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Processo nº 774/96 Plenário Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - O pedido e os seus fundamentos
1 - O Procurador-Geral Adjunto em exercício de funções neste Tribunal, como representante do Ministério Público, sob invocação do disposto nos artigos 281º, nº 3, da Constituição e 82º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro
(Lei do Tribunal Constitucional), veio requerer, em 30 de Outubro de 1996, a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais, 'na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo e no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de sentença penal condenatória pelo arguido, determina irremediavelmente que aquele fique sem efeito, sem que se proceda à prévia advertência de tal cominação ao recorrente'.
E alegou, como fundamento do pedido, que tal norma foi
explicitamente julgada inconstitucional, por violação do princípio constitucional das garantias de defesa, pelos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 575/96, de 16 de Abril, 691/96, de 21 de Maio, e 956/96, de
10 de Julho, dos quais juntou cópias.
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2 - Nos termos dos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, foi notificado o Primeiro Ministro para, querendo, se pronunciar sobre o assim requerido, não havendo porém sido oferecida qualquer resposta.
Cabe agora apreciar e decidir.
E porque, o Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 44.329, de 8 de Maio de 1962, em que se inseria a norma cuja inconstitucionalidade vem peticionada, foi, na sua quase globalidade, revogado pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 224--A/96, de 26 de Novembro, importa averiguar, liminarmente, se existe interesse jurídico relevante no conhecimento da questão de constitucionalidade posta ao Tribunal.
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II - Uma questão prévia
1 - O Código das Custas Judiciais de 1962, na Parte II (Parte Criminal), Capítulo II (Da taxa de justiça), Secção III (Disposições comuns), no artigo 192º - na sua última versão, decorrente do artigo 5º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 387--D/87, de 29 de Dezembro - dispunha assim: Artigo 192º
(Pagamento da taxa devida inicialmente)
A taxa que seja condição do seguimento de recurso ou incidente ou da prática de qualquer acto deve ser paga no prazo de sete dias, a contar da apresentação do requerimento na secretaria ou da formulação no processo, independentemente de despacho e sob pena de o pedido ser considerado sem efeito. O recurso que tenha por efeito manter a liberdade do réu é recebido independentemente do pagamento da taxa pela interposição, que será paga nos sete dias subsequentes à admissão do recurso.
O Tribunal Constitucional, nos acórdãos nºs 575/96 e 956/96, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 19 de Julho e 19 de Dezembro de
1996, e 691/96, ainda inédito, tirados em processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, por violação do preceituado nas disposições combinadas dos artigos 18º, nºs 2 e 3, e 32º, nº 1, da Constituição, julgou tal norma inconstitucional 'na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo, no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pela interposição de recurso de sentença penal condenatória pelo arguido, determina irremediavelmente que aquele fique sem efeito, sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido-recorrente'.
Deste modo, e tendo em conta o princípio do pedido a que o Tribunal se acha subordinado, o objecto do presente processo é constituído pela norma do artigo 192º, na específica dimensão a que se reportam os arestos fundamento.
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2 - Simplesmente, já depois da instauração destes autos, foi publicado o Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, para começar a vigorar em 1 de Janeiro de 1997, que aprovou o actual Código das Custas Judiciais e revogou o Código de 1962, aprovado pelo Decreto-Lei nº 44329, de 8 de Março de
1962, com excepção do disposto no artigo 221º relativo à isenção do imposto de selo.
No novo Código, inserto no Título II (Custas criminais), Capítulo I
(Responsabilidade pelo pagamento), Secção I (Disposições gerais), o artigo 80º, subordinado à epígrafe 'Pagamento inicial da taxa de justiça e sanção pela sua omissão' regendo sobre matéria correspondente à do artigo 192º do diploma antecedente, veio prescrever que, na falta de pagamento da taxa de justiça que seja condição de abertura da instrução ou de seguimento de recurso, a efectuar no prazo de 10 dias a contar da apresentação do requerimento na secretaria ou da sua formulação no processo, independentemente de despacho, o interessado será notificado 'para, em cinco dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de taxa de justiça de igual montante' (cfr. nºs 1 e 2).
Verifica-se assim, que no tocante aos efeitos do não pagamento da taxa de justiça que seja condição de abertura da instrução ou de seguimento do recurso, o regime anteriormente vigente foi revogado e substituído por um outro em que se acautelam por forma constitucionalmente adequada as garantias de defesa dos arguidos em processo criminal.
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3 - Tem este Tribunal entendido, em jurisprudência uniforme e reiterada, que a revogação de uma norma objecto de um pedido de declaração de inconstitucionalidade não obsta, só por si, à emissão de uma declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral. Isto porque, enquanto a revogação se reveste, em princípio, de eficácia prospectiva (ex nunc), a declaração de inconstitucionalidade envolve, por via de regra, uma eficácia retroactiva (ex tunc) (cfr. o artigo 282º, nº 1, da Constituição).
E, por assim ser, poderá existir interesse na eliminação dos efeitos produzidos medio tempore, isto é, no período da vigência da norma sindicada. Haverá interesse na declaração de inconstitucionalidade 'justamente toda a vez que ela for indispensável para eliminar efeitos produzidos pelo normativo questionado durante o tempo em que vigorou', e essa indispensabilidade for evidente, por se tratar da eliminação de feitos produzidos constitucionalmente relevantes (cfr. os acórdãos nºs 103/87, 238/88, 73/90, 135/90, 465/91, 804//93,
186//94 e 57/95, publicados no Diário da República, I Série, de 6 de Março de
1987, e II Série, de, respectivamente, 21 de Dezembro de 1988, 19 de Julho e 7 de Setembro de 1990, 2 de Abril de 1992, 31 de Março e 14 de Maio de 1994 e 12 de Abril de 1995).
Simplesmente, o interesse processual justificativo do conhecimento do pedido de fiscalização abstracta da constitucionalidade de normas já revogadas, há-de apresentar-se com um conteúdo prático apreciável pois que, sendo razoável que se observe aqui um princípio de adequação e proporcionalidade, 'seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de
índole genérica e abstracta, como é a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade, para eliminar efeitos eventualmente produzidos que sejam constitucionalmente pouco relevantes e possam facilmente ser removidos por outro modo'.
Com efeito, o fim que, em primeira linha, se visa atingir com a declaração de inconstitucionalidade - expurgar o ordenamento da norma viciada - foi já atingido através da sua revogação. A eliminação dos efeitos produzidos pela norma revogada não passa, pois, de uma finalidade marginal e secundária, só se justificando, por isso, a utilização daquele mecanismo quando estejam em causa valores jurídico--constitucionais relevantes (cfr. cit acórdão
238/88).
E, por outro lado, mesmo que se verificasse a subsistência de efeitos derivados da aplicação daquela norma, sempre os meios individuais e concretos ao dispor dos interessados serão suficientes para o acautelamento dos respectivos direitos e interesses.
Ora, à luz das considerações expostas, há-de dizer-se que na situação em apreço não se verifica o condicionalismo indispensável ao prosseguimento do processo, devendo por isso conceder-se atendimento à suscitada questão prévia.
*///* III - A decisão
Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do pedido.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 1997 Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Fernando Alves Correia Luis Nunes de Almeida Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa