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Processo nº 410/99
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Notificado do acórdão nº 572/99, a fls. 35 e seguintes dos autos, que indeferiu uma reclamação, no âmbito da aplicação do disposto nos artigos 76º, nº
4, e 77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, este na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, veio G requerer a reforma daquele acórdão, nos 'nos termos e ao abrigo da norma do nº 2 do Artº 669º do Código de Processo Civil e por referência à respectiva alínea b), aplicável por força do disposto no Artº 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', protestando juntar um 'parecer entretanto solicitado ao Excelentíssimo Senhor Professor Doutor António Menezes Cordeiro' e sustentando, no essencial, a recorribilidade ordinária da decisão recorrida nas instâncias, pelo que 'aguardou o decurso do respectivo prazo e tomou como termo inicial da contagem do prazo de 10 dias cominado no nº 1 do Artº 75º da L.T.C. a data do respectivo trânsito em julgado'. E desenvolve assim a sua argumentação, para 'impugnar, com todo o respeito, o douto juízo que considerou desrespeitado o pressuposto da tempestividade na interposição do recurso':
'3.A decisão recorrida foi proferida sobre um agravo interposto em processo ordinário, dela cabendo - em abstracto - recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por força da norma do nº 1 do Art.º 754º do Código de Processo Civil. A recorribilidade ordinária do douto acórdão da Relação de Lisboa surge aliás confirmada pelo despacho reclamado na parte lavrada ende linhas 15 a 17 (Vd. fls. 6) .
4.O douto acórdão da Relação de Lisboa, cujo recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido, transitou em julgado no último dia do prazo de condescendência do Artº 145º do Código de Processo Civil, iniciado em 15 de Fevereiro de 1999, segunda-feira de carnaval, daí que se haja verificado em 19 do mesmo mês e ano. O requerimento de admissão de recurso para o Tribunal Constitucional deu entrada em 2 de Março, terça-feira, tendo sido requerido e efectuado o pagamento da multa correspondente ao primeiro dia de condescendência (Cf. guia nº
09612.01.100367.99).
5.O douto acórdão cuja reforma vem requerida, no segundo parágrafo da folha nº
5, debruçando-se sobre a existência do «requisito específico de esgotamento ou da exaustão dos recursos ordinários», acaba por concluir que a existência do referido requisito «não vem ao caso», facto que leva o Reclamante, ora requerente, a considerar ter ocorrido manifesto lapso do Venerando Tribunal que não se terá apercebido da recorribilidade ordinária, ao menos em abstracto, do acórdão recorrido, sendo certo que do próprio despacho reclamado consta tal recorribilidade (Vd. supra nº 3.) , facto que acabou por não ser tomado em consideração'.
2. Foi entretanto junto aos autos o parecer aludido pelo reclamante, em que se analisaram 'o regime geral da recorribilidade das decisões judiciais' e o
'regime específico da recorribilidade das decisões para o Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta', para concluir deste modo:
'II. No caso vertente, o acórdão era susceptível de recurso, pelo menos em abstracto, para o Supremo Tribunal de Justiça - cf. artigo 754°/1 do Código de Processo Civil. Por isso, para que pudesse tomar-se recorrível para o Tribunal Constitucional, nos termos acima expostos, tinha que decorrer o prazo para interposição do hipotético recurso ordinário. Só depois de decorrido este prazo,
é que podia ser apresentado o requerimento de recurso para apreciação da constitucionalidade, porque só neste momento - no momento em que se torna irrecorrível em termos ordinários e segundo o disposto na Lei processual de processo -, é que a decisão se tomou recorrível para o Tribunal Constitucional. Entendemos ser esta a interpretação correcta: o prazo estabelecido no artigo 75° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro para interposição de recurso em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade só começa a decorrer a partir do momento em que a decisão subjacente a esse recurso deixa de ser recorrível em termos ordinários. Assim sendo, o recurso deveria ter sido admitido, porque interposto em tempo
útil, de acordo com as disposições processuais em vigor'.
3. No seu visto, o Ministério Público opinou no sentido de que o pedido de reforma carece de fundamento:
'Assim, em primeiro lugar, não se verificam, na hipótese dos autos, os pressupostos de que depende a admissibilidade da pretensão contemplada na alínea b) do nº 2 do art. 669º do CPC, que pressupõe um lapso manifesto, estensivo e inquestionável do Tribunal na decisão que tomou – não podendo naturalmente fundar-se em tal normativo a criação de um inovatório meio de impugnação ordinária de decisões manifestamente irrecorríveis, face à lei processual vigente (cfr. art. 78º-A, nº 4, da Lei nº 28/82). Ora, a interpretação adoptada por este Tribunal no que concerne à contagem do prazo de interposição dos recursos de fiscalização concreta – podendo obviamente discutir-se no plano dogmático - não pode seguramente configurar-se como resultado de um ‘lapso manifesto’ do julgador, já que – como temos vindo, aliás, a sustentar – não é inevitável que, por força da nova configuração dada ao requisito da exaustão dos recursos ordinários tenha necessariamente que passar a contar-se o prazo de interposição dos recursos de fiscalização concreta – não da notificação da decisão recorrida, como continua a resultar dos termos da lei, quer de processo civil, quer do Tribunal Constitucional, - mas do trânsito em julgado de tal decisão, por esta via se convertendo os recursos de fiscalização concreta em verdadeiros ‘recursos extraordinários’, susceptíveis de precludirem o caso julgado já formado na ordem dos tribunais judiciais. Acresce que, no caso dos autos, esta questão sempre seria de configurar como irrelevante, já que o acórdão da Relação, proferido no âmbito de um recurso de agravo, sobre matéria de natureza processual, num processo iniciado já em 1998, seria ‘em abstracto’, insusceptível de recurso para o STJ, nos termos do preceituado no art. 754º, nº 2, do CPC, na redacção então em vigor, já que obviamente se não verificava os específicos pressupostos de que dependia a admissibilidade da interposição do agravo na 2ª instância: o acórdão da Relação era confirmatório do decidido em 1ª instância, tinha sido tomado por unanimidade, não se vislumbrando – nem sendo, aliás, invocada pelo ora reclamante – qualquer contradição jurisprudencial quanto à matéria sobre que o recurso havia incidido. Em suma: face ao preceituado naquele art. 754º, nº 2, estavam ‘esgotados’ os recursos ordinários possíveis quanto à decisão proferida pela Relação acerca do recurso de agravo perante ela interposto'.
4. Vistos os autos, cumpre decidir: Um primeiro ponto a clarificar consiste no apuramento do verdadeiro sentido do remédio processual de que se socorreu o reclamante, ou seja, na base de 'lapso manifesto' do julgador, como se prevê na inovação introduzida no Código de Processo Civil, no nº 2 do artigo 669º, possibilitando alterar a própria decisão de mérito, viciada por manifesto e inquestionável erro de julgamento. Lançando mão daquele nº 2, 'e por referencia à respectiva alínea b), aplicável por força do disposto no Artº 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', pretende o reclamante fazer crer que existem elementos no processo que, só por si, implicam necessariamente 'decisão diversa da proferida', ou seja, implicam o deferimento da reclamação. Só que, os poderes de alteração do decidido, por aplicação do nº 2 do artigo
669º, têm de fundar-se, não propriamente numa simples omissão, mas num activo erro de julgamento, sendo que na alínea b), que é a referencia especifica e clara do recorrente 'aparece essencialmente previsto o erro manifesto na apreciação das provas, traduzido no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava decisão diversa da proferida' (in Comentários ao Código de Processo Civil, de Lopes do Rego, págs. 444/445). Será este o caso de um activo erro de julgamento?
É o que se vai ver.
5. O acórdão de que se pretende agora a reforma indeferiu a reclamação apresentada 'nos termos e ao abrigo da norma do nº 4 do Artº 76º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro', com base unicamente no desrespeito do pressuposto da tempestividade do recurso de constitucionalidade, limitando-se a cotejar as datas dos actos processuais relevantes nos autos (e porque o 'acórdão em causa do Tribunal da Relação de Lisboa havia transitado em julgado em 19 de Fevereiro de 1999, ‘tendo sido aberto processo administrativo por via do requerimento de interposição de recurso extemporâneo’, pois os autos haviam baixado já à primeira instância' foi tirada a conclusão de que 'não merece censura o despacho reclamado'). O único acrescentamento do acórdão tem a ver com a arguição do recorrente de que
'a ‘nova redacção trazida para os nºs 2 e seguintes do Artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não é tão exigente quanto deixa entender o douto despacho reclamado’' adiantando-se que 'isso, na hipótese sub judicio, não tem directamente a ver com o pressuposto da tempestividade do recurso de constitucionalidade, cujo prazo de 10 dias, como prevê o artigo 75º da mesma Lei nº 28/82 (na redacção do artigo 1º, da citada Lei nº 13-A/98), e antes com o requisito específico do esgotamento ou da exaustão dos recursos ordinários, que não vem ao caso'. Ora, no acórdão reclamado afirmou-se que 'não vem ao caso' o nº 2 do artigo 70º da mesma Lei nº 28/82, porque não se questionava o pressuposto específico da exaustão dos recursos ordinários, aceitando-se não haver in casu e 'em abstracto' um tal recurso do acórdão do tribunal de relação (e só poderia ser o recurso de agravo interposto na 2ª instância, à luz do artigo 754º, do Código de Processo Civil). Não se mostram, pois, como preceitua a invocada alínea b), do nº 2, do artigo
669º, e só ela vem invocada, que elementos constantes dos autos não hajam sido tomados em consideração no acórdão de que se pretende a reforma. Pelo contrário, tais elementos, relevantes essencialmente para o cotejo das datas dos actos processuais revelados nos autos, foram tomados em consideração no acórdão, para aferir o respeito pelo pressuposto da tempestividade e só ele.
Tanto basta para concluir que inprocedem as razões invocadas pelo peticionante da reforma.
6. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se o pedido de reforma e condena-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em dez unidades de conta. Lisboa, 20 de Dezembro de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa