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Proc. nº 234/95
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - O Tribunal de Círculo de Lamego, em sentença de 8 de Janeiro de
1992, julgou improcedentes o pedido de anulação e os pedidos alternativos de resolução ou modificação do contrato de compra e venda de terreno, que os autores A. e outros haviam celebrado com a empresa ré, B..
Da sentença, que considerou não haver erro essencial ou dolo que fundassem a anulação ou a modificação do contrato nem também alteração de circunstância que fundasse a sua resolução, os autores recorreram para o Tribunal da Relação do Porto.
Em alegações, disseram que a sentença do Tribunal de Círculo omitira a matéria fixada na especificação e procederam a um longo excurso sobre essa matéria, no sentido expresso de a mesma ser ponderada pela Relação. E, a seguir:
'E isso é tanto ou mais importante e necessário, porque da leitura da sentença recorrida, mesmo nas premissas em que ela assenta e que se reconhecem claramente que a recorrida agiu com má fé nas negociações da questionada venda, fica-se com a impressão de que tal forma de actuar ao arrepio das leis, ainda merece ser premiada.
Na verdade, a douta sentença recorrida ignora totalmente e abstrai-se de princípios gerais de direito, até com assento na nossa lei fundamental, como sejam os princípios da protecção da confiança, da igualdade e da proporcionalidade, agora expressamente consagrados nos artºs. 2º, 18º e 266º da Constituição da República vigente (...)'.
Mais à frente, sobre a temática da prova da matéria de facto, os recorrentes disseram ainda:
'Na verdade, a douta sentença recorrida limitou-se a uma apreciação da prova negativa, mas não tirou da prova positiva uma única ilação ou conclusão, como se impunha e era imperioso fazer.
Com efeito, no domínio das questões em apreço assumem especial relevância os princípios da boa fé, da equidade, do abuso de direito e da correspectividade das prestações por se tratar de um contrato bilateral e oneroso.
É à luz destes princípios e dos já atrás invocados sob o nº 21 [são os princípios constitucionais] que deve ser analisada a matéria de facto apurada, em conjugação com as regras comuns de vida, do que resultarão as conclusões necessárias para dar como preenchidos e verificados todos os requisitos que levam necessariamente à procedência dos pedidos, especialmente o contido na alínea b) da conclusão da petição'.
E revertendo aos pressupostos da sentença recorrida para demonstrar a existência de omissões de pronúncia e analisar as normas do Código Civil sobre o erro, o dolo e o abuso de direito, afirmam então os recorrentes:
'É também chegada a altura de regressar aos princípios constitucionais vigentes e atrás referidos em 21., a que se reportam diversos arestos do Tribunal Constitucional, notoriamente conhecidos.
Ora, a interpretação e aplicação que o Meritíssimo Juiz a quo faz na sentença recorrida dos preceitos dos artºs. 251º, 437º, 227º e 253º, todos do Código Civil, aliadas às omissões cometidas, violam frontalmente os princípios da protecção da confiança, da igualdade e da proporcionalidade e, por isso, o disposto nos artºs. 2º, 18º e 266º da Constituição, pelo que não podem subsistir por força do artº 207º do mesmo diploma fundamental'.
Finalmente, em conclusões, reiteraram que os princípios constitucionais da protecção da confiança, da igualdade e da proporcionalidade devem orientar a avaliação da prova dos factos, e também que a 'interpretação e aplicação' na sentença recorrida das normas dos artigos 251º, 253º, 437º e 227º do Código Civil viola aqueles princípios. Ao par disso, afirmam que essas normas, dos artigos 251º, 253º, 437º e 227º do Código Civil são em si mesmas violadas na sentença recorrida.
O Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 9 de Fevereiro de
1993, revogou em parte a sentença recorrida, modificando o preço do terreno vendido pelos autores à ré para um valor superior ao declarado na escritura respectiva, a liquidar em execução de sentença.
Autores e ré interpuseram recurso desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. E os autores, alegando, retomaram assim a convocação de princípios que já antes haviam empreendido no recurso para a Relação:
'(...) 21. Por outro lado, o restabelecimento do equilíbrio das prestações para o caso de subsistência da venda tem de obedecer aos princípios e regras explanadas de fls. 414 a 417, 422 e 427, de que também se pede vénia para aqui dar por reproduzidos.
Com efeito, no caso em apreço tem de se atender à protecção do direito de propriedade privada, cuja consagração mereceu do nosso legislador constitucional a equiparação aos direitos fundamentais (artº 62º da CRP), e aos princípios da unidade do sistema jurídico e da interpretação actualista da lei, impostos pelo artº 9º.
Ora, a manter-se a discutida venda contra a vontade dos vendedores e aqui alegantes estaremos perante um caso de verdadeira expropriação privada, em que, de modo algum se justifica um tratamento mais favorável ao beneficiário dela do que se tratasse de uma expropriação por utilidade pública, pois, se assim fosse, seria frontalmente violado o princípio da igualdade'.
Depois, nas conclusões, os autores pediram de novo, entre o mais, e para a hipótese de modificação do preço, o valor actualizado até ao seu recebimento efectivo e não somente até à data da sentença em primeira instância e nessa linha, afirmaram o seguinte:
'Decidindo em contrário, o Tribunal recorrido violou, por errada interpretação e aplicação da lei, os princípios da igualdade e da garantia do direito da propriedade privada consignados nos artºs. 13º e 62º da Constituição da República, e os preceitos do artº 66º, nº 2 e 3 do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91. de 9.8, e dos artºs. 551º, 806º e 252º'.
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 26 de Maio de 1994, negou provimento ao recurso interposto pelos autores [e concedeu-o parcialmente ao da ré] revogando o acórdão recorrido no sentido da subsistência, ainda que por fundamentos não inteiramente coincidentes, da sentença da 1ª instância.
Os autores arguiram a nulidade deste acórdão e dele recorreram ainda para o Tribunal Pleno. A arguição de nulidade foi indeferida por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1995.
Foi então que vieram recorrer para o Tribunal Constitucional, invocando o artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
No requerimento de interposição do recurso, disseram que 'foi por eles suscitada, em diversos momentos, a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação das normas dos artºs. 251º, 252º, 437º, 227º e 253º, todos do Código Civil, por se entender que, no caso concreto, ofendiam os princípios da protecção da confiança, da igualdade e da proporcionalidade, expressamente consagrados nos artºs. 2º, 13º, 18º e 266º da Constituição da República vigente'. Disseram também que, na alegação da revista, 'foi arguida a violação dos princípios da igualdade e da garantia do direito de propriedade privada consignados nos artºs. 13º e 62º da Constituição da República, a qual se concretizou, no caso concreto, com a interpretação e aplicação das normas em que se fundamenta o acórdão recorrido e que são, além das já referidas, as que vão adiante indicadas'.
E concluíram assim:
'Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve ser admitido o presente recurso com vista a, a final, ser declarada inconstitucional a interpretação e aplicação feitas pelo acórdão recorrido das normas dos artºs.
227º, 251º, 252º, 253º, 254º, 437º, 405º, nº 1, 883º, nºs. 1 e 2, 334º, 551º e
806º, todos do Código Civil, por ofenderem os princípios consagrados nos artºs.
2º, 13º, 18º, 62º e 266º da Constituição da República Portuguesa, com todas as demais consequências legais'.
II - Em exposição prévia que fez nos termos do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, o relator pronunciou-se no sentido do não conhecimento do recurso. Fundou-se então em que a questão de constitucionalidade não fora suscitada nas instâncias por forma clara e adequada, de tal modo que se não verificavam os pressupostos de acesso ao Tribunal Constitucional.
E, sobre essa exposição, recaiu o acórdão nº 1114/96, que dela retirou os fundamentos.
A resposta que os recorrentes ofereceram ao Tribunal, nos termos daquele mesmo artigo 78º-A, não trazia, com efeito, nenhum dado novo capaz de advertir para que o recurso satisfazia aos pressupostos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Em vez disso, apontaram uma pretensa confusão do relator, afirmando que à exposição prévia escapava a própria jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo a qual não apenas as normas enquanto formas contidas em preceitos da lei, mas também as dimensões normativas concretas, estavam na competência de controlo deste Tribunal.
Mas sem razão. Na exposição não se foi ao desencontro desta jurisprudência. Reclamou-se antes para a regularidade do recurso um dos requisitos em que a mesma jurisprudência assenta: o de que, não excluindo embora a possibilidade de uma dimensão concreta, é sempre um enunciado normativo que constitui objecto de controlo pelo Tribunal Constitucional, e nenhum enunciado normativo foi dado às instâncias para que, então e agora, se pudesse fundar uma questão de constitucionalidade.
Os recorrentes confrontaram um conjunto de díspares normas com a Constituição, por forma avulsa, sem tão-pouco as enquadrar em nenhuma vertente de normação do caso. E, finalmente, pretenderam suprir essas deficiências com arrimo na norma constitucional do artigo 207º, que é uma norma fundante do controlo difuso da constitucionalidade e não uma norma estruturante do processo constitucional.
III - Os recorrentes vêm agora arguir a nulidade do Acórdão nº
1114/96, que recaiu sobre a exposição prévia do relator, e fazem-se valer desses mesmos argumentos.
Afirmam, de novo, que 'a inconstitucionalidade é de conhecimento oficioso dos tribunais, incluindo o Constitucional, e por isso são inconstitucionais, por violação do artigo 207º da C.R.P., todas as normas da Lei Orgânica do TC que criam restrições àquele conhecimento e designadamente as constantes da alínea b) do nº 1 do seu artigo 70º quando exige que a aplicação ou omissão da norma inconstitucional seja suscitada durante o processo'.
Resulta, pois, da anterior ordem de considerações que a arguição de nulidade é improcedente.
IV - Termos em que se decide indeferir o requerimento de arguição de nulidade.
Custas pelos requerentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de conta.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 1997 Maria da Assunção Esteves Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa