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Proc. n.º 768/00 ACÓRDÃO Nº 155/01
1ª Secção Rel. Cons.º Vítor Nunes de Almeida
Acordam no Tribunal Constitucional: I - RELATÓRIO
1. - C... interpôs, junto do Tribunal Central Administrativo (TCA), recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito imputável ao Ministro das Finanças, na sequência de recurso hierárquico que lhe dirigiu e através do pretendia reclamar o pagamento total do subsídio de produtividade a que tinha direito mas sem a dedução resultante do disposto no n.º3, do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 335/97, de 2 de Dezembro, que impunha que o abono para falhas atribuído ao pessoal das tesourarias da Fazenda Pública fosse considerado no valor daquele subsídio.
Por acórdão de 30 de Novembro de 2000, o TCA concluiu pela inconstitucionalidade do preceito contido no artigo 3º, n.º 3 do Decreto-Lei 335/97, tendo recusado a sua aplicação nos autos e, em consequência, decidiu anular o acto impugnado.
É deste acórdão que vem interposto o presente recurso obrigatório de constitucionalidade pelo Ministério Público junto do TCA, para apreciação da conformidade à Lei Fundamental do artigo 3º, n.º 3 do DL 335/87 de
2/12, cuja aplicação foi recusada pelo tribunal recorrido, com fundamento em que esse normativo viola o disposto no nos artigos 13º e 59º, n.º 1, al. a) da Constituição.
2. - De acordo com o acórdão tirado pelo Tribunal Central Administrativo o juízo de inconstitucionalidade assentou, resumidamente, nos seguintes argumentos:
'(...) os fundamentos e a natureza do abono para falhas é totalmente diferente da natureza e fundamentos do suplemento a cargo do FET. Dessa diferença não pode razoavelmente compreender-se uma igualdade de tratamento, por forma a que se dê o englobamento ou a consumpção do abono para falhas.'
(...) Entendemos que a igualdade protegida pela Constituição (maxime nos artigos 13º e
59º, n.º 1, al. a) impede o legislador de criar qualquer discriminação arbitrária, injusta ou desrazoável (proibição do arbítrio), e a norma em causa não se mostra racionalmente compreensível.
(...) No caso dos autos, a divisão é feita por forma a que os tesoureiros da Fazenda Pública que recebam abonos para falhas vêem o suplemento reduzido nesse montante. De tal forma que podem até não receber suplemento algum, se o montante deste for inferior ao abono para falhas. O motivo da discriminação é, portanto, o facto de ser tesoureiro da Fazenda Pública e receber abono para falhas.
(...) Só podemos compreender esta situação porque o legislador teve a finalidade de considerar que o abono para falhas era já uma espécie de suplemento , e como tal, englobável neste.
(...) No caso em análise o abono para falhas tem como fundamento as quebras de tesouraria, e destina-se a suprir as reposições que os funcionários possam ter que fazer. O suplemento do FET vem compensar um maior empenhamento dos funcionários da Administração Fiscal, e um maior acréscimo de trabalho na recuperação da cobrança de impostos. Portanto, o que ressalta com toda a clareza e distinção é que não existe identidade de fundamentos, nem de finalidade de ambos os subsídios. (...) uma distribuição de ambos os suplementos pelos TFP só seria racional se aumentasse o abono para falhas na proporção do aumento do risco de quebra com o aumento de cobranças, ou se atribuísse aos TFA o suplemento em regime de cumulação. Não é possível, como se viu, encontrar uma base racional para a discriminação em causa, a qual é, assim, puramente arbitrária – é assim porque o legislador o disse. Face ao exposto, entendemos que a norma do artigo 3º, n.º 3 do DL 335/97, de
2/12, ao mandar englobar o abono para falhas no montante do suplemento referido no seu artigo 1º viola o princípio da igualdade na sua formulação de proibição do arbítrio quanto à criação do direito – cfr. art. 13º e 590, 1, a) da CRP. Como tal princípio é de aplicação imediata (art. 18º, 1, da CRP), o mesmo tem a virtualidade de tornar ilegal um acto administrativo que aplique tal norma'.
3. - Neste Tribunal, apenas o Ministério Público alegou, tendo concluído as alegações apresentadas pela forma seguinte:
'1º - Não constitui solução legislativa arbitrária ou manifestamente discricionária, violadora do princípio da igualdade, a que se traduziu em ter o legislador optado por unificar, durante certo período temporal, o regime dos suplementos remuneratórios dos funcionários da administração tributária , ligados à cobrança coerciva de receitas fiscais – atribuindo um único suplemento de produtividade e considerando por ele consumido o tradicional abono para falhas dos funcionários em exercício de funções nas tesourarias da Fazenda Pública.
2º - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada.
Com dispensa de vistos, dado que a questão já foi apreciada e resolvida pelo Tribunal, cumpre decidir.
4. - Como se acabou de referir, a questão objecto do presente recurso de constitucionalidade já foi apreciada por este Tribunal, nomeadamente, nos recentes Acórdãos nºs 37/01 e 65/01, ainda inéditos.
Afirmou-se no primeiro dos Acórdãos citados:
'2. Pelo nº 3 do artº 18º do Decreto-Lei nº 519-A1/79, de 29 de Dezembro, foi fixado em 10% do vencimento ilíquido o abono para falhas a atribuir aos tesoureiros gerentes [alínea a)], aos tesoureiros subgerentes quando investidos no serviço de caixa, quando lhes tenha sido conferido mandato de gerência ou quando tenham assumido a gerência da respectiva tesouraria, mediante prévio termo de transição de valores [alínea b)], e ainda aos tesoureiros-ajudantes
(estes nos termos e condições fixados nos números 4 a 6 do mesmo artigo).
Ao tempo da vigência daquele diploma, os funcionários do quadro das tesourarias da Fazenda Pública, que pertenciam à Direcção-Geral do Tesouro, para além do direito ao vencimento, tinham ainda jus às remunerações acessórias consistentes nos prémios de cobrança a que se reportavam os seus artigos 19º e
20º.
Por intermédio do Decreto-Lei nº 158/96, de 3 de Setembro, foi reestruturada a orgânica do Ministério das Finanças e, para o que ora releva, as tesourarias da Fazenda Pública vieram a transitar para a Direcção-Geral dos Impostos – antiga Direcção-Geral das Contribuições e Impostos – (cfr. artº 37º) tendo, a partir da nova redacção introduzida no seu artº 24º pelo Decreto-Lei nº
107/97, de 8 de Maio, sido criado o Fundo de Estabilização Tributário, organismo a funcionar como fundo autónomo não personalizado do Ministério das Finanças, gerido em conjunto pela Direcção-Geral dos Impostos e pela Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários, ao qual é afecto um montante até
5% das cobranças coercivas derivadas de processos instaurados nos serviços daquela primeira Direcção-Geral, bem como das receitas de natureza fiscal arrecadadas a partir de 1 de Janeiro de 1997, e sendo que o património desse fundo e o rendimento pelo mesmo potenciado é, inter alia, afecto ao pagamento de suplementos atribuídos em função de particularidades específicas da prestação de trabalho dos funcionários e agentes das duas referidas Direcções-Gerais.
As linhas orientadoras da atribuição daqueles suplementos vieram a ser fixadas pelo Decreto-Lei nº 335/97, que veio a dispor no seu artº 3º, nº 1, que os mesmos visam estimular e compensar a produtividade do trabalho dos funcionários e agentes da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) e da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA), sendo o seu valor o resultante da aplicação de uma percentagem ao vencimento base referente aos cargos e categorias (...), sendo as condições de atribuição, suas suspensão e redução, a fixação de percentagem e periodicidade do pagamento definidas por portaria do Ministro das Finanças (nº 2 desse artigo).
No nº 3, ainda do mesmo artigo – norma que foi desaplicada pela decisão ora impugnada –, ficou estabelecido que o abono para falhas atribuído ao pessoal das tesourarias da Fazenda Pública é considerado para efeito do valor a que se refere o seu nº 1.
Pela Portaria nº 132/98, de 4 de Março, foram estabelecidas as condições de atribuição, suspensão, redução, fixação de percentagem e de limites máximos do suplemento de acréscimo de produtividade.
Anote-se, por fim, que, por intermédio do Decreto-Lei nº 532/99, de
11 de Dezembro, por um lado, foram revogados o artº 18º do Decreto-Lei nº
519-A1/79 e o nº 3 do artº 3º do Decreto-Lei nº 335/97 e, por outro, foi estatuído que o pessoal que preste serviço nas tesourarias da Fazenda Pública tem direito, quando no exercício de funções de caixa, a um abono para falhas correspondente a 10% do vencimento base do 1.º escalão da escala indiciária da categoria de ingresso, e que tal abono é atribuído por tesouraria em função do número de caixas em funcionamento, revertendo, diariamente, a favor dos funcionários ou agentes que a ele tenham direito na proporção do tempo de serviço prestado no exercício das funções de caixa.
3. Segundo o acórdão impugnado, a determinação constante do nº 3 do artº 3º do Decreto-Lei nº 335/97 – no sentido de ser englobado no valor a calcular dos suplementos que visam compensar a produtividade dos funcionários e agentes da Direcção--Geral dos Impostos (valor esse que, como se viu, é o resultante da aplicação de uma percentagem ao vencimento base referente aos respectivos cargos e categorias) o montante do abono para falhas atribuído ao pessoal das tesourarias da Fazenda Pública – violaria o princípio da igualdade na sua vertente de «para trabalho igual, salário igual», já que, assim, aqueles suplementos (ou, mais concretamente, o suplemento de compensações de produtividade regulamentado na Portaria nº 132/98) seriam percebidos pelo pessoal daquelas tesourarias em quantitativo menor do que o percebido pelos restantes funcionários e agentes da dita Direcção-Geral, sem haver razão bastante para justificar essa diferenciação.
Será de subscrever uma tal conclusão?
É o que se irá ver.
3.1. Tocantemente ao princípio da igualdade, tem este Tribunal tido inúmeras oportunidades de sobre ele discretear.
Cite-se, a título exemplificativo, o Acórdão n.º 1007/96 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Dezembro de 1996), onde, uma vez mais, se realçou que o princípio da igualdade 'obriga que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente; não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, o que aquele princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante. Prossegue-se assim uma igualdade material, que não meramente formal'. E acrescentou-se nesse aresto que '[p]ara que haja violação do princípio constitucional da igualdade, necessário se torna verificar, preliminarmente, a existência de uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminação'.
Nas palavras de Maria Glória Ferreira Pinto (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, pág. 44), '[o] critério valorativo a que o princípio da igualdade, enquanto princípio jurídico, apela, não deve ser, em consequência, um critério de valores subjectivos, mas, pelo contrário, um critério retirado do quadro de valores vigentes numa sociedade, interpretados objectivamente. É certo que tais valores vivem no âmbito das alterações históricas e civilizacionais, só sendo materialmente determináveis em presença de uma sociedade em concreto, mas nem por isso deixa de ser um quadro de valores objectivo'. Também este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa disse no seu Acórdão nº 188/90 (publicado na 2ª Série do Diário da República de
12 de Setembro de 1990) que:-
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Na sua dimensão material ou substancial, o princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário (...). Todavia, este princípio não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa.
Por outras palavras, o princípio constitucional da igualdade não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular.
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot).
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Também este Tribunal Constitucional vem perfilhando a interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio. Afirma-se, como efeito, no Acórdão n.º 39/88 (Diário da República, 1ª série, de 3 de Março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes, Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13º». E, no Acórdão n.º 157/88 (Diário da República, 1ª série, de 26 de Julho de 1988), escreve-se: «Retomando aqui, uma vez mais, o entendimento que este Tribunal vem perfilhando (na esteira, de resto, da Comissão Constitucional e da doutrina) acerca do sentido e alcance do princípio da igualdade, na sua função 'negativa' de princípio de 'controle'..., tudo estará em saber se, ao estabelecer a desigualdade de tratamento em causa, o legislador respeitou os limites à sua liberdade conformadora ou constitutiva
('discricionariedade' legislativa), que se traduzem na ideia geral de proibição de arbítrio. Ou seja: tudo estará em saber se essa desigualdade se revela como
'discriminatória' e arbitrária, por desprovida de fundamento racional (ou fundamento material bastante), atenta a natureza e a especificidade da situação e dos efeitos tidos em vista (e logo o objectivo do legislador) e, bem assim, o conjunto dos valores e fins constitucionais (isto é, a desigualdade não há-de buscar-se num 'motivo' constitucionalmente impróprio)»
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Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade. A interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio significa uma autolimitação do poder do juiz, o qual não controla se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa.
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3.2. Definidos assim os contornos do princípio da igualdade, importará então saber se a norma em crise o violará.
Tal norma, como é evidente, não deve perspectivar-se no sentido de, prescrever uma qualquer diminuição do montante a perceber pelo pessoal das tesourarias da Fazenda Pública referentemente ao suplemento de compensações por produtividade regulamentado pela Portaria nº 132/98, mas sim no sentido de, na realidade prática, dela decorrer que, no cômputo global do quantitativo a auferir a título de vencimento, suplementos e abono para falhas (e enquanto este subsistiu nos termos do artº 18º do Decreto-Lei nº 519-A1/79), se não inclui o montante correspondente a este último.
Sendo isto assim, torna-se claro que, em face da prescrição contida na norma desaplicada na decisão sub iudicio, isso significou que o suplemento de compensações por produtividade dos funcionários da Direcção-Geral dos Impostos
(que são os que unicamente agora relevam) veio, concernentemente ao pessoal das tesourarias da Fazenda Pública e como faz notar o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, a «integrar» ou «consumir» o abono para falhas, que somente era atribuído a este último pessoal e cujo valor era inferior ao do daquele suplemento.
Colocada desta forma a questão, fácil é descortinar que o juízo de inconstitucionalidade a que chegou a decisão recorrida só se poderia alcançar se, por entre o mais, se partisse do princípio de que estaria vedado ao legislador proibir a atribuição de abonos para falhas anteriormente concedidos, nomeadamente em situações em que, como a ora em análise, da não atribuição do abono não resultasse, na prática, uma diminuição global dos réditos dos funcionários e agentes em face da adopção de novos mecanismos que, objectivamente, asseguram essa não diminuição.
Ora, é justamente desse princípio que se não pode partir.
Na realidade, se se aceitasse o postulado de que «arranca» o acórdão lavrado no Tribunal Central Administrativo, a violação da igualdade residiria, afinal, em a norma sub specie ter acabado com uma «discriminação positiva» de que desfrutaria o pessoal das tesourarias da Fazenda Pública reportadamente ao restante pessoal da Direcção-Geral dos Impostos.
Como assinala o recorrente, 'em sede de estabelecimento e definição do âmbito de suplementos remuneratórios vigora uma ampla margem de discricionariedade legislativa, podendo o legislador infraconstitucional, para realização de objectivos práticos e de eficácia dos serviços, optar por diferentes figurinos quanto à configuração de tais remunerações complementares ou acessórias', pelo que 'a ‘discriminação’ operada quanto a determinados funcionários da administração tributária em, afinal, os sujeitar ao regime genericamente estabelecido, para o efeito de suplementos remuneratórios, quanto a todos os funcionários da administração fiscal, ligados funcionalmente à arrecadação de receitas tributários - não constitui solução legislativa arbitrária'.
E assim é, de facto.
Como se vincou no Acórdão deste Tribunal nº 663/99, '[p]retender fazer valer uma igualdade formal em matéria de uma regalia específica ou norma específica, desconsiderando todo o universo de diferenças que a justifica, bem como o sentido da própria regulamentação globamente considerada que a impõe
(diverso, como se disse, perante relações de direito privado e no domínio público), seria desconsiderar o próprio sentido do princípio da igualdade, que exige o tratamento diferenciado do que é diferenciado tanto quanto exige o tratamento igual do que é igual. Sendo certo, aliás, que a igualação de uma circunstância pode, no conjunto, agravar a desigualdade – basta que tal igualização se faça a favor da parte mais favorecida em todas as outras circunstâncias, menos naquela'.
Não se pode, efectivamente, dizer que é constitucionalmente imposto ao legislador ordinário, em nome do princípio que se extrai da alínea a) do nº 1 do artigo 59º da Constituição, que, relativamente a determinado pessoal, maxime pertencente à Administração Pública, que tenha especificidades funcionais que impliquem o manuseio e arrecadação de quantitativos pecuniários, lhe conceda compensações monetárias com o escopo de compensar eventuais lapsos pelos mesmo cometido em razão daqueles manuseio e arrecadação. E, consequentemente, também não se pode dizer que a abolição de compensações desse jaez, que porventura tivessem anteriormente sido concedidas no âmbito da liberdade de conformação que se há-de reconhecer ao legislador infra-constitucional, constitua uma ofensa
àquele mesmo princípio.'
Assim, o preceito contido no n.º3 do artigo 3º do Decreto-Lei 335/97, de 2 de Dezembro, não viola o princípio da igualdade decorrente do artigo 13º da Lei Fundamental, não o violando também na sua precipitação constante da referida alínea a), do n.º 1 do artigo 59º da CRP. Deste modo, não se vê razão para contraditar a conclusão a que este Tribunal já chegou em anteriores Acórdãos, designadamente, os atrás citados, cuja doutrina aqui se subscreve, pelo que também aqui se conclui pela não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 3º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º
335/97. III- DECISÃO Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, o qual deve ser reformado em conformidade com o juízo aqui formulado sobre a questão de inconstitucionalidade. Lisboa, 4 de Abril de 2001 Vìtor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida