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Processo nº 752/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): Banco B Recorrido(s): Fazenda Pública I. Relatório:
1. O recorrente interpôs o presente recurso, ao abrigo das alíneas b) e f) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Novembro de 2000.
No respectivo requerimento, diz o recorrente que a interposição do recurso tem lugar, 'em virtude de serem postas em causa, quer a interpretação ou sentido normativo atribuído à alínea c) do nº 1 do artigo 6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua redacção inicial, quer a dimensão normativa conferida à alteração desse preceito pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº
263/92, de 24 de Novembro, que, ao atribuir-lhe natureza interpretativa, condiciona o intérprete e origina a sua aplicação retroactiva, quer a legalidade da interpretação administrativa do disposto nos artigos 9º e 10º do Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Junho, e do disposto no artigo 75º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, efectuada pelas Circulares 16/89, de 9 de Novembro e 17/90, de 27 de Maio'. O recorrente foi convidado a aperfeiçoar o requerimento de recurso, tendo vindo dizer: a). A Recorrente questiona a constitucionalidade da interpretação da al. c), do nº 1, do artigo 6º, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares exarada no Douto Acórdão recorrido, segundo a qual a tributação do rendimento gerado pelas operações de compra e venda de títulos da dívida se inclui na previsão dessa norma de incidência dos rendimentos de capital. b). Este sentido interpretativo que foi atribuído ao preceito legal indicado viola o princípio da tipicidade, constante do, ao tempo artº 106º, da CRP e actual nº 2, do artº 103º, da CRP, segundo a qual os impostos são criados por lei que, entre outras, determina a sua incidência. c) A Recorrente questiona ainda a constitucionalidade da interpretação da al. c), do nº 1, do artigo 6º, do Código de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º, do Dec.Lei 263/92, de
24 de Novembro, exarada no Douto Acórdão recorrido, que atribui a esta alteração a natureza de lei interpretativa. d). O sentido interpretativo atribuído a esta alteração legislativa, viola o princípio da não retroactividade das leis fiscais, consignado no, ao tempo, artº
106º, da CRP e actual nº 3, do artº 103º, da CRP. e). Esta última inconstitucionalidade foi suscitada no ponto III das alegações de recurso para o STA, e vertida no ponto 10 das respectivas conclusões, podendo a primeira sê-la nesta sede, em virtude da decisão de 1ª instância ter sido favorável à tese defendida pelo Recorrente.
O relator, por entender que se não verificavam os necessários pressupostos, proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso.
2. É desta decisão sumária que o recorrente, agora, reclama para a conferência, pedindo que se revogue tal decisão e que se conheça do objecto do recurso. O reclamante argumenta dizendo, em síntese, que 'basta atentar no ponto 10 das conclusões das suas contra-alegações de recurso, para verificar, à saciedade, que essa questão foi suscitada, e de forma expressa' [refere-se à questão da inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro]. Quanto à norma desse artigo 6º, alínea c), na sua redacção inicial, o recorrente
– depois de dizer que 'não deixa de ser curioso' que o relator 'tenha aceite, sem reservas [...] a interpretação efectuada pelo Supremo Tribunal Administrativo da norma de incidência dos rendimentos de capitais' – acrescenta que o facto de ele não ter suscitado a sua inconstitucionalidade nos autos não pode ser motivo para o não conhecimento do recurso, 'uma vez que, tendo o recorrente obtido decisão favorável em primeira instância, não poderia ter suscitado qualquer questão de constitucionalidade, tanto mais que nem sequer lhe era concedido o direito de recorrer'.
A Fazenda Nacional não respondeu.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Escreveu-se na decisão sumária o seguinte: Na verdade, quanto ao recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para dele se poder conhecer, era necessário que o recorrente tivesse suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas jurídicas que pretende ver apreciadas sub specie constitutionis e que o acórdão recorrido as tivesse aplicado como suas rationes decidendi. E, quanto ao recurso fundado na alínea f) do mesmo nº 1, para se poder conhecer do mesmo, era preciso que o acórdão recorrido tivesse aplicado as normas, cuja ilegalidade o recorrente houvesse suscitado, durante o processo, com fundamento em que elas violavam lei de valor reforçado, estatuto de região autónoma ou lei geral da República. No presente caso, em parte alguma das alegações, o recorrente suscitou a ilegalidade reforçada de qualquer norma jurídica. E, quanto à inconstitucionalidade, a única norma a que ele a imputou, nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo, foi ao Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro, que deu nova redacção à alínea c) do nº 1 do artigo 6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e acrescentou a esse mesmo artigo 6º o nº 3, como, de resto, decorre da própria resposta ao convite que lhe foi feito para aperfeiçoar o requerimento de recurso. Sendo isto assim, o Tribunal não pode conhecer de qualquer questão de ilegalidade. E a única questão de constitucionalidade, que ele, eventualmente, poderia conhecer, era a que tem por objecto a norma constante da alínea c) do nº
1 do citado artigo 6º, na redacção que lhe foi dada pelo mencionado Decreto-Lei nº 263/92. Diz-se eventualmente, desde logo, porque, mesmo quanto a esta questão, em direitas contas, não se pode afirmar que o recorrente tenha suscitado a inconstitucionalidade daquela norma, de modo processualmente adequado: na verdade, o recorrente não imputou a inconstitucionalidade à dita alínea c) do nº
1 do artigo 6º, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do referido Decreto-Lei nº 263/92 (como, em rigor, deveria ter feito), nem tão-pouco ao artigo 1º desse Decreto-Lei, que, além de dar nova redacção ao aludido artigo
6º, deu-a também a outros preceitos mais do Código em causa. O que ele disse foi que tal diploma (ou seja, o Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro), a ser lei interpretativa, seria inconstitucional (cf., designadamente, a conclusão 10ª da alegação). Ora, há-de convir-se que, dizer que o diploma seria inconstitucional, sem se especificar a que norma se imputava a inconstitucionalidade, não é modo processualmente adequado de suscitar a inconstitucionalidade da norma da alínea c) do nº 1 do artigo 6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redacção dada por esse Decreto-Lei, uma vez que o Decreto-Lei nº
263/92 tem quatro artigos, um dos quais aditou um preceito a um outro diploma legal, que não àquele Código. Mas, se, acaso, se devesse considerar como adequadamente suscitada a questão da inconstitucionalidade da referida alínea c) do nº 1 do artigo 6º, na redacção de
1992, sempre haveria de concluir-se pelo não conhecimento do recurso.
É que, desempenhando o recurso de constitucionalidade uma função instrumental, só há interesse processual em dele conhecer, se a decisão a proferir no mesmo puder repercutir-se utilmente sobre a questão que a decisão recorrida resolveu. Ora, no caso, tal não é susceptível de acontecer, uma vez que, se o Tribunal conhecesse do recurso e viesse a concluir pela inconstitucionalidade da norma constante da mencionada alínea c) do nº 1 do artigo 6º, na redacção de 1992, a decisão constante do acórdão recorrido sempre haveria de subsistir, uma vez que, como nele se decidiu, os rendimentos de capitais em causa nos autos já eram tributáveis e sujeitos a retenção na fonte no acto de pagamento, por força do disposto nos artigos 1º e 6º, nº 1, alínea c), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na sua redacção inicial, cuja inconstitucionalidade o recorrente não suscitou na alegação. Escreveu-se, efectivamente, no acórdão recorrido: Concluímos, por isso, que os juros de título de divida negociados na Bolsa, decorridos antes do vencimento ou reembolso, pagos pelo adquirente ao alienante aquando da transacção efectuada, são rendimentos de capitais tributáveis e sujeitos a retenção na fonte no acto do pagamento quer por força dos artigos 1º,
6º-1-c), quer na versão anterior, quer na posterior ao mencionado diploma de
1992. Por último, regista-se que, como apenas podem ser objecto de recurso de constitucionalidade as decisões dos tribunais, nunca o Tribunal poderia ir apreciar 'a legalidade da interpretação administrativa do disposto nos artigos
9º e 10º do Decreto-Lei nº 215/89, de 1 de Junho, e do disposto no artigo 75º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, efectuada pelas Circulares 16/89, de 9 de Novembro e 17/90, de 27 de Maio'.
5. A decisão sumária de não conhecimento de recurso não merece censura.
De facto, o recorrente não suscitou, em termos processualmente adequados, a inconstitucionalidade da norma constante da alínea c) do artigo 6º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 263/92, de 24 de Novembro, já que se limitou a dizer que este último diploma legal, a ser lei interpretativa, seria inconstitucional. Ora, este decreto-lei tem quatro artigos, um dos quais aditou um preceito a um outro diploma legal, diferente daquele Código.
Quanto à norma constante da versão anterior do dito artigo 6º, alínea c), não há justificação para o recorrente ser dispensado do ónus da suscitação atempada da questão de inconstitucionalidade, pois não é exacto que ele não tivesse podido suscitar tal questão perante o Supremo Tribunal Administrativo , em termos de este estar obrigado a dela conhecer, como exige o artigo 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional. De facto, na respectiva contra-alegação, o recorrente disse que, 'na redacção vigente em 1992, única que interessa reter, o preceito legal não contemplava, nem mesmo sequer implicitamente, a possibilidade de tributação da transmissão antecipada dos títulos, ou seja, antes da data do seu vencimento'. Ora, se ele entendia que uma diferente interpretação (é dizer: uma interpretação que conduzisse à tributação) era inconstitucional, devia acusá-la de padecer de inconstitucionalidade. Nada o impedia de o fazer. A isto acresce que, tal como se sublinhou na decisão sumária e pela razão aí aduzida, não há interesse processual no conhecimento do objecto do recurso
6. Anote-se, por último, que – contrariamente ao que o recorrente afirma, manifestando estranheza – a decisão sumária reclamada não aceitou, nem deixou de aceitar, 'sem reservas', a interpretação do referido artigo 6º, alínea c), na versão anterior ao Decreto-Lei nº 263/92, que foi feita pelo acórdão recorrido. Apenas se limitou a dar notícia de tal interpretação, para dela extrair consequências quanto à sorte do recurso de constitucionalidade . Nada mais lhe era legítimo fazer, pois ao Tribunal Constitucional – salvo nos casos contados e excepcionais do artigo 80º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional – não cumpre decidir se as interpretações, feitas pelos outros tribunais, das normas de direito ordinário são ou não correctas, antes tem que partir dessas interpretações para, sendo caso disso, as confrontar com a Constituição.
7. Em conclusão: Há, pois, que indeferir a reclamação apresentada e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso. III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação apresentada; e, em consequência, confirmar a decisão de não conhecimento do recurso;
(b). condenar o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 28 de Março de 2001 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida