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Proc. nº 740/97
Plenário
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. A., na qualidade de mandatário do Partido Socialista na área do Município de Alcobaça, veio interpor recurso contencioso da deliberação da Assembleia de Apuramento Geral deste município sobre a anulação de um voto
'considerado válido pela respectiva Mesa de Votação', na eleição de 14 de Dezembro para a Assembleia de Freguesia de Cela daquele concelho.
A petição de recurso deu entrada na secretaria do Tribunal Constitucional às 9 horas do dia 26 de Dezembro de 1997, acompanhada de certidão da acta da referida assembleia de apuramento geral, da procuração e de dois substabelecimentos demonstrativo da qualidade e poderes de representação do recorrente.
No mesmo dia e pelas 15 e 45 minutos foi recebida telecópia no Tribunal Constitucional, emitida pelo recorrente, a enviar certidão das actas das quatro secções de voto da freguesia de Celas.
Em 29 de Dezembro, foram recebidos os originais das referidas quatro actas e certidões de vinte boletins de voto para a Assembleia de Freguesia de Celas do concelho de Alcobaça.
2. Segundo alega o recorrente, a lista do Partido Socialista
(abreviadamente, P.S.) concorrente à Assembleia de Freguesia de Cela do concelho de Alcobaça 'obteve 476 votos válidos na contagem total das mesas de voto daquela freguesia'.
No decurso das operações de apuramento geral, a mesa da respectiva assembleia verificou 'que nos votos nulos, objecto da sua conferência e contagem, faltava um boletim de voto em relação aos indicados na respectiva acta da Secção de Voto Nº 3'.
Face a tal verificação, a referida assembleia de apuramento geral
'decidiu abrir o pacote dos boletins de voto, considerados válidos e atribuídos ao Partido Socialista em número de 476, e dali retirar um boletim de voto que considerou nulo, e sobre o qual não havia recaído reclamação ou protesto', e, depois de o qualificar como nulo, 'procedeu indevidamente ao abatimento do mesmo naquele apuramento parcial e reduziu para 475 o número de votos válidos'.
Segundo se alega ainda, 'a Assembleia de Apuramento Geral não fez constar da acta os fundamentos que utilizou para invalidar o voto atribuído ao Partido Socialista e bem assim das razões que levaram à abertura do pacote lacrado dos boletins válidos e que não eram objecto de contagem por aquela Assembleia, para dali retirar o boletim de voto que acabou por anular'.
Descrita a matéria de facto acabada de indicar, o recorrente passa a abordar a matéria de direito, denunciando uma invocada dualidade de critérios que imputa à respectiva assembleia de apuramento geral - confrontando o critério justificativo da anulação no presente caso com o critério sustentado a propósito de reclamação deduzida pelo mandatário de uma lista de independentes concorrentes à Assembleia de Freguesia do Vimeiro, do mesmo município, respeitante à impossibilidade de a assembleia em causa modificar a qualificação de um voto válido - e sustentando que a assembleia terá ultrapassado 'a sua competência violando os pacotes devidamente lacrados que estavam confiados à guarda do Juiz de Direito da Comarca - art. 91º nº 1 do Dec-Lei nº 701/B/76 de
29 de Setembro'. Invoca o disposto nos arts. 89º, 90º e 91º da mesma Lei Eleitoral para fundamentar o juízo de ilegalidade que faz sobre a actuação da assembleia de apuramento geral, considerando-a mesmo passível de responsabilização criminal, invocando o disposto no art. 97º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais para reforçar o juízo de ilegalidade sobre tal actuação.
Termina invocando o prejuízo que resultou para o PS da invalidação de um voto, e concluindo nos seguintes termos:
'a) A Assembleia de Apuramento Geral não tem competência legal para modificar a qualificação do voto atribuído pela secção de voto.
b) O voto retirado do pacote de boletins válidos deve ser reposto no mesmo e mantida a sua qualificação.
c) A Assembleia de Apuramento Geral deve corrigir o número de votos válidos de
475 para 476 com as legais consequências.
Com a sua actuação a Assembleia de Apuramento Geral violou as disposições legais dos arts. 91º, nº 1, 97º, nºs. 1, 2 e 3 e 98º alíneas a), b), c) e d) todos do Decreto-Lei 701/B/76 de 29 de Setembro.'
II
3. O presente recurso foi interposto pelo mandatário concelhio do P.S., pessoa que tem legitimidade para o fazer (art. 103º, nº 2, do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais).
O mesmo é tempestivo, visto da acta da assembleia de apuramento geral constar que os respectivos trabalhos foram dados por findos 'pelas dezasseis horas e trinta minutos do dia vinte e três de Dezembro de mil novecentos e noventa e sete' (a fls. 24 dos autos). Tal significa que a afixação do edital foi posterior a essa hora, pelo que - tendo o dia 24 de Dezembro sido de tolerância de ponto para os serviços públicos e o dia 25 de Dezembro feriado - o recurso foi interposto no prazo de 48 horas previsto na lei (art. 104º, nº 1, da Lei Eleitoral).
4. Da acta da assembleia de apuramento geral e no que toca à freguesia de Cela consta o seguinte:
' OPERAÇÕES PRELIMINARES
Procedendo de seguida à análise dos boletins de voto considerados nulos pelas assembleias de voto, a Assembleia de Apuramento Geral, após ter adoptado um critério uniforme para a sua qualificação, deliberou:
[...] c) em relação à Freguesia de Cela, e por subsistirem dúvidas na sua contagem, face à divergência entre o número de votos nulos existentes e os mencionados na respectiva acta, efectuar a recontagem da votação para a Assembleia de Freguesia de Cela e para a Assembleia Municipal de Alcobaça na secção de voto número três, da qual resultou a correcção dos respectivos resultados, tendo sido, no tocante à Assembleia de Freguesia de Cela, adicionado um voto nulo existente e subtraído em um voto a votação no Partido Socialista e, no tocante à Assembleia Municipal de Alcobaça, adicionados três votos nulos e dois votos em branco existentes.' (a fls. 9)
Não consta da mesma acta que tenha havido qualquer protesto quanto a esta deliberação.
Por outro lado, e já no domínio das operações de apuramento geral, são registados deste modo os resultados da eleição para a assembleia de freguesia de Cela:
' CDU - Coligação Democrática Unitária - trezentos e vinte e um (321); Partido Social Democrata - PPD/PSD - setecentos e noventa e três (793); Partido Socialista - quatrocentos e setenta e cinco (475); Partido Popular - CDS/PP - cento e trinta e cinco (135).' (a fls. 12-13) (indicam-se ainda 70 votos brancos e 69 votos nulos)
Na distribuição de mandatos, no que toca à assembleia de freguesia em causa, o PPD/PSD recebe cinco (primeiro, terceiro, quinto, sétimo e nono), o PS dois (segundo e sexto) e a CDU dois (o quarto e o oitavo).
5. Face ao que fica referido, tem de concluir-se que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do recurso.
De facto, verifica-se que, quanto à deliberação de recontagem dos votos da secção de voto nº 3 da freguesia de Cela, não houve qualquer reclamação ou protesto. Ora, nos termos do art. 103º, nº 1, da referida Lei Eleitoral as irregularidades ocorridas no apuramento geral só podem ser apreciadas em recurso contencioso 'desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentados no acto em que se verificaram'.
Tanto basta para que não seja possível conhecer do objecto do recurso, deixando-se, porém, dito que, a ter havido irregularidade, a mesma não afectou a distribuição de mandatos na assembleia de freguesia [a atribuição de 476 votos ao PS não era susceptível de lhe fazer obter o 8º mandato, visto que este caberia sempre à CDU - (321:2)>(476:3)].
III
6. Termos em que decide o Tribunal Constitucional não conhecer do presente recurso de contencioso eleitoral.
Lisboa, 30 de Dezembro de 1997 Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Vítor Nunes de Almeida Maria da Assunção Esteves Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Bravo Serra José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa