Imprimir acórdão
Processo nº 760/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Militar, proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. O Promotor de Justiça junto do Supremo Tribunal Militar veio, ao ‘abrigo do disposto no artº 280º, nº 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa, conjugado com os artigos 285º do Código de Justiça Militar, 70º, nº 1, al. a) e
72º, nº 1, al. a), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro’ (...) ‘interpor recurso para o Tribunal Constitucional relativamente ao douto acórdão de 16 de Novembro de 2000, em virtude de no mesmo ter sido recusada, nos termos do artigo 204º da Constituição, a aplicação do artigo 440º, nº 2, al. a) do Código de Justiça Militar, com o fundamento de no mesmo não se encontrar previsto que se previna o arguido de nova qualificação jurídico-penal conducente à aplicação de pena mais grave e que se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de apresentar a sua defesa’.
2. Nesse acórdão entendeu-se que ‘se considera inconstitucional por violação do princípio das garantias de defesa consignado no artº 32º, nº 1, da Constituição, a norma constante do artº 440º, nº 2, a), do Código de Justiça Militar, na medida em que não vem previsto que se previna o arguido da nova qualificação jurídico-penal conducente à aplicação de pena mais grave e que se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa’, recusando-se a sua aplicação e daí não se ter condenado ‘o réu em pena mais grave do que aquela em que foi condenado: a de dois anos de presídio militar que, assim, subsiste’ (‘O mesmo se aplica, desde logo, relativamente à decretada absolvição, que, por isso e além do mais, também não pode deixar de se manter’ – acrescenta-se ainda).
2. Também veio interpor recurso do mesmo acórdão o réu J , com os sinais identificadores dos autos, ‘baseado no disposto no art. 70º nº 1 alíneas b), f) e g) e 72 nº 1 alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional – Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro e Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro – em virtude de o douto Acórdão em causa o ter condenado como autor de crimes previstos e punidos pelos arts. 72º nº 1 d), 75º a) e 76º do C. de Justiça Militar, normas que considera inconstitucionais, traduzindo-se, pois, em violação do disposto nos arts 1º, 13º nº 2, 17º, 18º, 26º e 213º da Constituição da República Portuguesa, conforme tudo consta das suas alegações de recurso do Acórdão do Tribunal Militar de Elvas – QUESTÃO SEGUNDA B) – das CONCLUSÕES III nºs 4º e 5º das mesmas, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais’ (e depois, a convite do Relator, para dar cumprimento ao nº 3 do artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, veio dizer que nas suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Militar ‘o recorrente identificou o Ac. 449/89 (BMJ 388,
183) do Tribunal Constitucional no qual se define como crimes essencialmente militares...’ – segue-se uma transcrição extraída deste Acórdão). No acórdão recorrido, depois de se considerar que ‘conduta imputada ao réu no libelo acusatório e que veio a ser provada em julgamento corresponde integralmente à previsão normativa do considerado artº 75° do Código de Justiça Militar e, porque inexiste causa que exclua a ilicitude ou a culpa, constituiu-se, aquele, em autor de um crime de insubordinação por ofensa corporal, previsto naquele mesmo citado preceito’, e que tal crime ‘é qualificado como crime essencialmente militar pelo Código de Justiça Militar – cfr. o seu artº 1°’ (‘O mesmo se diga quanto ao crime de insubordinação por desobediência previsto no artº 72° do referido Código de que o réu veio a ser absolvido por se ter considerado não ter sido feita prova de toda a matéria que, nos termos do libelo, o constituía’ – acrescenta-se ainda), concluiu-se, a tal propósito, nestes termos:
‘Entende, o réu e recorrente, que a qualificação de tais crimes como essencialmente militares é inconstitucional. Mais uma vez, sem razão. O crime de insubordinação é um crime substantivamente diferente de qualquer outro previsto no Código Penal. Através dele tutelam-se directamente a hierarquia e a disciplina, valores que, por serem essenciais à existência e coesão da instituição militar, constituem bens jurídicos militares. Mas se assim é, se no crime de insubordinação se tutelam directamente bens jurídicos militares, não pode deixar de se entender como constitucionalmente legitimada a sua qualificação como crime essencialmente militar - remetemos, nesta matéria, para os Acórdãos do Tribunal Constitucional n° 108/99, in DR, II Série, de 1 de Abril de 1999, e n° 606/99 de 9 de Novembro de 1999, proferido no Proc n° 627/97 da 1ª Secção, bem como para a jurisprudência e doutrina neles citada. Não se verifica, pois, qualquer, inconstitucionalidade na qualificação do crime de insubordinação como crime essencialmente militar atento o conceito deste, tal como tem vindo a ser jurisprudencial e doutrinalmente delimitado, conforme exposto ficou nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de Janeiro de 2000 e de 4 de Maio de 2000, in Colecção de Acórdãos, respectivamente, Jan/2000 e Maio/2000, pág.s 48 e seg.s e 173 e seg.s, para os quais também se remete. Em conclusão: o Tribunal de instância que procedeu ao julgamento nos presentes autos dispunha de competência para tal, já que julgou crimes essencialmente militares – artº 309° do Código de Justiça Militar; não se verifica, assim, qualquer nulidade fundada em incompetência nem se mostra violado, no sentido subentendido na conclusão 5ª da alegação do recorrente, qualquer dos preceitos nela indicados, a não ser as partes sancionatórias dos aí referidos preceitos incriminadores do Código de Justiça Militar e do Código Penal na medida em que, como abaixo veremos, deveria ter sido aplicada a sanção prevista naquele e não a prevista neste’
3. Cumpre decidir separadamente os dois recursos de constitucionalidade. Começando pelo recurso interposto pelo Promotor de Justiça, a questão a decidir
é simples, a partir da doutrina acolhida pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 173/92, nos Acórdãos, 22º vol., relativamente ao ‘alcance, quer do princípio do contraditório, quer dos princípios da acusação e da defesa e da correlação entre acusação e sentença, dele decorrentes’. Remetendo, pois, para os desenvolvimentos contidos nesse acórdão, e nessa matéria, há apenas que confirmar o juízo de inconstitucionalidade dele constante, a respeito da norma do artigo 440º, nº 2, a), do Código de Justiça Militar, talqualmente foi desaplicada no aresto recorrido (cfr. no mesmo sentido o acórdão nº 15/93, publicado no Diário da República, II Série, nº 70, de 24 de Março de 1999). E, assim, tem de negar-se provimento ao recurso interposto pelo Promotor de Justiça.
4. Passando agora ao recurso interposto pelo réu J, há desde logo que afastar o seu fundamento invocado das alíneas f) e g), do nº 1 do artigo 70º, da Lei nº
28/82. Quanto à alínea f), a razão é simples: não trata o acórdão recorrido de nenhuma questão de ilegalidade, nos termos em que ela é definida nas anteriores alíneas c), d), e e), para as quais remete a alínea f), sendo perda de tempo estar aqui a demonstrá-lo. Quanto á alínea g), a razão também é simples: não se trata das mesmas normas, ainda que do mesmo Código de Justiça Militar (as questionadas no presente recurso e as que estiveram em causa no acórdão identificado pelo recorrente nº
449/89, ou seja ‘a constitucionalidade do nº 4 (com referência ao nº 1) do artigo 191º, bem como do artigo 186º, nº 1, alínea b)’, talqualmente se delimita o recurso nesse acórdão) e nem se extrai desse acórdão nº 449/89 nenhum juízo de inconstitucionalidade, decidindo-se, pelo contrário, que aquelas normas do Código de Justiça Militar não são inconstitucionais. Com o que, e neste aspecto preliminar, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso, fundado nas indicadas alíneas f) e g).
5. Fica, pois, apenas como relevante o fundamento da alínea b) do mesmo nº 1 do artigo 70º. Só que, neste aspecto, a questão de inconstitucionalidade a decidir não apresenta dificuldades, havendo já jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre ela. Prima facie, há que delimitar tal questão só à norma do artigo 75º, a), com referência ao artigo 76º, ambos do Código de Justiça Militar, prevendo o crime de insubordinação por ofensa corporal, pois relativamente ao outro tipo legal de crime – o de insubordinação por desobediência, previsto no artigo 72º, nº 1, d), do mesmo Código -, foi o recorrente absolvido e foi confirmada no acórdão recorrido essa absolvição, pelo que seria meramente académico e não revestiria qualquer interesse juridicamente relevante estar a discutir a
(in)constitucionalidade quanto àquela norma do artigo 72º, nº 1, d), na medida em que, qualquer que fosse o juízo a proferir por este Tribunal Constitucional, sempre se manteria a decisão, aliás, favorável ao recorrente, da absolvição. Ora, quanto aos crimes de insubordinação previstos no Código de Justiça Militar, e a sua caracterização como crimes essencialmente militares (confrontando-se mesmo a abstracta dosimetria da punição prevista no direito penal militar com a modelação prevista no direito penal comum), já o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade das normas respectivas (e é esta mesma pronúncia que consta do acórdão recorrido). Fê-lo nos acórdãos nºs 108/99 e 606/99, publicados no Diário da República, II Série, nº 77, de 1 de Abril de 1999, e 64, de 16 de Março de 2000, na linha da doutrina expendida no acórdão nº 347/86, publicado no mesmo Diário, II Série, nº
66, de 20 de Março de 1987 (cfr. ainda os acórdãos nºs 327/97 e 334/98, publicados nos Acórdãos, 36º e 40º vol., respectivamente). Remetendo para a fundamentação desses arestos, há apenas que repetir aqui o mesmo juízo de não inconstitucionalidade da norma do artigo 75º, a), com referência ao artigo 76º, do Código de Justiça Militar. Com o que neste ponto, tem de negar-se provimento ao presente recurso.
6. Termos em que, DECIDINDO: a. nego provimento ao recurso interposto pelo Promotor de Justiça; b. não tomo, em parte, conhecimento do recurso interposto pelo réu e recorrente, noutra parte, nego-lhe provimento, condenando o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta’. B. Dessa Decisão veio o arguido e recorrente J 'reclamar para a Conferência, requerendo se digne Vexa admiti-la, por tempestividade e legal (artº. 77 nº 1 e
78ºA nº 3 redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro', invocando apenas não se conformar com ela 'quer na parte em que não tomou conhecimento do recurso quer na parte em que foi negado provimento, dando aqui por inteiramente reproduzidos todos os efeitos legais o seu requerimento contendo as razões e fundamentos de recurso – inconstitucionalidade dos preceitos pelas quais foi condenado (artº 72º nº 1 d), 75º a) e 76º do C. de Justiça Militar) e violação dos artº 1º, 13º, nº 2, 17º, 18º, 26º e 213º da Constituição da República Portuguesa e artº 72º nº 1 d), 75º a) e 76º do CJM, artº 143º, 146º e 153º do C.Penal e artº 8º e 9º do C.P.Penal'. C. Respondeu à reclamação o 'representante do Ministério Público junto deste Tribunal', dizendo que ela 'carece obviamente de qualquer fundamento' e que não invoca 'o próprio reclamante quaisquer razões ou fundamentos que sejam susceptíveis de pôr em causa a decisão proferida nos autos'. D. Cumpre decidir.
É patente que o reclamante não aduz no seu requerimento nenhum fundamento para infirmar o teor da Decisão reclamada.
É uma pura manifestação de discordância, remetendo para o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, e, por isso, dele nada se aproveita de útil para a presente reclamação. Não há, pois, motivo para alterar o que quer que seja do teor da Decisão reclamada. D. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação, não se tomando, em parte, conhecimento do recurso interposto pelo réu e, noutra parte, nega-se-lhe provimento, condenando-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 28 de Março de 2001 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa