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Proc. nº 697/2000
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Na acção emergente de contrato individual de trabalho na forma sumária, a correr termos no Tribunal do Trabalho da Maia, em que figura como autora MF e como ré A, SA, foi proferida sentença, de 10 de Maio de 2000, na qual se condenou a ré a pagar à autora a quantia de 654.600$00, acrescida de juros, a título de prémio de mérito. Na contestação a ré não suscita qualquer questão de constitucionalidade normativa.
A ré arguiu a nulidade da sentença de 10 de Maio de 2000, afirmando que 'a sentença recorrida nos termos em que face aos dispositivos legais acima citados e perante os que invoca na decisão - artigos 246º, 239º, 406º e 798º do Código Civil, 267º e 660º do Código de Processo Civil e 82º, nº 1, 88º, nº 1, e
39º da Lei do Contrato de Trabalho - fez um mau uso destas mesmas regras, violando o princípio constante do artigo 205º da Constituição'.
A arguição de nulidade foi indeferida.
2. A, SA, interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando que a decisão recorrida, ao fazer 'mau uso' dos preceitos invocados no requerimento de arguição de nulidade, violou os artigos 205º e 59º, nº 1, alínea a), da Constituição.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de
13 de Outubro de 2000, em virtude de não ter sido identificada qualquer norma que a recorrente considerasse inconstitucional e de não ter sido suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa durante o processo.
A recorrente vem agora reclamar, ao abrigo dos artigos 76º, nº 4, e
77º, da Lei do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da presente reclamação.
Cumpre decidir.
3. Sendo o recurso que a reclamante pretende ver admitido interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo de modo processualmente adequado.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequada quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação ou que um conjunto vasto de preceitos é inconstitucional, sem indicar com precisão e rigor a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
4. Nos presentes autos a reclamante limitou-se a afirmar no requerimento de arguição de nulidade que a sentença de 10 de Maio de 2000 fez
'mau uso' de vários preceitos do Código Civil, do Código de Processo Civil e da Lei do Contrato de Trabalho, violando o artigo 205º da Constituição.
Ora, tal actuação processual não pode, de modo manifesto, fundamentar um recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Com efeito, desde logo aquela afirmação apenas consubstancia a imputação do vício de inconstitucionalidade à sentença recorrida e não a uma norma.
Por outro lado, não é identificada, com um mínimo de rigor, a dimensão normativa que se considera inconstitucional, invocando-se, apenas, e de forma genérica, vários artigos de diversos diplomas legais.
Por último, tal questão foi apenas suscitada na arguição de nulidade da decisão recorrida. Ora, a sentença de 10 de Maio de 2000 não contém qualquer decisão objectivamente imprevisível ou inesperada. Nessa medida, qualquer questão de constitucionalidade que a reclamante pretendesse ver apreciada tinha de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a que o juiz a quo tivesse oportunidade de sobre ela se pronunciar.
Verifica-se, pois, que não foi suscitada de modo processualmente adequada qualquer questão de constitucionalidade normativa durante o presente processo, pelo que o recurso de constitucionalidade que a reclamante interpôs não pode ser admitido.
Improcede, nessa medida, a presente reclamação.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando , consequentemente, o despacho reclamado.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 20 de Dezembro de 2000- Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa