Imprimir acórdão
Proc. nº 738/00
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. I, Lda., notificada da decisão sumária de 5 de Janeiro de 2001 (fls.
342 a 353), que, por não considerar verificados os pressupostos processuais exigidos no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, decidiu não tomar conhecimento do recurso por ela interposto para o Tribunal Constitucional, veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da mesmo Lei.
Na reclamação apresentada, a reclamante suscita e discute 'as seguintes três questões:
a) O cumprimento do nº 5 do artigo 74º-A [sic] pode ser afastado, designadamente por inutilidade ?
b) Faltam, de forma insusceptível de ser suprida, os requisitos relativos à necessidade de suscitar 'durante o processo' a inconstitucionalidade
?
c) A inconstitucionalidade vem imputada na decisão judicial e não na violação de um preceito ou sua interpretação ?'. A reclamante invoca, relativamente a cada uma das questões que coloca, em síntese, os seguintes argumentos:
a) Ao considerar inútil a notificação da recorrente, prevista no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, para completar o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a decisão sumária proferida preteriu uma formalidade imperativa, pelo que, segundo o entendimento da reclamante, 'terá de ser anulada por decisão da conferência, no sentido de devolver os autos ao Meritíssimo Juiz Relator para que dê cumprimento ao disposto no nº 6 do artigo 75º-A, sem prejuízo da situação a que se referem os nºs 7 do artigo 75º-A e nº 2 do artigo 78º-A da LTC';
b) Em sua opinião, o caso dos autos é 'um dos casos muito particulares em que o recorrente não teve oportunidade de suscitar a questão da inconstitucionalidade perante as instâncias, só o fazendo perante o STJ e em sede de nulidade do Acórdão proferido e apenas por razões de inobservância de normas processuais destinadas a proteger a igualdade de armas na lide judicial e oportunidade de cada uma das partes produzir os seus argumentos de facto e de direito';
c) No que diz respeito à 'norma violada', e depois de 'reconhece[r] ao requerimento de interposição de recurso alguma pobreza neste domínio', a reclamante afirma que 'interpretando o STJ que o nº 3 do artigo 930º do Código de Processo Civil permite que o arrendatário seja, sem qualquer outra formalidade ou acção declarativa, desapossado do uso do imóvel, constitui [...] violação dos artigos 2º, 20º e 205º da Constituição da República Portuguesa'.
2. Notificada para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, a recorrida Caixa Económica M não respondeu.
3. A ora reclamante requer a anulação da decisão sumária de fls. 342 a
353, sustentando que deve entender-se como imperativa a notificação ao recorrente prevista nos nºs 5 e 6 do artigo 75ª-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Ora, a este respeito, importa distinguir entre os pressupostos do recurso de constitucionalidade, tal como se encontram enunciados nas várias alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, e os requisitos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a que se refere o artigo 75º-A da mesma Lei.
No caso sub judice, decidiu-se, nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do recurso, por não estarem verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da mesma Lei (a única alínea susceptível de ser invocada no caso dos autos, muito embora não tenha sido indicada no requerimento de interposição do recurso).
Na verdade, tendo em conta a distinção que antecede, ainda que a ora reclamante tivesse indicado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade qual a alínea do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional com base na qual o recurso era interposto e ainda que nesse mesmo requerimento tivesse indicado com clareza as normas cuja inconstitucionalidade pretendia que este Tribunal apreciasse e tivesse explicitado qual o sentido atribuído a tais normas que considerava contrário à Constituição (requisitos do requerimento de interposição do recurso), o recurso não poderia ser admitido, por falta de pressupostos processuais.
Vejamos:
a) Em primeiro lugar, a referência, pela ora reclamante, a um eventual problema de inconstitucionalidade não foi feita 'durante o processo', no sentido funcional que a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem atribuindo a esta exigência, já que a ora reclamante apenas o fez no requerimento em que arguiu a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2000 (requerimento de fls. 321 e seguintes), sendo certo que a questão discutida no acórdão então sob reclamação se mantinha a mesma desde a 1ª instância e que o sentido atribuído às normas aplicadas nesse acórdão era aquele que vinha sendo propugnado pela outra parte no processo (a Caixa Económica Montepio Geral), tanto nas alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal da Relação de Lisboa, como nas alegações apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça.
A recorrente teve oportunidade de suscitar em momento anterior
(designadamente nas suas contra-alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça) a questão de inconstitucionalidade, não existindo portanto no presente processo qualquer razão para a considerar dispensada do ónus de suscitar tal questão.
b) Em segundo lugar, na peça processual em que se refere a eventuais questões de violação da Constituição – o requerimento em que arguiu a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Julho de 2000 –, a ora reclamante imputou o vício de inconstitucionalidade à decisão judicial.
Em nenhum ponto desse requerimento a ora reclamante reportou o vício de inconstitucionalidade a normas de direito infra-constitucional aplicadas na decisão recorrida.
A mesma conclusão decorre dos termos utilizados no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, onde de modo expresso se afirma que 'a decisão proferida pelo acórdão deste Supremo Tribunal viola o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa'.
Por estas razões se considerou que seria inútil ordenar a notificação da ora reclamante, nos termos do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, para completar o requerimento de interposição do recurso. À ora reclamante seria porventura possível indicar elementos em falta no requerimento, mas não seria certamente possível suprir a falta dos pressupostos processuais típicos do recurso interposto, isto é, a invocação, de modo processualmente adequado, de uma autêntica questão de inconstitucionalidade normativa.
4. Reafirma-se que a ora reclamante não suscitou, de modo processualmente adequado, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que pudesse constituir objecto do recurso interposto.
Aliás, no requerimento em que deduz a reclamação da decisão sumária
– que, de qualquer modo, não seria já o momento para suscitar de modo processualmente adequado a inconstitucionalidade –, a ora reclamante, referindo-se à questão que enuncia como 'da norma violada', parece pretender centrar a questão de inconstitucionalidade no nº 3 do artigo 930º do Código de Processo Civil. Decorre todavia claramente do teor da decisão recorrida que não assentou nessa norma o julgamento do Supremo Tribunal de Justiça.
Através do recurso de constitucionalidade, a ora reclamante pretende afinal – como se demonstrou na decisão sumária reclamada – impugnar o próprio acórdão recorrido. Tal pretensão excede o âmbito de competência do Tribunal Constitucional, sendo certo que o poder de fiscalização de constitucionalidade atribuído a este Tribunal apenas incide sobre normas e não sobre outros actos, nomeadamente sobre as próprias decisões judiciais.
5. Conclui-se assim que a decisão do Tribunal Constitucional foi proferida com total observância das regras legais aplicáveis, porquanto:
– se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, o relator, no Tribunal Constitucional, profere decisão sumária (artigo 78º-A, nº
1, da Lei do Tribunal Constitucional);
– se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos nos nºs 1 a 4 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, o relator, no Tribunal Constitucional, convidará o requerente a prestar essa indicação (nºs 6 e 5 do artigo 75º-A da mesma Lei);
– não é lícito realizar no processo actos inúteis (artigo 137º do Código de Processo Civil).
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada, de 5 de Janeiro de 2001, que não tomou conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 21 de Março de 2001 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida