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Processo n.º 251/2010
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 25 de Setembro de 2009.
2. A decisão recorrida recusou a aplicação da norma do artigo 9.º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, na parte em que revoga a obrigatoriedade de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, estabelecida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei nº 134/79, de 18 de Maio, por violação do n.º 4 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, com a seguinte fundamentação:
«Com a instauração da presente acção pretende o Autor que a Ré Caixa Geral de Aposentações seja condenada a conceder-lhe o subsidio vitalício, previsto no Decreto- lei nº 134/79 de 18 de Maio, requerido em 19 de Setembro de 2008, o qual foi indeferido por despacho da Ré, datado de 14 de Novembro de 2008, com fundamento na circunstância de tal diploma já não se encontrar em vigor no ordenamento jurídico nacional.
Estamos pois perante uma acção administrativa especial que visa obter a condenação da entidade competente à prática de um acto administrativo recusado.
O objecto do presente processo é, nos termos do art. 66º nº 3 do CPTA, a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento.
Para apreciar da bondade da pretensão, importa necessariamente proceder à análise das normas jurídicas invocadas.
Estabelece o art. 1°, nº 1 do Decreto-Lei nº 134/79 de 18.05 - que revogou o Decreto-lei nº 45/76 de 20.01 - que (…)
Acrescenta o nº 2 da referida norma que (…)
A Lei 60/2005 de 29.12, com entrada em vigor a 01.01.06, estabelece mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões.
Preceitua o artigo 2º daquele diploma que “1 - A Caixa Geral de Aposentações deixa, a partir de 1 de Janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores.
2 - O pessoal que inicie funções a partir de 1 de Janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de protecção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito, é obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social.”
Por sua vez, determina o art. 9º do mesmo diploma a revogação do artigo 1º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/1972, de 9 de Dezembro, e todas as normas especiais que confiram direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações.
A entidade demandada, Caixa Geral de Aposentações defende que com a entrada em vigor da Lei nº 60/2005 de 29/12, o Decreto-lei 134/79 de 18/05 foi tacitamente revogado, dado que, a partir de 1 de Janeiro de 2006, já não são admitidas inscrições ao abrigo, quer do Estatuto da Aposentação, quer daquele regime quer de qualquer outro que, até então, tivesse sido gerido pela CGA.
O Autor argumenta que a legislação agora em vigor não opera qualquer revogação do Decreto-lei 134/79 de 18 de Maio; e que a CGA faz uma interpretação literal e arbitrária da Lei 60/2005, impedindo-o de aceder a uma prestação que sempre foi legalmente reconhecida como contrapartida do tempo prestado ao Estado.
A ser aceite o entendimento da CGA, estaria a lei 60/2005 ferida de inconstitucionalidade, no seu art. 9º, por violação do art. 63º, nº 4 da CRP.
Em geral, o Autor reproduz e adere à Recomendação nº 4/B/2007 de 27.07 do Provedor de Justiça.
O subsídio vitalício é uma prestação atribuível a todos aqueles que, tendo atingido a idade de 70 anos, tenham prestado pelo menos cinco anos de serviço seguidos ou interpolados para a Administração Central, Regional ou Local ou para outras pessoas colectivas de direito público, independentemente de terem sido ou não subscritores da Caixa Geral de Aposentações, desde que não tenham contribuído, naquela qualidade, para outra instituição de previdência.
O preenchimento destes requisitos pelo Autor é pacífico.
Sucede que a atribuição do subsídio pressupõe, naturalmente, a inscrição prévia dos respectivos beneficiários na CGA.
E é aqui que reside a discórdia.
O art. 1º, nº 1 do Decreto-Lei nº 134/79 de 18.05 preceitua que quem preencher os já referidos pressupostos é “obrigatoriamente inscrito” na CGA.
Esta é uma norma especial que confere o direito de inscrição na CGA.
Em nosso entendimento, é inevitável concluir (como o fez a entidade demandada) que o direito de inscrição na CGA aí previsto foi revogado pelo art. 9º da Lei 60/2005 de 29/12.
De facto, a Lei 60/2005 de 29/12 (art. 2º) veio impossibilitar a CGA de admitir novos subscritores a partir de 1 de Janeiro de 2006, independentemente da finalidade e da fonte legal dessa inscrição e definiu para o pessoal que inicie funções a partir dessa data a obrigatoriedade de inscrição no regime geral da Segurança Social.
Do que até aqui vem exposto, deparamo-nos com a seguinte situação: o decreto lei nº 134/79, a nosso ver, foi revogado apenas e só na parte em que estabelece o direito de inscrição na CGA.
Todavia, aderindo às palavras do Sr. Provedor de Justiça, a inscrição prévia do beneficiário na CGA mais não é do que um acto burocrático com vista à concessão de um direito legalmente consagrado.
Assim, não houve uma manifestação clara e expressa da intenção de revogar a concessão do subsídio vitalício.
Não se extinguiu o direito, eliminou-se a possibilidade de levar a cabo um acto burocrático do qual depende a concessão do direito. E sem criar alternativa.
Em síntese, não há uma norma a revogar a concessão do subsídio vitalício (nem tal parece ter sido a intenção do legislador atenta a finalidade da Lei 60/2005), há sim uma norma revogatória que impede a inscrição na CGA e uma norma que não permite a inscrição no regime geral da Segurança Social (cfr. art. 2º da Lei 60/2005), na medida em que os futuros beneficiários do subsídio vitalício não cumprem os requisitos aí previstos.
Assim, para aqueles que iniciem funções a partir de 1 de Janeiro de 2006, foi criada uma alternativa, foi garantida uma protecção social.
Porém para os futuros beneficiários do subsídio vitalício não foi criada essa ou outra alternativa que permita ver considerado e contado o tempo de serviço prestado ao Estado.
Nesta medida, consideramos que a revogação, operada pelo art. 9º da Lei 60/2005, do art. 1º do Decreto-lei nº 134/79 de 18 de Maio na parte em que estabelece a obrigatoriedade de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, padece de inconstitucionalidade por violação do nº 4º do art. 63º da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.”
O referido preceito constitucional pretende salientar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensão de velhice e de invalidez, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias actividades e respectivos descontos para os diversos organismos de segurança social.
A aludida revogação sem a criação de mecanismos alternativos acarreta que o tempo de serviço prestado ao Estado pelos potenciais beneficiários do subsídio vitalício não seja considerado para quaisquer efeitos, designadamente para a protecção na velhice.
O artigo 204.º da CRP impõe que os tribunais, nas suas decisões, não apliquem normas que infrinjam o disposto na Constituição ou princípios nela consignados.
O disposto no art. 9º da Lei 60/2005, no tocante à revogação do art. 1º do Decreto-lei nº 134/79 de 18 de Maio na parte em que estabelece a obrigatoriedade de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, viola o nº 4º do art. 63º da CRP, o que inquina tal norma, nesse tocante, de inconstitucionalidade material, afectando, consequentemente, a validade do despacho em crise, que, por isso, deve ser alterado por carecer de base legal.
Assim, tendo-se por contrária à Constituição a revogação do art. 1º do Decreto- lei nº 134/79 de 18 de Maio na parte em que estabelece a obrigatoriedade de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, tal significa que a CGA deverá proceder à inscrição do Autor como subscritor da mesma com vista à atribuição do subsídio vitalício.
No caso sub judice, e atento o teor do art. 71º, nº 2 “a contrario” do CPTA, consideramos que os poderes de pronúncia deste tribunal podem ir mais além e determinar o conteúdo do acto a praticar.
E assim é na medida em que a atribuição do subsídio constitui um acto vinculado da Administração que obedece à verificação de determinados requisitos - já enunciados -, os quais não foram postos em causa pela CGA.
Pelo exposto, se condena a entidade demandada a conceder o subsídio vitalício requerido pelo Autor».
3. Interposto o presente recurso, o recorrente foi notificado para alegar, concluindo deste modo:
«1. O presente recurso foi interposto pelo Ministério Público, como obrigatório, “ao abrigo do disposto nos artigos 70º nº 1 alínea a), e 72.º, nº 1, alínea a) e nº 3 ambos da Lei 28/82, de 15 de Novembro” (fls. …).
2. Vem impugnada “ a douta sentença de 25 de Setembro de 2009, que declarou materialmente inconstitucionais, por violação do princípio constitucional constante do n.º4 do artigo 63º da Constituição, a norma do artigo 9º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, na parte em que revoga a obrigatoriedade de inscrição na Caixa Geral de Aposentações estabelecida pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/79, de 18 de Maio” (fls….).
3. Tal decisão foi proferida nos autos de acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos, Proc. n.º112/09.5BEBRG, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que é A. A. e R. a Caixa Geral de Aposentações (idem).
4. O art. 9.º, cit., além do mais, extingue o direito à “inscrição” na CGA, nos termos e para os efeitos do art. 1.º, n.º1, do DL n.º134/79, cit..
5. Assim, a categoria de funcionários ou agentes (com, pelo menos, 70 de idade e cinco de serviço, seguidos ou interpolados, prestado a entes da administração central, local ou regional), ali identificada, não mais será inscrita, por virtude de norma geral ou especial, na CGA.
6. E, como tal “inscrição” é pressuposto necessário (“acto pressuposto”) da aquisição da qualidade jurídica de “subscritor”, que, por sua vez, é condição da atribuição de prestações, daqui por diante não mais poderão adquirir o direito à percepção de qualquer prestação previdencial de base pública (“pensão de aposentação, “subsídio vitalício” e, sendo caso, da “pensão unificada”).
7. Logo, é inequívoco que o efeito último, jurídico e prático, da revogação operada pelo art. 9.º, cit., redunda em que os “cinco ou mais anos de serviço, seguido ou interpolado”, prestado pelos ditos interessados a favor dos referidos entes públicos, ficará total e irremediavelmente desaproveitado, nomeadamente para efeitos do cálculo das pensões de “aposentação”, “subvenção vitalícia” e “pensão unificada”.
8. Ora, a história, o espírito e a letra da norma constitucional em apreço garante que “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado” (CRP, art. 63.º, n.º4).
9. De modo que o efeito revogatório, operado pela segunda parte do art. 9.º, cit., infringe, em última análise, o conteúdo desta norma, pelo que é materialmente inconstitucional (CRP, art. 277.º, n.º1).
10. Acresce que o art. 9.º, cit., é de reputar como “lei restritiva” que, no fim de contas, priva de qualquer de todo e qualquer conteúdo o “direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias” de aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões, efeito que é categoricamente proscrito pela lei constitucional (CRP, arts. 17.º e 18.º, n.º3, in fine, e 63.º, n.º4).
11. Concluindo, é caso de inconstitucionalidade parcial, horizontal, respeitante à segunda parte do art. 9.º, da Lei 60/2005, na medida em que o respectivo efeito revogatório extingue o direito à “inscrição” na CGA, nos termos e para os efeitos do art. 1.º, n.º1, do DL n.º134/79, de 13 de Maio».
Não houve contra-alegações.
4. Os presentes autos foram redistribuídos em 16 de Setembro de 2010, por o relator ter cessado funções neste Tribunal.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga recusou a aplicação da norma do artigo 9.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na parte em que revoga a obrigatoriedade de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, estabelecida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, com fundamento em inconstitucionalidade.
O artigo 9.º da Lei n.º 60/2005 tem a seguinte redacção:
«Artigo 9.º
Norma revogatória
São revogados o artigo 1.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, e todas as normas especiais que confiram direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações».
Por seu turno, o n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 134/79 estatui que:
«Artigo 1.º
1 – Os funcionários e agentes da Administração Central, Local e Regional e de outras pessoas colectivas de direito público com, pelo menos, 70 anos de idade e cinco de serviço seguidos ou interpolados serão obrigatoriamente inscritos na Caixa Geral de aposentações para se aposentarem, se tiverem quinze ou mais anos de serviço, ou adquirirem o direito a um subsídio vitalício, se não satisfizerem a este último requisito.
(…)».
2. Esta disposição legal insere-se num diploma que reformula o Decreto-Lei n.º 45/76, de 20 de Janeiro, pelo qual se estabeleceu um subsídio vitalício aos trabalhadores da administração pública que, não tendo sido subscritores da Caixa Geral de Aposentações, contassem 70 ou mais anos de idade e um mínimo de cinco anos de serviço contínuo. Segundo a Exposição de motivos deste diploma, visou-se, então, “com a instituição deste subsídio solucionar o problema imediato da desprotecção dos trabalhadores idosos ao serviço do Estado e demais entidades públicas, aos quais, devido aos condicionalismos da legislação em vigor, não foi garantido o direito de se inscreverem em qualquer instituição de previdência ou, por qualquer outro motivo, não foi concedida qualquer pensão de reforma ou aposentação”.
De acordo com o Decreto-Lei n.º 134/79, para adquirirem direito a um subsídio vitalício os funcionários e agentes da Administração Central, Local e Regional e de outras pessoas de direito público com, pelo menos, 70 anos de idade, que tiverem, cinco ou mais anos de serviço seguidos ou interpolados e menos de quinze, são obrigatoriamente inscritos na Caixa Geral de Aposentações (artigo 1.º, n.º 1, 2.ª parte). Isto é: a aquisição do direito a um subsídio vitalício, naqueles casos em que o tempo de serviço não é suficiente para aqueles funcionário ou agentes se aposentarem, pressupõe a inscrição prévia na Caixa Geral de Aposentações.
Segundo a decisão recorrida, este artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 134/79, enquanto norma especial que confere direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, foi revogado pelo artigo 9.º, parte final, da Lei n.º 60/2005. Diploma que “estabelece mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões” (artigo 1.º), nos termos do qual “a Caixa Geral de Aposentações deixa, a partir de 1 de Janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores”, passando a haver inscrição obrigatória no regime geral da segurança social para o pessoal que inicie funções a partir desta data (artigo 2.º, n.ºs 1 e 2).
3. Não estando prevista norma equivalente à contida no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005 para os “futuros beneficiários do subsídio vitalício”, o tribunal recorrido conclui que “a norma revogatória que impede a inscrição na CGA”, padece de inconstitucionalidade, por violação do n.º 4 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.
Entende, porém, que não há propriamente “uma norma a revogar a concessão do subsídio vitalício (nem tal parece ter sido a intenção do legislador atenta a finalidade da Lei 60/2005), há sim uma norma revogatória que impede a inscrição na CGA e uma norma que não permite a inscrição no regime geral da Segurança Social (cfr. Art. 2º da Lei 60/2005), na medida em que os futuros beneficiários do subsídio vitalício não cumprem os requisitos aí previstos” (neste mesmo sentido, cf. a Recomendação n.º 4/B/2007 do Provedor de Justiça). Contrariamente ao sustentado pela Caixa Geral de Aposentações, que entende que “resulta com suficiente clareza da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, bem como do contexto que rodeou a sua discussão pública e posterior aprovação, que o que se visou foi impedir a Caixa de assumir novas responsabilidades com pessoal não inscrito em 31.12.2005, acreditando-se que o legislador teve bem presente o propósito de revogar o regime do subsídio vitalício, previsto no Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, que pressupunha a prévia inscrição do seu beneficiário como subscritor da CGA”.
4. Este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre o sentido e alcance do n.º 4 do artigo 63.º da CRP (introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, correspondendo-lhe então o n.º 5 do mesmo artigo). Lê-se no Acórdão n.º 366/2006 o seguinte:
«Fê-lo, primeiro, de modo incidental, no Acórdão n.º 1016/96, onde, apesar de não ter tomado conhecimento do objecto do recurso, em que estava em causa uma pretensa recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do artigo 80.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, teceu algumas considerações sobre o sentido do então n.º 5 do artigo 63.º da CRP, que interessa reter: “é uma norma portadora de um sentido inovador (que naturalmente não teria se se limitasse a remeter para a lei), consubstanciado no aproveitamento integral do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, o que implica o direito de acumulação dos tempos de trabalho que tenham sido prestados, mesmo que em regimes distintos, respeitado que seja o limite máximo de 36 anos”.
Por outro lado, no Acórdão n.º 411/99, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, desenvolvendo para o efeito uma argumentação que começou por analisar a génese e o alcance da norma constitucional do artigo 63.º, n.º 4, da CRP:
“A aprovação da referida norma constitucional foi fruto de uma proposta do Partido Socialista, no âmbito da revisão constitucional de 1989, a qual gerou grande controvérsia. Justificando a alteração proposta, afirmou um Deputado socialista que «a ponte que hoje falta entre os vários sectores de actividade deve ser lançada no sentido de todo o tempo de trabalho contribuir – nos termos da lei – para o cômputo das pensões de aposentação ou reforma. Não vemos razão para que um tipo de trabalho seja, neste domínio, sobrevalorizado em relação a outro» (Diário da Assembleia da República, II Série, n.º 23-RC, de 7 de Julho de 1988, pág. 654).
Um outro Deputado do grupo parlamentar socialista pronunciou-se no sentido de «dever ser evidente que uma norma deste tipo não implica homogeneidades lesivas, por exemplo, dos trabalhadores da função pública que têm regime próprio. Esta norma é uma norma de máximo aproveitamento – aquilo a que se poderia chamar em bom rigor uma norma de economia de tempos, mas não uma norma que impulsione ou vincule a homogeneidade de regimes, designadamente homogeneidade lesiva da situação específica dos trabalhadores da função pública».
Afirmou-se ainda na discussão parlamentar que a Constituição passaria a admitir, após a alteração, uma intercomunicabilidade de regimes de aposentação (entre a função pública e o sector privado). «A questão é que [a intercomunicabilidade] faz-se em termos que permitem manter a identidade de dois regimes; os regimes são diferentes, pode-se transitar de um regime para o outro, há aproveitamento integral do tempo de serviço prestado e, digamos, dos tempos não só de trabalho como dos tempos equivalentes que tenham sido vividos num regime e noutro. Não há perda de tempo, por assim dizer, é essa a preocupação fundamental. Daqui não deve emanar nenhuma preocupação de homogeneidade de regimes, isto é, de unificação, por esta razão, de regimes. Mas é preciso deixar isso claro.» (Diário da Assembleia da República, II Série, n.º 81-RC, de 9 de Março de 1989, pág. 2388).
A alteração constitucional de 1989 pretendeu, assim, promover um aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, independentemente do sistema de segurança social a que ele tenha aderido, e desde que tenha efectuado os descontos legalmente previstos.
É ainda hoje essa a intenção, que se encontra claramente manifestada no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição (versão de 1997): «Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.» (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Neste mesmo acórdão de 2006, conclui-se, ainda, que:
«(…) o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da CRP, não foi directamente concebido para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excepcional, em que se permite a um trabalhador aposentado voltar a exercer funções e, no exercício destas, acumular a pensão que vinha auferindo e uma parcela do vencimento correspondente às novas funções.
Antes com ele se pretendeu designadamente evitar, como resulta da discussão parlamentar referida no relatório do Acórdão n.º 411/99, que, no cômputo da pensão de aposentação que um trabalhador receba ao concluir a sua vida laboral, existam parcelas de tempo de serviço que não sejam contabilizadas. Trata-se, portanto, de um princípio que não foi gizado para situações, como a que ora se nos depara, em que é concedida ao trabalhador uma opção que se situa à margem da lógica global do sistema e que representa inequivocamente um plus em face dessa lógica, e sim para aquelas situações (a que chamaríamos comuns, ou regra) em que, ao calcular a pensão de um trabalhador no termo do seu período normal de trabalho, há que considerar diversos sub-períodos em que aquele cotizou para distintos sistemas de pensões. Em tal caso, o preceito constitucional em questão impede que no cômputo do tempo de trabalho a proceder seja desconsiderado qualquer daqueles sub-períodos, assim se realizando, para efeitos de cálculo de pensão, o aproveitamento integral do tempo de trabalho».
Posteriormente, no Acórdão n.º 432/2007, este Tribunal entendeu que:
«Para o efeito de calcular as pensões de velhice e de invalidez, o artigo 63º, nº 4, da CRP o que garante é o aproveitamento integral do tempo de trabalho, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado, ou seja, independentemente do sistema de protecção social para o qual o trabalhador tiver contribuído. A norma constitucional não abrange situações que, por razões conjunturais, são legalmente configuradas de forma extraordinária, aceitando o pagamento de contribuições que nunca foram devidas, como se o tivessem sido» (disponível em www.tribunalconstitucional.pt)».
E concluiu, ainda, no Acórdão n.º 437/2006, que:
«(…) o comando constitucional impõe que aproveite ao interessado – no cálculo das pensões de invalidez e velhice, que são as eventualidades protegidas no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição – a contagem da totalidade do tempo de trabalho relativamente ao qual se tenham registado contribuições (…) Mas não se extrai da norma constitucional a imposição ao legislador de um procedimento de regularização de situações contributivas passadas, relativas a períodos em que não tenha havido vinculação ao sistema ou as contribuições se encontrem prescritas, mormente quanto a períodos anteriores ao estabelecimento da regra constitucional em apreço (…).
Com efeito, a Constituição, do mesmo passo que assegura o direito a que todo o tempo de serviço contribua para o cálculo dessas prestações do sistema de segurança social, também o subordina aos “termos da lei”. Nesta remissão cabe a exigência de que o interessado tenha estado vinculado ao sistema de segurança social e suportado o pagamento das contribuições devidas, no momento próprio, contribuindo assim para o financiamento do sistema de que pretende ser beneficiário. A ligação da pensão ao tempo de carreira contributiva e a exigência de que a vinculação do trabalhador ao sistema se concretize no momento oportuno, isto é, que exista contemporaneidade entre o tempo de trabalho e as contribuições respectivas, é expressão do aspecto profissional-contributivo ou laboralista que, dentro da concepção mista ou de compromisso adoptada na nossa Constituição em matéria de segurança social, aflora no n.º 4 do artigo 63.º» (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Com efeito, a alteração constitucional de 1989 pretendeu promover um aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, independentemente do sistema de segurança social a que ele tenha aderido e desde que tenha efectuado os descontos legalmente previstos (cf. Diário da Assembleia da República, II Série, Números 23-RC, de 7 de Julho e 81-RC, de 9 de Março de 1989, Diário da Assembleia da República, I Série, Número 75, de 5 de Maio de 1989 e José Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional, Publicações Europa-América, 1989, p. 130). Assinalando Gomes Canotilho/Vital Moreira que o número acrescentado em 1989 “pretende salientar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias actividades e respectivos descontos para os diversos organismos da segurança social” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2007, anotação ao artigo 63.º, ponto VIII). Não se podendo retirar do princípio constitucional do aproveitamento total do tempo de serviço “a possibilidade de, a todo o tempo, reconstruir retroactivamente carreiras contributivas, pagando valores respeitantes a contribuições em relação a trabalhadores que não descontaram para a Segurança Social” (João Carlos Loureiro, Adeus ao Estado Social- A segurança social entre o crocodilo da economia e a medusa da ideologia dos “direitos adquiridos”, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 250).
4. A decisão recorrida entendeu, numa interpretação de direito infra-constitucional que a este Tribunal não cabe sindicar, que a norma do artigo 9.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, revoga a obrigatoriedade de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, estabelecida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio. Inscrição obrigatória que é pressuposto da aquisição do direito a um subsídio vitalício, por parte dos funcionários e agentes da Administração Central, Local e Regional e de outras pessoas colectivas de direito público com, pelo menos, 70 anos de idade, que tenham, cinco ou mais anos de serviço seguidos ou interpolados e menos de quinze.
Sucede, porém, que o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 134/79 não concretiza o direito constitucionalmente consagrado no n.º 4 do artigo 63.º da CRP – o direito ao aproveitamento integral do tempo de trabalho, para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, independentemente do sistema de protecção social para o qual o trabalhador tenha contribuído. Nos termos desta disposição legal, aqueles funcionários ou agentes adquirem, por razões conjunturais, porque não lhes foi garantido o direito de se inscreverem em qualquer instituição de previdência ou, porque por qualquer outro motivo, não lhes foi concedida qualquer pensão de reforma ou aposentação, o direito a um subsídio vitalício. O que extravasa, manifestamente, o âmbito de protecção da norma constitucional convocada pela decisão recorrida, ainda que se considere que o subsídio em causa partilha da natureza da pensão de aposentação.
Da norma cuja aplicação foi recusada não decorre que se exclua do cálculo da pensão de velhice qualquer tempo de trabalho ao qual correspondam descontos legalmente previstos. Decorre apenas, na medida em que revoga norma especial que confere direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, que deixou de poder ser regularizada uma situação passada no quadro do regime que previa o subsídio vitalício. O artigo 63.º, n.º 4, da CRP não consagra, propriamente, o direito a pensão de velhice qualquer que seja o tempo de trabalho prestado e ainda que não tenha havido contribuições para um qualquer sistema de protecção social.
Face ao sentido e alcance do artigo 63.º, n.º 4, da CRP, há que não julgar inconstitucional a norma do artigo 9.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na parte em que revoga a obrigatoriedade de inscrição na Caixa Geral de Aposentações, estabelecida pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2011.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão – José Borges Soeiro (vencido, de harmonia com a declaração de voto que junto) – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Dissenti do acórdão que fez vencimento porquanto, diversamente do invocado: “ (…) o artigo 1.º, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 134/79 não concretiza o direito constitucionalmente consagrado no n.° 4 do artigo 63.° da CRP — o direito ao aproveitamento integral do tempo de trabalho, para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, independentemente do sistema de protecção social para o qual o trabalhador tenha contribuído. Nos termos desta disposição legal, aqueles funcionários ou agentes adquirem, por razões conjunturais (…), o direito a um subsídio vitalício. O que extravasa, manifestamente, o âmbito de protecção da norma constitucional convocada pela decisão recorrida, ainda que se considere que o subsídio em causa partilha da natureza da pensão de aposentação. (…)”, considero que a aludida norma leva à impossibilidade legal dos eventuais beneficiários da Caixa Geral de Aposentações (C.G.A) se poderem inscrever nessa instituição.
Assim, a norma revogatória – artigo 9.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, na parte em que faz cessar a obrigatoriedade de inscrição na C.G.A. – redunda na extinção do “subsídio vitalício”, já que esta inscrição é um pressuposto da atribuição do mesmo subsídio.
Deste modo, a lei, contendo a mencionada norma revogatória (artigo 9.º) é, inexoravelmente, uma lei restritiva que merece tratamento análogo aos direitos, liberdades e garantias, já que desconsidera a integralidade do tempo de trabalho prestado, para o efeito de pensões ou, no caso, de “subsídio vitalício” (artigos 17.º, 18.º, n.º 3 e 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).
Como se referiu no Acórdão n.º 411/99 (disponível em www.tribconstitucional.pt) “ (…) Quando o texto constitucional remete para ‘os termos da lei’, fá-lo para efeitos de concretização do direito, não a título de cláusula habilitativa de restrições. A utilização da expressão ‘todo o tempo de trabalho …’ impõe, nesta matéria, a obrigação, para o legislador ordinário, de prever a contagem integral do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, sem restrições que afectem o núcleo essencial do direito.
Como o direito à contagem do tempo de serviço para efeitos de aposentação tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, aplica-se-lhe o regime destes – constante do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa –, por força da extensão operada pelo artigo 17º da Constituição. A admitir-se a solução propugnada pela recorrente, a norma constitucional ficaria esvaziada no seu sentido e o direito à contagem de todo o tempo de serviço seria afectado no seu núcleo essencial. (…) Se a lei (…) eliminar uma parte do tempo de trabalho prestado –, já não será todo o tempo de trabalho a contribuir para o cálculo das pensões, mas apenas uma parte dele. Tal solução implicaria interpretar a Constituição de acordo com a lei e não interpretar a lei de acordo com a Constituição, como se impõe.”
A tese que fez vencimento desconsidera todo o tempo de trabalho prestado, não procedendo ao seu “aproveitamento” por qualquer forma, no caso para efeito do “subsídio vitalício”, como poderia ser para “pensão de aposentação” ou “pensão unificada”, o que parece afrontar o artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, não extravasando, como se afirma no acórdão que fez vencimento, o âmbito de protecção da norma constitucional convocada pela decisão recorrida.
Só assim não seria se o tempo de trabalho prestado viesse a ser considerado, de harmonia com o novo regime instituído pela Lei n.º 60/2005, no âmbito da segurança social, optando o legislador por uma criação alternativa à que revogara.
Não se diga, que a “pensão social” ou o “rendimento social de inserção” preenchem esse desiderato, porquanto estas prestações integram-se no subsistema de solidariedade de segurança social, ao contrário do que sucede com o “subsídio vitalício”, prestação esta de natureza contributiva, atendendo a que a contagem do tempo de serviço prestado ao Estado pressupõe o pagamento das quotas correspondentes.
No caso em apreço, não terá ocorrido o pagamento de quotas derivado da incidência dos consequentes descontos para a C.G.A., porque não havia para o requerente direito à aposentação, conforme invoca a própria recorrente, na sua contestação (sob o n.º 5), só passando a existir a partir da aprovação do Estatuto de Aposentação, pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, diploma que viria a permitir, no cálculo da pensão de aposentação, a contagem daquele lapso de tempo (artigo 25.º, alíneas a) e b)), mediante o pagamento das quotas devidas (artigo 13.º, n.º 3). (cfr. o Acórdão n.º 173/2001, disponível em www.tribconstitucional.pt).
Pelo exposto, julgaria a inconstitucionalidade da norma desaplicada – artigo 9.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro - , já que o respectivo efeito revogatório extingue o direito à inscrição na C.G.A, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 134/79, de 13 de Maio, o que importa a desconsideração do trabalho prestado pelo requerente, não lhe sendo concedido, consequentemente, o subsídio vitalício, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º, 18.º, n.º 3 e 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.- José Borges Soeiro.