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Proc. n.º 531/00
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Notificada do acórdão deste Tribunal n.º 478/2000, de 9 de Novembro
(fls. 318 e seguintes), no qual foi decidido, em conferência, confirmar a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional, a Sociedade Agrícola T, S.A. veio, nos termos do n.º
2 do artigo 669º do Código de Processo Civil, pedir a sua reforma através do requerimento de fls. 325 a 327. Nesse requerimento, a Sociedade Agrícola T, S.A. alega, em síntese, o seguinte: a) no presente recurso, o acórdão que está em causa é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 2000, que negou a revista, depois de aclarado pelo acórdão de 4 de Maio de 2000, em que foi confirmada a aplicação da norma do artigo 490º, n.º 2, do Código de Processo Civil; b) a inconstitucionalidade suscitada pela requerente durante o processo reporta-se à interpretação conjugada da norma do artigo 490º, n.º 2, do Código de Processo Civil, com a do artigo 3º, n.º 3, do mesmo Código, por violação da garantia do processo equitativo, consignada no artigo 20º, n.º 4, da Constituição; c) na interpretação perfilhada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 2000, após a aclaração realizada pelo acórdão de 4 de Maio de 2000, a norma do artigo 490º, n.º 2, do Código de Processo Civil permitiria considerar como não impugnados os factos contraditados; d) os elementos constantes dos autos, relativos à questão da inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 490º, n.º 2, e 3º, n.º
3, do Código de Processo Civil, não foram tomados em consideração por lapso manifesto; e) se tais elementos constantes dos autos tivessem sido tomados em consideração, seria necessariamente diversa a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, permitindo à requerente, nas competentes alegações de recurso, explicitar mais desenvolvidamente os termos em que foi violada a garantia do processo equitativo; f) a consideração dos elementos constantes dos autos implicaria o preenchimento do pressuposto do recurso de constitucionalidade que se traduz na arguição, prévia à decisão recorrida, da norma da lei ordinária nela aplicada numa dimensão inconstitucional; g) no que se refere à tributação por custas, cumpre suscitar a questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, por falta de credencial parlamentar exigida pelo artigo 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição; h) verifica-se também inconstitucionalidade material dos artigos 7º e 9º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, 'por disporem em arrepio do que se encontra consignado no Código das Custas Judiciais, mandado aplicar supletivamente'; i) com efeito, a reforma do Código das Custas Judiciais de 1997 excluiu de tributação autónoma o pedido de reforma das decisões, com fundamento no n.º 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil; j) as normas daqueles artigos 7º e 9º, 'interpretadas no contexto normativo em que se inserem, violariam o princípio da confiança e da segurança jurídica, e os da legalidade e tipicidade tributária, se interpretadas no sentido de permitirem a tributação do pedido de reforma formulado com os fundamentos supra'.
2. Notificado deste pedido de reforma, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio dizer o seguinte, no que à questão da tributação em custas se refere (fls. 329 a 330):
'1 - A presente reclamação carece obviamente de qualquer fundamento.
2 - Assim e no que se refere à questão da pretensa «inconstitucionalidade orgânica» do Decreto-Lei n.º 303/98, está há muito definido, de forma unânime, que a taxa de justiça não tem qualquer conexão com o «sistema fiscal», já que não reveste a natureza de imposto – pelo que naturalmente a matéria de regulação de custas se situa fora do âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República.
3 - No que respeita à pretensa inconstitucionalidade material, é verdadeiramente ininteligível a argumentação da reclamante, já que não se entende por que razão impediria a Lei Fundamental que fosse tributada em custas a parte que, notificada de decisão sumária do relator, reclama para a conferência e vê tal reclamação ser julgada improcedente.
4 - Não apresentando, aliás, tal regime qualquer discrepância relativamente aos princípios que regem o Código das Custas Judiciais – e nada obstando, a que o legislador, no domínio do processo constitucional, pudesse legitimamente optar pela estatuição do regime especial em relação a tal Código, que não pode obviamente qualificar-se como «lei de valor reforçado».'
Notificado também para se pronunciar sobre o requerimento apresentado, o recorrido AA não respondeu.
3. Pretende a requerente a reforma do acórdão do Tribunal Constitucional que confirmou a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso por si interposto para este Tribunal. Para tanto, invoca o disposto no artigo 669º, n.º
2, do Código de Processo Civil, que regula precisamente a reforma da sentença. Da leitura do requerimento de reforma deduz-se, todavia, que a requerente funda o seu pedido apenas na alínea b) daquele n.º 2, nos termos da qual qualquer das partes pode requerer a reforma da sentença, quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração. Para além da reforma do acórdão do Tribunal Constitucional, a requerente suscita a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, bem como a inconstitucionalidade material de duas das suas disposições (as dos artigos 7º e 9º). Embora não resulte claramente do requerimento, parece que tais questões de inconstitucionalidade (especialmente a segunda) apenas se reportam à eventual tributação da requerente aquando da decisão do presente pedido de reforma, não estando em causa as anteriores condenações em custas (constantes da decisão sumária e do acórdão da conferência proferido sobre a reclamação). De qualquer modo, a resolução da primeira questão de inconstitucionalidade suscitada (a da inconstitucionalidade orgânica) também valerá para a hipotética impugnação dessas anteriores condenações.
4. No que se refere ao pedido de reforma propriamente dito, é evidente que o requerimento apresentado é totalmente destituído de fundamento. A mencionada alínea b) do n.º 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil – cuja aplicabilidade às decisões do Tribunal Constitucional nem sequer se vai discutir
– não se adequa, como facilmente se demonstra, a nenhuma das pretensões da requerente.
4.1. Em primeiro lugar, tal preceito não serve para, depois de proferido o acórdão da conferência a confirmar a decisão sumária, a requerente vir dizer que o acórdão do qual pretendia recorrer para o Tribunal Constitucional não era, afinal, o acórdão do qual interpôs recurso. Com efeito, o requerimento de interposição do presente recurso (fls. 296) refere, sem qualquer margem para dúvidas, que o acórdão impugnado é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
29 de Junho de 2000; o presente pedido de reforma refere, diversamente, que o acórdão impugnado é o acórdão do Supremo de 29 de Fevereiro de 2000.
É fácil de ver por que motivo o artigo 669º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, não permite alterar a delimitação anteriormente feita do objecto de um recurso, como pretende a requerente, e, com base nessa nova delimitação, modificar a decisão já proferida sobre aquele objecto. É que, se tal fosse permitido, não só se inutilizariam as regras relativas a prazos para a interposição de recursos, como também se não obteria a reforma da sentença ou do acórdão anterior: obter-se-ia, sim, uma nova sentença ou um novo acórdão, na medida em que a decisão aí contida versaria sobre pedido diverso. Não tem, assim, qualquer base legal o pedido de reforma do acórdão da conferência n.º 478/2000, com o fundamento de que devia ter sido outro o acórdão do Supremo por ela apreciado. Ou, dito de outro modo, não pode agora proferir-se nova decisão incidindo sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 2000, por (além de ser manifestamente extemporânea a sua impugnação) não estarem verificados os pressupostos da reforma prevista no artigo 669º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil e, consequentemente, estar esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal para a apreciação do presente recurso.
4.2. Em segundo lugar, o preceito que permite a reforma de uma sentença ou de um acórdão não pode servir para, uma vez proferida a decisão sumária ou o acórdão pela conferência, a requerente vir pedir a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 490º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Tal norma não foi indicada no requerimento de interposição do recurso (fls. 296), pelo que qualquer decisão do Tribunal Constitucional que agora a tomasse em consideração significaria, nos termos expostos no número anterior (4.1.), o proferimento de nova decisão, e não a reforma da anterior. Em suma: se a requerente pretendia a apreciação da norma constante do n.º 2 do artigo 490º do Código de Processo Civil, devia ter manifestado a sua pretensão no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional: peça processual em que, naturalmente, lhe cumpre delimitar o objecto do recurso, indicando a decisão judicial impugnada e a norma cuja conformidade constitucional pretende que este Tribunal aprecie. O mecanismo previsto no artigo 669º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil não serve, manifestamente, para submeter um novo objecto processual à apreciação do Tribunal Constitucional e, nessa medida, obter decisão inteiramente nova.
4.3. Em terceiro lugar, alega a requerente que os elementos constantes dos autos, relativos à questão da inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 490º, n.º 2, e 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil, não foram tomados em consideração por lapso manifesto, e que, se tais elementos constantes dos autos tivessem sido tomados em consideração, seria necessariamente diversa a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional, permitindo à requerente, nas competentes alegações de recurso, explicitar mais desenvolvidamente os termos em que foi violada a garantia do processo equitativo. Que dizer desta argumentação? Desde logo, que se lapso manifesto houve, esse lapso é imputável à própria requerente e não ao julgador, o que basta para arredar a aplicação do artigo 669º, n.º 2, do Código de Processo Civil. A não consideração dos tais elementos constantes dos autos a que alude a requerente deveu-se, antes de mais, à própria omissão de qualquer referência, no requerimento de interposição do recurso, à norma constante do artigo 490º, n.º
2, do Código de Processo Civil. Ora, não competindo apreciar, no presente recurso, esta norma – já que a requerente não havia pedido a sua apreciação –, a que título se iriam consultar os elementos constantes dos autos relativos à questão da inconstitucionalidade dessa norma? O Tribunal Constitucional não pode substituir-se aos recorrentes na delimitação do objecto dos recursos por eles interpostos, perscrutando nos autos a sua real intenção ao recorrer: dito de outro modo, a consulta dos autos não pode alargar o objecto do recurso, necessariamente delimitado no respectivo requerimento de interposição. Por outro lado, mesmo que o Tribunal Constitucional tivesse considerado os elementos constantes dos autos, relativos à questão da inconstitucionalidade daquela norma (a do artigo 490º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a decisão que viesse a proferir teria sido exactamente a mesma, isto é, no sentido do não conhecimento do objecto do presente recurso. Recorde-se, a este propósito, que o fundamento da decisão sumária, confirmada pelo acórdão da conferência, foi o de que na decisão recorrida – o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2000 (cfr. supra, 4.1.) – não foi aplicada, como ratio decidendi, a norma que a recorrente pretendia submeter à apreciação do Tribunal Constitucional (a norma do artigo 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Ora tal fundamento continuaria a ser inteiramente válido, caso a ora requerente tivesse submetido a norma constante do n.º 2 do artigo 490º do Código de Processo Civil à apreciação do Tribunal Constitucional: com efeito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2000 (o acórdão do qual foi interposto recurso) tal norma também não foi aplicada. Apenas foi aplicada a norma do artigo 668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, bem como as normas dos artigos 729º, n.º 2, e 722º, n.º 2, do mesmo Código (é o que expressamente se diz, aliás, tanto no n.º 7 do texto da decisão sumária, como no n.º 3 do texto do acórdão da conferência n.º 478/2000). Mais algumas razões, pois, para excluir totalmente a aplicabilidade do artigo
669º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil à presente situação: não só não houve qualquer lapso da parte do julgador, como também a consideração dos tais elementos a que alude a requerente não implicaria decisão diversa da proferida.
4.4. Alega, finalmente, a requerente que a consideração dos elementos constantes dos autos implicaria o preenchimento do pressuposto do recurso de constitucionalidade que se traduz na arguição, prévia à decisão recorrida, da norma da lei ordinária nela aplicada numa dimensão inconstitucional. Não se compreende esta afirmação da requerente. Com efeito, o fundamento do não conhecimento do objecto do presente recurso foi, como se disse, o de que na decisão recorrida – novamente se repete: o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Junho de 2000 – não foi aplicada, como ratio decidendi, a norma que a recorrente pretendia submeter à apreciação do Tribunal Constitucional. Dito de outro modo: o pressuposto processual que se considerou não preenchido foi o da aplicação, na decisão recorrida, da norma submetida à apreciação do Tribunal Constitucional. Não se disse, nem na decisão sumária, nem no acórdão da conferência, que a requerente não havia suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o processo, o que evidentemente implicaria a falta de preenchimento de um outro pressuposto. Como tal, não tem sentido afirmar-se, como se faz no presente requerimento de reforma, que 'considerando aqueles elementos que constam do processo, verifica-se satisfeito o pressuposto do recurso de constitucionalidade: arguição prévia à decisão recorrida, da norma da Lei Ordinária nela aplicada em dimensão interpretativa inconstitucional'. Não é este o pressuposto processual cujo não preenchimento foi assinalado na decisão sumária e no acórdão da conferência, pelo que não se percebe a referência que a ele faz a requerente.
4.5. Face ao exposto nos números precedentes, conclui-se pela impossibilidade legal da pretendida reforma do acórdão n.º 478/2000, de 9 de Novembro, e, consequentemente, pelo necessário indeferimento do requerimento respectivo.
5. No que se refere à questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, por falta de credencial parlamentar exigida pelo artigo 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição, já teve o Tribunal Constitucional oportunidade de, por várias vezes, sobre ela se pronunciar, tendo concluído em sentido negativo. Assim, no acórdão n.º 38/2000, de 26 de Janeiro, escreveu-se o seguinte:
'Em primeiro lugar, porque o que se encontra na reserva legislativa da Assembleia da República é o regime geral a que se encontrarão sujeitas as taxas devidas às entidades públicas, e não o regime particular de cada uma delas, salvo se esse regime particular entrar em contradição com o referido regime geral. No caso dos autos – em que manifestamente não está em causa a fixação do regime geral das taxas – apenas se poderia, num certo entendimento das coisas, questionar a constitucionalidade orgânica do diploma impugnado se ele, por não existir ainda a lei parlamentar atinente ao regime geral das taxas, tivesse vindo regular o regime das custas no Tribunal Constitucional de forma claramente colidente com os princípios gerais que vêm regendo o nosso ordenamento jurídico em matéria de taxas. Ora, o requerente não demonstrou, nem sequer invocou, que tal acontecesse. Em segundo lugar, porque a determinação do montante da taxa concretamente devida em cada caso nunca poderá ser tida como integrando o regime geral das taxas. Finalmente, porque não é verdade que o artigo 84º da LTC contenha uma norma absolutamente vazia e meramente remissiva para diploma governamental. O preceito em causa fixa designadamente com precisão em que casos são devidas custas e quem
é responsável pelo seu pagamento.' Idêntica orientação foi perfilhada, nomeadamente, nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 48/2000, de 2 de Fevereiro, 59/2000, de 9 de Fevereiro,
101/2000, de 22 de Fevereiro, e 278/2000, de 16 de Maio. É esta jurisprudência que, também aqui, se reitera, e para a qual se remete.
6. Finalmente, alega a requerente a inconstitucionalidade material dos artigos 7º e 9º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, 'por disporem em arrepio do que se encontra consignado no Código das Custas Judiciais, mandado aplicar supletivamente'. A reforma do Código das Custas Judiciais de 1997, no entendimento da requerente, teria excluído de tributação autónoma o pedido de reforma das decisões, com fundamento no n.º 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil, pelo que as normas daqueles artigos 7º e 9º, 'interpretadas no contexto normativo em que se inserem, violariam o princípio da confiança e da segurança jurídica, e os da legalidade e tipicidade tributária, se interpretadas no sentido de permitirem a tributação do pedido de reforma formulado com os fundamentos supra'. Parece, pois, que a requerente defende a inconstitucionalidade material dos artigos 7º e 9º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, com o fundamento de que prevêem, contrariamente ao Código das Custas Judiciais de 1997, a aplicação de taxa de justiça aos pedidos de reforma de decisões judiciais. O representante do Ministério Público neste Tribunal, como se referiu (supra,
2.), sustentou a inexistência de qualquer proibição constitucional de tributação em custas, em casos como o presente, bem como a possibilidade de o legislador, no domínio do processo constitucional, optar pela estatuição de regime especial em relação ao Código das Custas Judiciais, que não constitui lei de valor reforçado. Relativamente a esta questão, cumpre desde logo sublinhar que, ao invocar a violação, pelas normas dos artigos 7º e 9º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, dos princípios da confiança, segurança jurídica, legalidade tributária e tipicidade tributária, a requerente coloca uma questão de inconstitucionalidade material que se confunde com a da própria inconstitucionalidade orgânica acabada de analisar (supra, 5.). Portanto, e no que toca à questão da inconstitucionalidade material por violação dos mencionados princípios, remete-se para o que ficou dito a propósito da inconstitucionalidade orgânica. Abstraindo agora dos princípios constitucionais cuja violação é invocada pela requerente – invocação que, conforme se explicou, não permite autonomizar a questão da inconstitucionalidade material da inconstitucionalidade orgânica –, resta verificar se a Constituição é, por algum outro motivo, afrontada com a aplicação de taxa de justiça nos pedidos de reforma de decisões, nos termos dos artigos 7º e 9º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro. Aplicação que, na tese da requerente, não viria prevista no Código das Custas Judiciais de 1997. Quanto a este aspecto, assinale-se que a requerente não demonstra minimamente que o Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, isente de taxa de justiça os incidentes de reforma de decisões, previstos no artigo 669º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Efectivamente, os preceitos daquele Código indicados pela requerente (os dos artigos 15º e 16º) versam sobre a redução a um quarto da taxa de justiça e sobre a taxa de justiça noutras questões incidentais, nada dispondo sobre a isenção da taxa de justiça. Não se percebe, portanto, qual o fundamento legal em que se alicerça a requerente, ao defender a contrariedade, ao Código das Custas Judiciais, dos artigos 7º e 9º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro. Mas, mesmo admitindo a existência de tal contrariedade, não se alcança que inconstitucionalidade daí adviria. Em primeiro lugar porque, como salienta o Ministério Público (supra, 2.), o Código das Custas Judiciais não constitui lei de valor reforçado. Em segundo lugar porque, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, a adopção do modelo do Código das Custas Judiciais não deixa de tomar em consideração as especificidades do processo no Tribunal Constitucional, bem como a necessidade de adequar a taxa de justiça vigente à 'intervenção do tribunal motivada por uma contumácia crescente que importa desincentivar'. Particularmente quanto a este último ponto, refere-se no mencionado preâmbulo, que 'o Tribunal Constitucional não pode ser utilizado […] como pretexto para se protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado das decisões'. Em suma, a existência de contrariedade ao Código das Custas Judiciais
(hipotética, já que a requerente não a demonstra minimamente) não permitira sustentar, nem violação de lei de valor reforçado nem, atentas as especificidades do processo constitucional e da própria jurisdição do Tribunal Constitucional, violação do princípio da igualdade. Nem, obviamente, permitiria sustentar violação do Estado Social de Direito, como chega a sugerir a requerente, cujos princípios não postulam manifestamente a não tributação de incidentes processuais infundados.
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se o pedido de reforma do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 478/2000, de 9 de Novembro, e julga-se improcedente a questão da inconstitucionalidade orgânica e material do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) unidades de conta. Lisboa, 17 de Janeiro de 2001 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida
Lisboa,