
Expõe assim o seu raciocínio, no que toca à norma constante do artigo 37º, nº 2 e nº 3, do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário:
'17º
A detenção da qualificação adequada a um correcto desempenho das funções docentes é necessária para garantir o ensino – consagrado no art. 74º da Constituição como direito fundamental dos alunos e como bem jurídico de valor comunitário -, que poderia ser posto em causa se a progressão dos docentes na carreira não fosse acompanhada da obtenção da necessária qualificação.
[...]
19º
No entanto, o art. 37º, nº 3, do Estatuto da Carreira Docente, ao estabelecer que as faltas por acidente em serviço e por doença protegida ou prolongada não serão consideradas como ausência indica que, afinal, o exercício da actividade docente como pressuposto da progressão na carreira docente pode ser sacrificado perante determinadas justificações das faltas.
20º
Ora, se a lei pode erigir em valor fundamental para a progressão na carreira docente a qualificação dos docentes, dada pelo exercício efectivo da actividade docente própria de cada escalão, realizando desta forma a ponderação entre o direito dos docentes à greve e o bem jurídico fundamental 'ensino', não o pode todavia fazer discriminando o direito à greve.
21º
Ou seja: se a lei estabelece que um determinado número de faltas compromete a progressão na carreira, não pode depois vir a excluir dessa consequência determinados tipos de falta, mantendo-a quanto às faltas dadas por motivo de greve. Isto porque, de duas uma: ou o exercício efectivo da actividade docente é considerado pela lei indispensável para assegurar a qualificação necessária ao exercício de funções docentes nos escalões superiores, e então nenhuma falta pode ser excepcionada na quantificação do período de ausência; ou então aquele exercício efectivo é tomado pela lei como importante, mas não essencial, para a qualificação com vista à progressão, o que implica que não seja necessário sacrificar o direito à greve para garantir o ensino.'
O Provedor de Justiça conclui, assim, pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 37º, nº 2 e nº 3, do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, na medida em que
«discrimina os trabalhadores grevistas, pois não se suporta em qualquer fundamento material, uma vez que são idênticas, face à Constituição, as faltas justificadas por motivo de greve e as faltas justificadas por motivo de acidente de serviço ou por motivo de doença protegida e prolongada».
A mesma linha de considerações tece em relação à norma constante do artigo 16º, nº1, do Decreto-Lei nº 278/88, de 19 de Agosto, quando posta em relação com o preceituado no nº2 do mesmo preceito.
Com efeito, contemplando este diploma a profissionalização dos docentes, bem se compreende que a obtenção do respectivo aproveitamento esteja dependente da efectiva participação do docente nas actividades de formação. Todavia, no entender do recorrente, aquele nº 2 do artigo 16º, ao estabelecer que na quantificação do período de ausências apenas não se inclui o período da licença de parto, penaliza e discrimina o direito à greve, desta vez face ao direito à maternidade:
27º
Ora, se a lei considera que a ausência justificada pelo gozo de licença de parto não impede as docentes de adquirirem a qualificação necessária
à profissionalização, terá, em coerência, de conceder que a ausência justificada pelo exercício do direito à greve também não o impedirá.
28º
A relevância das faltas às componentes tem de ser apreciada de forma objectiva: se as faltas não inviabilizam a obtenção da necessária qualificação pelas mães, também não inviabilizarão a sua obtenção pelos grevistas.
3. – Notificado para responder, nos termos do que se dispõe nos artigos 54º e 55º, nº3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro veio responder ao pedido formulado alegando que as normas indicadas não padecem de qualquer vício de inconstitucionalidade.
Assim, relativamente às normas constantes do artigo 37º, nº 2 e nº 3, do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, tece as seguintes considerações:
'14º
[...] quando se coloca a possibilidade de progressão ao escalão seguinte da carreira, o docente deverá ter permanecido no escalão de onde vai progredir o número de anos para ele requerido e não ter estado ausente o tempo correspondente a sete semanas vezes esse número de anos (para além de que não conta o tempo passado em situação prevista no nº 1 do artigo 37º do Estatuto).
15º
Ausências, para este efeito, explicita o nº 3 do mesmo artigo 37º, são todas «as faltas justificadas, seguidas ou interpoladas», o que significa que o docente deverá ter permanecido no escalão «a quo» o número de anos que este supõe e não ter, no seu conjunto, dado mais faltas justificadas do que 49 dias (isto é, sete semanas) vezes esse número de anos; o mesmo é dizer que não pode ter faltado justificadamente mais do que uma média, por ano, de 49 dias
(noção especificada para os docentes nos artigos 94º e 95º do Estatuto).
[...]
18º
O legislador entendeu assim que uma média de 49 faltas justificadas por ano de serviço num escalão era o máximo que razoavelmente podia permitir para efeitos de progressão ao escalão seguinte; mas foi mais «generoso» em duas situações. Estas situações são as que ocorrem em caso de faltas «por acidente em serviço e por doença protegida ou prolongada», as quais pura e simplesmente, para efeitos de progressão nos escalões, não são consideradas como ausências. Isto é, o respectivo período é tratado como se de presença no serviço docente se tratasse.
[...]
23º
Não se vê, perante a natureza do acidente em serviço e o tratamento que a lei portuguesa já lhe dá, decorrente daquela natureza, nomeadamente a possível necessidade de faltar por bastante mais tempo do que por uma doença qualquer, que o aparente «privilégio» do nº 3 do artigo 37º do Estatuto da Carreira Docente constitua mais do que um momento da assunção por parte do Estado da responsabilidade pelos prejuízos que o serviço do próprio Estado ocasionou, bem como que seria muitíssimo gravoso, aqui, pretender punir a falta de assiduidade do docente. O número de faltas que o acidente pode causar não se compadece com o limite, aliás generoso, de 49 dias de faltas justificadas vezes o número de anos no escalão. E não se vê, sequer, como se possa sustentar que às faltas por greve, cuja natureza de direito constitucional e fundamental dos trabalhadores é evidente, tenha de ser aplicado o mesmo regime, por imposição do princípio da igualdade.
[...]
26º
Todas estas doenças [protegidas ou prolongadas], segundo o próprio regime legal instituído [...], podem dar origem a longas ausências ao serviço que o legislador não quer sejam causa de sérios prejuízos para os docentes. Nesses casos, falar em penalizar a falta de assiduidade seria cruel para as vítimas de tais doenças, que normalmente impedirão o docente de cumprir os dias de presenças em princípio exigidos para passar de escalão. De entre os interesses em presença, o legislador optou por «privilegiar» as vítimas de doenças graves.'
Relativamente à norma constante do artigo 16º do Decreto-Lei nº 287/88, de 19 de Agosto, começa o Primeiro-Ministro por salientar o tratamento constitucional privilegiado atribuído à maternidade para em seguida concluir:
'O regime previsto no nº 2 do artigo 16º do Dec.-Lei nº 287/88 mais não faz do que tirar o corolário, no respectivo domínio, das garantias constitucionais expressas de igualdade para as mulheres, apesar da maternidade, compensando-as do serviço inestimável que prestam à sociedade tendo filhos e educando-os, e gozando do direito, sobretudo no interesse dos filhos, a faltar sem quaisquer prejuízos, por altura do parto. É o regime hoje legalmente desenvolvido na legislação ordinária, agora contido, quanto às regras a aplicar por ocasião de parto, nos artigos 9º, 18º e 19º da Lei nº 4/84, de 5 de Abril, modificada pela Lei nº 17/95, de 9 de Julho. Segundo os artigos 18º e 19º, o que o diploma chama licença por maternidade não determina «perda de quaisquer direitos» e é considerada «para todos os efeitos legais ... como prestação efectiva de serviço», competindo à mãe funcionária ou agente do Estado o direito a remuneração (e à beneficiária do regime geral de segurança social um subsídio correspondente ao vencimento, nos termos próprios da respectiva legislação).
4. – Apresentado um memorando pelo Vice – Presidente, por delegação do Presidente do Tribunal (artigos 39.º, n.º 2, e 63.º, n.º 1, da LTC), foi o mesmo submetido a discussão e obtida uma solução, foi o processo distribuído.
II – Fundamentação A – O direito de greve na função pública e seus efeitos.
5. – O direito de greve, enquanto abstenção concertada ao trabalho, é um direito que pertence aos trabalhadores, embora tenha uma forma de exercício colectiva: de facto, compete à respectiva associação sindical representar os trabalhadores em greve, existindo, na hipótese do nº2 do artigo
2º da Lei da Greve (Lei nº 665/77, de 26 de Agosto, alterada pela Lei nº 30/92, de 20 de Outubro), uma comissão eleita para efectivar tal representação.
O exercício do direito à greve na Função Pública é reconhecido pelo artigo 12º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, remetendo o nº2 deste preceito a regulamentação do seu exercício para o respectivo estatuto ou para diploma especial.
Para a apreciação do caso há que ter em atenção os efeitos da greve na função pública e, nesta perspectiva, considera-se que a ligação dos agentes à Administração Pública não exerce, neste domínio, uma influência jurídica específica. De facto, relevantes apenas se podem considerar os elementos de carácter objectivo directamente relacionados com a natureza fundamental dos direitos e interesses cuja satisfação possa ser afectada pelo exercício do direito de greve.
Importa, por isso, considerar antes de mais as características fundamentais do direito à greve, uma das quais se prende com a dimensão constitucional de tal direito.
6. - Sobre a dimensão constitucional do direito à greve debruçou-se o Acórdão nº 289/92 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23º vol., pág. 7 e segs.), onde se escreveu:
A fundamentalidade material do direito à greve liga-se, pois, aos princípios constitucionais da liberdade e da democracia social. A sua especial inserção no elenco dos direitos, liberdades e garantias confere-lhe uma protecção constitucional acrescida que se traduz no 'reforço de mais valia-normativa' (G. Canotilho) do preceito que o consagra relativamente a outras normas da Constituição. O que significa: (1) aplicabilidade directa, sendo o conteúdo fundamental do direito afirmado já ao nível da Constituição e não dependendo o seu exercício da existência de lei mediadora; (2) vinculação das entidades públicas e privadas, implicando a neutralidade do Estado
(proibição de proibir) e a obrigação de a entidade patronal manter os contratos de trabalho, constituindo o direito de greve um momento paradigmático da eficácia geral das estruturas subjectivas fundamentais; (3) limitação das restrições aos casos em que é necessário assegurar a concordância prática com outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos - sendo certo que a intervenção de lei restritiva está expressamente vedada quanto à definição do
âmbito de interesses a defender através da greve (C.R.P., art. 57º, nº2).
No que diz respeito aos efeitos da greve, o artigo 7º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto estabelece que 'a greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade (nº1)' e que 'o período de suspensão não pode prejudicar a antiguidade e os efeitos dele decorrentes, nomeadamente no que respeita à contagem do tempo de serviço (nº3)'.
Decorre portanto da regulamentação legal da greve que, iniciada a greve ficam suspensos, nos seus aspectos essenciais os direitos e deveres das partes, nomeadamente, os deveres de subordinação e de assiduidade por parte do trabalhador e o dever de pagar a retribuição por parte do empregador, não podendo o trabalhador ser prejudicado pela suspensão da relação laboral na sua antiguidade e em todos os efeitos dela decorrentes, designadamente a contagem do tempo de serviço.
7. - A greve traduz-se na abstenção concertada da prestação do trabalho, pelo que os efeitos do respectivo exercício não podem deixar de aproximar-se dos efeitos das faltas na relação da prestação de serviços.
Ora, no tocante à matéria de férias, faltas e licenças na função pública encontra-se hoje em vigor o Decreto-Lei nº 100/99, de 31 de Março (que revogou o Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro, em vigor à data da entrada do pedido ora em apreço), o qual determina expressamente no seu artigo 19º: Ausências por motivo de greve
1. A ausência por exercício do direito à greve rege-se pelo disposto na Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, considera-se justificada e implica sempre a perda das remunerações correspondentes ao período de ausência, mas não desconta para efeito de antiguidade, nem no cômputo do período de férias.
2. As ausências durante o período de greve presumem-se motivadas pelo exercício do respectivo direito, salvo indicação em contrário dada pelo trabalhador.
O Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro que, como se referiu, estava em vigor à data do início de vigência da formulação do pedido, estabelecia nesta matéria o seguinte: Faltas por actividade sindical e greve Artigo 67º Regime
1 – [...].
2 – As faltas dadas no exercício do direito à greve na função pública, garantido pelo artigo 12º da Lei nº 65/77, 26 de Agosto, consideram-se justificadas.
3 – [...].
4 – As referidas no nº2 implicam sempre a perda das remunerações correspondentes aos dias de ausência mas não contam para efeitos de antiguidade.'
Por sua vez, o artigo 86º do referido Estatuto da Carreira Docente (Decreto-Lei nº 139-A/90) determina também expressamente a aplicabilidade da legislação geral em vigor na função pública em matéria de faltas, férias e licenças ao pessoal docente, com as adaptações constantes daquele diploma, mas o diploma não contem qualquer disposição específica relativa à greve.
De facto, na Secção III, do SUBCAPÍTULO III, nos artigos
94º a 104º do mencionado Estatuto da Carreira Docente, é tratada a matéria das faltas, começando o nº1 do artigo 94º por dar um conceito de «falta» que corresponde, com ligeiras alterações de redacção, ao conceito que já constava do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro (artigo 17º, nº1), tendo os nºs 2 e 3 um teor diverso dos nºs 2 e 3 do mencionado artigo 17º do Decreto-Lei nº 497/88. Este preceito (o artigo 17º do DL 497/88) foi praticamente reproduzido (com uma ligeira alteração de redacção no nº3) pelo artigo 18º do Decreto-Lei nº 100/99, de 31 de Março.
Das restantes normas, o artigo 95º reporta-se a faltas a exames e a reuniões, o artigo 96º refere-se à forma de justificação de determinadas faltas, o artigo 97º trata do rastreio das condições de saúde. Por sua vez, o artigo 98º indica quem deve passar o atestado médico comprovativo da doença e quem deve proceder à verificação domiciliária da doença (médicos credenciados pelas direcções regionais de educação), o artigo 100º estabelece que a referência à junta médica feita na lei geral deve considerar-se feita às juntas médicas das direcções regionais de educação. As restantes normas (artigos
99º, 101º, 102º 103º e 104º) são normas específicas, sendo certo que o artigo
102º - faltas por conta do período de férias – tem um conteúdo geral similar ao dos artigos 65º e 66º que, no Decreto-Lei nº 697/88, regulam a mesma matéria.
Pode, portanto, concluir-se que, salvo a definição do conceito de «falta» praticamente correspondente ao estabelecido na lei geral em vigor no momento do pedido para os agentes e funcionários da Administração Pública, as restantes normas da mencionada secção III, do Estatuto dos Educadores de Infância e dos professores do Ensino Básico e Secundário constituem adaptações impostas pela actividade que se destinam a regular, mas sem que neste Estatuto se contenha qualquer norma ou adaptação que regule as faltas por greve.
Ora, uma das alterações introduzidas pelo actual regime de faltas, férias e licenças na função pública, ao invés do que se verificava na anterior regulamentação, constante do Decreto-Lei nº 497/88, foi a substituição da expressão «faltas», no âmbito da matéria relativa ao direito à greve, pela de
«ausências», correspondendo a uma clara e inequívoca intenção do legislador em não qualificar como faltas as não comparências ao trabalho motivadas pelo exercício desse direito. É esse também o entendimento de Manuel Tavares, (Função Pública, Regime Público Actualizado e Anotado, Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, 1999, págs. 1034-1035):
Comparando o preceito com a anterior redacção, desde logo se constata que a não comparência por motivo de greve não é 'apelidada' de falta.
Pensamos que a lei tem intenção clara de não qualificar como falta, a ausência ou não comparência, por motivo de greve.
De facto, o diploma surge na sequência do acordo celebrado em
10.01.96 entre o Governo e as associações sindicais e do qual constava a ponderação da qualificação jurídica das ausências por motivo de greve, qualificação que, à data, era a de falta (cfr. nºs 2 e 4 do art.º 67º do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro de 1988).
Ao compararmos a presente redacção do preceito com a do que lhe corresponde no Decreto-Lei 497/88, verificamos que a expressão 'faltas' foi substituída pela de 'ausências'.
Ausências essas que constituem o exercício de um direito do trabalhador, a partir do momento da constituição da relação de trabalho subordinado.
A dimensão do direito de faltar justificadamente (a que se contrapõe em circunstâncias normais o correspondente dever de assiduidade do trabalhador – de comparecer no local de trabalho e prestá-lo – que integra a relação jurídica de emprego), não abarca as situações de greve. Esta não viola, ainda que 'com consentimento' da lei, nem o dever de comparecer e prestar trabalho, nem o direito de exigir a comparência e/ou a prestação de trabalho. Conforma-os, restringe-os, limita-os, fá-los inexistir, já que a relação de emprego se constitui incluindo o direito de greve e, por força deste, sem aqueles direitos e deveres.
[...]
Aliás no preâmbulo dá-se 'Especial destaque às ausências por greve, que deixam de ser qualificadas como faltas'.
Por um lado, é inquestionável a existência do direito à greve na função pública, e, por outro, resulta também indiscutível do disposto no transcrito artigo 67º do Decreto-Lei nº 497/88, como continua a constar artigo 19º do Decreto-Lei nº 100/99, que, para a generalidade dos trabalhadores da função pública, as faltas (no primeiro diploma) ou ausências ao trabalho ( com passaram a designar-se no diploma de 1999) por motivo do exercício deste direito, à semelhança do que acontece, em geral, na Lei da Greve, não podem prejudicar «a antiguidade e os efeitos dela decorrentes, nomeadamente no que respeita à contagem do tempo de serviço» (cfr. artigo 7º da Lei nº 65/77). B. – A questão da constitucionalidade da norma constante do nº 2 e nº 3 do artigo 37º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90
7. - Um dos efeitos directos da antiguidade é a progressão dos funcionários (no caso, os docentes) nos escalões da respectiva carreira, podendo ainda acrescer algumas exigências particulares a observar para aceder a determinados escalões, como também nota o Primeiro-Ministro na sua resposta.
Ora, o nº1 do artigo 37º não considera na contagem de tempo de serviço efectivo para aqueles efeitos (progressão e promoção na carreira docente) os períodos em que o docente exerceu funções não docentes ou que não revestiam natureza tecno-pedagógica (em requisição, destacamento e comissão de serviço), os periodos de licença sem vencimento de 90 dias e de um ano ou em licença para acompanhamento de cônjuge no estrangeiro e ainda os períodos relativos a perda de antiguidade (v.g., as faltas injustificadas).
Pela sua parte, o nº2 do preceito também não considera na contagem de tempo de serviço efectivo prestado em cada escalão para efeitos de progressão, a totalidade dos períodos de ausência, se estes periodos excederem o produto de anos de escalão por sete semanas.
Assim, o legislador em matéria de contagem de tempo de serviço, por um lado, excluiu períodos em que as funções exercidas nada tinham a ver com a natureza própria da carreira, como, por outtro lado, estabeleceu equiparações de certas actividades que deviam contar-se como se se tratasse do exercício da profissão docente (artigo 38º), como, por último, decidiu estabelecer um limite máximo ao número de faltas admissível em cada ano para efeitos de progressão na carreira, a partir do qual todas as ausências são descontadas no tempo de serviço efectivo, como se assinalou. Esse limite resulta da multiplicação do número de anos do escalão por sete semanas (49 dias), sendo certo que os escalões por que se desenvolve a progressão na carreira docente podem ter a duração de três, quatro ou cinco anos (cfr. artigos 8º, 9º e 11º do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro e Decreto-Lei nº 41/96, de 7 de Maio).
Assim, o nº 3 do artigo 37º do Estatuto, para o cáculo da «totalidade dos períodos de ausência» a que se refere o nº2, começa por afirmar que são consideradas como `ausências‘ todas as faltas justificadas, seguidas ou interpoladas. Assim redigida, torna-se claro que a norma em causa não abrange apenas as «faltas», mas sim todas as ausências dos docentes. E, não excluindo expressamente as ausências motivadas pelo exercício do direito à greve, como o faz expressamente na parte final do seu nº 3, para os casos das faltas por acidente em serviço e por doença protegida ou prolongada, inevitável se torna a conclusão de que as mesmas se incluirão no cômputo daquele limite máximo referido.
Com efeito, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 100/99 excluiram de forma expressa e inequívoca as ausências por greve do conceito de «faltas», pelo que, para a generalidade dos trabalhadores da função pública, como se viu, supra, não existe qualquer limite de ausências motivadas pelo exercício do direito à greve, para efeitos de contagem de tempo de serviço para progressão nos respectivos escalões.
Todavia, o artigo 37º, nº 2, ao referir expressamente «a totalidade dos períodos de ausência» permanece como uma norma excepcional, levando a que sejam contabilizadas todas as ausências dos docentes, e não apenas as faltas efectivas.
Ainda que se admita que não se verifica por esse motivo qualquer violação do direito à greve, nem, tão-pouco, a desigualdade invocada pelo requerente, relativamente a certo tipo de «faltas», a verdade é que existe aqui uma discriminação entre a generalidade dos trabalhadores da função pública, para os quais as ausências por exercício do direito à greve não prejudicarão a progressão nos respectivos escalões ou categorias, e os docentes, que verão forçosamente aquelas ausências por greve descontadas no período ou limite máximo permitido para efeitos da mesma progressão na carreira, podendo assim ser efectivamente prejudicados.
Verifica-se assim uma discriminação injustificada e carecida de fundamento, consubstanciadora de uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
C. - A norma constante do artigo 16º, nº1 do Decreto-Lei nº 287/88
8. - Em relação a esta norma, a questão já se coloca diferentemente, verificando-se a inutilidade superveniente do conhecimento do pedido nesta parte.
Com efeito, a norma refere-se expressamente a faltas, não abrangendo assim as ausências do trabalhador por motivo do exercício do direito à greve, pelo menos desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 100/99.
Nem se mostra necessário conhecer da eventual inconstitucionalidade da norma no período anterior à vigência deste último diploma, uma vez que as situações particulares que possam ter ocorrido sempre estarão salvaguardadas pela possibilidade de recurso aos meios jurisdicionais e
à correspondente fiscalização concreta da constitucionalidade, sendo desproporcionada a via da fiscalização abstracta sucessiva, como este Tribunal tem entendido em circunstâncias idênticas. Na verdade, a fiscalização abstracta sucessiva de normas já não vigentes no ordenamento jurídico (ou cujo conteúdo se alterou por interpretação sistemática) só se justifica quando ocorra um interesse jurídico relevante, isto é, quando se revista de conteúdo jurídico apreciável (cfr. Acórdão nº 238/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., pág. 273 e segs.).
III – DECISÃO
Nos termos que ficam expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo
13º da Constituição, da norma constante do artigo 37º, nº 2 e nº 3, do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, na medida em que exclui da contagem do tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes as ausências ao trabalho determinadas pelo exercício do direito à greve.
b) não tomar conhecimento do pedido relativo à declaração de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 16º, nº 1, do Decreto-Lei nº 287/88, de 19 de Agosto, por inutilidade superveniente.
Lisboa, 4 de Abril de 2001 Vítor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Messias Bento Artur Maurício Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Helena Brito (vencida, quanto ao conhecimento do pedido, relativamente à declaração de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 37º, nºs. 2 e 3
,do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 139/A/90, pelos fundamentos constantes da declaração de voto que junto) Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida nos mesmos termos e pelos mesmos fundamentos que a Srª Conselheira Maria Helena Brito) Bravo Serra (vencido, nos termos e pelos fundamentos da declaração de voto apresentado pela Exmª Conselheira Maria Helena Brito) Luís Nunes de Almeida
Declaração de voto
Votei vencida, quanto ao conhecimento do pedido, relativamente à declaração de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 37º, nºs 2 e 3, do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, por entender que valem também em relação a esta norma as razões invocadas no acórdão para não conhecer do pedido relativamente à declaração de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 16º, nº 1, do Decreto-Lei nº 287/88, de 19 de Agosto.
Na verdade, o nº 1 do artigo 86º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário determina expressamente que 'ao pessoal docente aplica-se a legislação geral em vigor na função pública em matéria de férias, faltas e licenças, com as adaptações constantes das secções das secções seguintes'. Esta ressalva, constante da parte final do nº 1 do artigo 86º, abrange as secções I a VII
(artigos 87º a 111º), em que se estabelecem regras especiais, em razão da especialidade do pessoal e do trabalho que está em causa, designadamente em matéria de períodos de férias, tipos de faltas, licenças, dispensas, equiparação a bolseiro e acumulação do exercício de funções.
Neste contexto, aplica-se ao pessoal abrangido pelo Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário o regime geral vigente para a função pública em matéria de férias, faltas e licenças – concretamente o Decreto-Lei nº 100/99, de 31 de Março –, com as mencionadas adaptações (onde não se inclui qualquer especialidade relacionada com as faltas por motivo de greve). Assim sendo, pelo menos desde a entrada em vigor deste último Decreto-Lei, a norma do artigo 37º, nºs 2 e 3, do referido Estatuto não abrange as ausências do trabalhador por motivo do exercício do direito à greve, tal como se concluiu quanto à norma do artigo 16º, nº 1, do Decreto-Lei nº 287/88.
Por essa razão, não tomaria também conhecimento do pedido nesta parte, por inutilidade superveniente.
Uma observação final: a diferença de soluções a que chegou o acórdão assenta na distinção entre os termos utilizados nas duas normas que constituem objecto do pedido ('falta', no artigo 16º, nº 1, do Decreto-Lei 287/88;
'ausência', no artigo 37º, nºs 2 e 3, do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº
139-A/90).
Ora, tal distinção conceptual só assume relevância a partir do Decreto-Lei nº 100/99, que estabelece o novo regime de férias, faltas e licenças, tendo em conta o disposto nos seus artigos 18º e 19º.
Até esse diploma, eram utilizados indistintamente na lei os termos
'falta' e 'ausência'. Observem-se as normas do Estatuto que estão em causa neste processo: artigo 37º, nº 3, transcrito no acórdão, que considera 'ausências'
'todas as faltas [...]', e artigo 94º, nº 1, que define 'falta' como 'a ausência do docente [...]'. Maria Helena Brito