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Proc. nº 335/00
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório.
1. Mota e Faria, Lda, ora recorrida, inconformada com a execução contra si instaurada, na sequência de liquidação, pela Câmara Municipal do Porto, das taxas correspondentes às licenças de obras e de urbanização, deduziu-lhe oposição, tendo suscitado, designadamente, a inconstitucionalidade do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Licenças Municipais da Câmara Municipal do Porto para o ano de 1996, por falta de indicação da respectiva lei habilitante.
2. O Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, por decisão de 29 de Fevereiro de 2000, recusou aplicar, com fundamento na sua inconstitucionalidade formal, por falta de indicação da respectiva lei habilitante, o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Licenças Municipais da Câmara Municipal do Porto para o ano de 1996. Ponderou, então, aquele Tribunal:
'Pela análise da matéria provada verifica-se que, no momento da liquidação, o RLCTLM da C.M.P. não continha indicação expressa da lei habilitante. O Tribunal Constitucional já se pronunciou inequivocamente que, de acordo com o disposto no artº 115º da C.R.P., os regulamentos – todo e qualquer regulamento, independentemente do órgão ou autoridade donde tiverem emanado – devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, sob pena de padecerem de inconstitucionalidade formal, por desrespeito do citado preceito constitucional. Assim, sem necessidade de mais análises, dado tratar-se de uma questão repetidamente afirmada na doutrina e na jurisprudência, de que o Tribunal deve tomar conhecimento ao abrigo do disposto no art. 286º, nº 1, al. a) do CPT, declaro, nos presentes autos a referida inconstitucionalidade formal do referido regulamento, e a consequente anulação da dívida exequenda'
3. Desta decisão foram interpostos, respectivamente pelo representante da Fazenda Pública e pelo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância, recursos para o Tribunal Constitucional.
4. Já neste Tribunal foram os recorrentes notificados para alegar.
5. O Ministério Público, nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:
'1 – Invocando expressamente o Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para
1996, da Câmara Municipal do Porto, como lei habilitante o artigo 68º-A do Decreto-Lei nº 445/91 (na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro) bem como o artigo 118º do Código de Procedimento Administrativo – e resultando da primeira daquelas normas, ao menos implicitamente, a competência dos órgãos municipais para editarem regulamentos visando a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de obras particulares – não pode imputar-se o vício de inconstitucionalidade formal, decorrente de omissão de invocação da lei-habilitante, às normas integradas no Capítulo IV do dito regulamento.
2 – Não cabe no âmbito do presente recurso de constitucionalidade sindicar se as normas legais, invocadas como base ou suporte do regulamento, constituem título bastante para a sua edição – competindo aos tribunais judiciais ou administrativos e fiscais dirimir tal matéria, situada exclusivamente no plano da estrita legalidade do acto regulamentar.
3 – Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo de constitucionalidade formal das normas desaplicadas na decisão recorrida.'
6. Por parte da recorrente Fazenda Pública não foi apresentada, dentro do prazo legal, qualquer alegação, pelo que o recurso por si interposto foi, com esse fundamento, julgado deserto por despacho de 17 de Janeiro de 2001.
7. Por sua vez, a recorrida Mota e Faria, Lda., respondeu às alegações do Ministério Público, em termos que aqui se dão por reproduzidos, tendo concluído pela improcedência do recurso. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II. Fundamentação.
8. O presente recurso, interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do art. 70º da LTC, tem por objecto a apreciação da constitucionalidade do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças Municipais para 1996, da Câmara Municipal do Porto, a que o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto recusou aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade formal, por não conter indicação expressa da lei habilitante. Esta questão não é nova na jurisprudência do Tribunal Constitucional que, recentemente, no seu acórdão nº 28/2001 (Diário da República, II série, de 12 de Março de 2001), tirado na 1ª Secção, teve oportunidade de com ela se confrontar, tendo concluído aí pela inconstitucionalidade formal do referido regulamento. Ponderou, então, este Tribunal:
'Lê-se no aviso que antecede a publicação do mencionado Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para 1996, da Câmara Municipal do Porto, no Diário da República, II Série, nº 61, suplemento, de 12 de Março de 1996, p. 3386 (33) a
3386 (49):
«Em cumprimento do estipulado no nº 3 do art. 68º-A do Dec.Lei 445/91, de 20-11, na redacção dada pelo Dec.Lei 250/94, de 15-10, publica-se o Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para o ano de 1996, aprovado em reunião camarária de
12-12-95, previamente submetido à apreciação pública nos termos do artigo 118º do Código do Procedimento Administrativo e aprovado em reunião da Assembleia Municipal em 16-1-96'. A questão a decidir neste processo reside portanto em saber se satisfaz a exigência contida no artigo 112º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa a referência que é feita, no aviso que antecede a publicação no Diário da República do mencionado Regulamento da Câmara Municipal do Porto, ao nº 3 do artigo 68º-A do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro, e ao artigo 118º do Código do Procedimento Administrativo. A exigência de indicação da lei habilitante formulada pelo actual artigo 112º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa tem em vista, por um lado, disciplinar o uso do poder regulamentar, obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, se podem ou não emitir determinado regulamento, e, por outro lado, garantir a segurança e a transparência jurídicas, dando a conhecer aos destinatários o fundamento do poder regulamentar.
Como este Tribunal disse no acórdão nº 357/99 (Diário da República, II Série, nº 52, de 2 de Março de 2000, p. 4255), 'não impõe a lei constitucional que a indicação da lei definidora da competência conste de um qualquer trecho determinado do Regulamento'. A Constituição exige todavia que a menção seja 'expressa', recusando deste modo a legitimidade de referências meramente implícitas à base legal autorizante.
Mas, ainda que se aceite que a menção da norma legal habilitante seja
'implícita' ou 'indirecta' (como tem sido aceite em certa jurisprudência deste Tribunal), certo é que, no caso dos autos, não se encontra no texto do Regulamento, nem no texto do aviso que lhe deu publicidade, qualquer referência
à norma que justifica a competência da Câmara Municipal para o aprovar, ou da Assembleia Municipal para o homologar.
Na verdade, as disposições legais mencionadas no aviso acima transcrito dizem respeito tão somente à exigência de publicação no Diário da República de certos regulamentos municipais (nº 3 do artigo 68º-A do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro) e à exigência de submissão à apreciação pública dos projectos de regulamentos administrativos (artigo 118º do Código do Procedimento Administrativo).
As normas invocadas referem-se portanto a exigências de natureza procedimental, que devem ser observadas aquando da adopção de normas regulamentares por certas entidades. Ora, independentemente de qualquer juízo deste Tribunal quanto a essa questão, reconhece-se que a invocação de tais normas no aviso é oportuna, já que, através dela, a autoridade administrativa demonstra o cumprimento dessas exigências legais (a publicação no jornal oficial e a apreciação pública do regulamento).
Porém, nenhuma das normas invocadas prevê ou disciplina a competência da Câmara Municipal para aprovar, ou da Assembleia Municipal para homologar, o Regulamento que aqui se discute – mais precisamente, a norma com base na qual foi efectuada a liquidação impugnada nos presentes autos – ou para aprovar ou homologar qualquer outra norma regulamentar.
As normas invocadas não são, repete-se, normas atributivas de competência regulamentar aos órgãos autárquicos. Por isso, a referência a essas normas no aviso que precede a publicação do Regulamento não dispensa – e não pode substituir – a menção da respectiva norma legal habilitante. A função de uma e outra referência é diferente, porque distinta é também a finalidade a prosseguir por uma e outra exigência. Sublinhe-se, aliás, a fórmula utilizada no próprio aviso 'Em cumprimento do estipulado no nº 3 do art. 68º-A do Dec. Lei
445/91 [...] publica-se o Regulamento [...]'. Tanto assim é que – como vem provado na sentença recorrida, a fls. 170 – 'no dia
27 de Maio de 1997 foi aprovada, por unanimidade, a deliberação da Assembleia Municipal da C.M.P., segundo a qual do Regulamento Municipal de Obras passaria a constar que o Regulamento foi aprovado pela Assembleia Municipal ao abrigo do determinado no artº 11º, alínea a), da L. 1/87, de 06.01, artº 39º, nº 2, alínea l), do DL 100/84, de 29.03, artº 43º, nº 1, do DL 400/84, de 31.12, DL 448/91, de 29.11, com as alterações introduzidas pelo DL 334/95, de 28.12, e L. 26/96, de 01.08'.
Pelos fundamentos expostos, conclui-se que é formalmente inconstitucional, por falta de indicação da norma legal habilitante, o Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para 1996, da Câmara Municipal do Porto, aprovado em reunião camarária de 12 de Dezembro de 1995, e publicado no Diário da República, II Série, nº 61, suplemento, de 12 de Março de 1996, p.
3386 (33) a 3386 (49), na versão em vigor à data em que foi praticado o acto de liquidação impugnado nestes autos.
O mesmo juízo de inconstitucionalidade quanto ao mencionado Regulamento consta do acórdão deste Tribunal nº 148/00 (publicado no Diário da República, II Série, nº 233, de 9 de Outubro de 2000, p. 16343 s).
É esta jurisprudência - para cuja fundamentação se remete - que, por manter inteira validade, agora há que reiterar. III - Decisão. Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso. Lisboa, 18 de Abril de 2001 José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Messias bEnto Luís Nunes de Almeida