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Processo nº 776/00
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que são recorrente C... e recorridos o Ministério Público e R..., Lda., foi proferida, em 23 de Janeiro de 2001, decisão sumária, nos termos do nº
1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, não tomando conhecimento do objecto do recurso, com o seguinte teor:
'1. - Na 2ª Vara Criminal do Círculo Judicial da comarca do Porto, por acórdão de 11 de Janeiro de 1998, foi C..., identificado nos autos, condenado como autor material de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 300º, nºs. 1 e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de três anos de prisão. A execução da pena foi suspensa pelo período de três anos, sob a condição de, no prazo de seis meses, contados do trânsito em julgado da decisão, o arguido pagar
à ofendida R..., Lda., a indemnização civil arbitrada em 9.520.911$00, nos termos do disposto nos artigos 50º, nºs. 1, 2 e 5, e 51º, nº 1, alínea a), do mesmo Código.
2. - Inconformado, interpôs o arguido recurso do assim decidido para o Tribunal da Relação do Porto, tendo na motivação apresentada, concluído, nomeadamente:
'[...]
7º - Tribunal Colectivo interpretou a norma do nº 2 do artigo 374º do C.P.Penal no sentido de que a fundamentação se basta com a mera indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal.
8º - Em nosso entendimento, a fundamentação tem de ser ‘completa’, especificando as razões ou os motivos que levaram o tribunal a dar como provados esses factos e como não provados outros factos, e analisando criticamente as provas, nomeadamente especificando por que razão deu crédito a esses depoimentos em detrimento de outros e interpretando os documentos juntos aos autos.
9º - O nº 2 do artigo 374º do CPP, por si só, e conjugado com as alíneas b) e c) do nº 2 do artº 410º do mesmo Código, interpretado e aplicado no sentido do Acórdão recorrido, é materialmente inconstitucional, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais, previsto no nº 1 do artº 205º da Constituição, e do direito ao recurso consagrado no nº 1 do art. 32º, também da Constituição.
[...].'
Na resposta do Ministério Público ao mencionado recurso defendeu-se, designadamente, mostrar-se cumprida a exigência de fundamentação contida no nº 2 do artigo 374º citado, encontrando-se 'afastado o eventual juízo de inconstitucionalidade, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais, previsto no artigo 205º, nº 1, da CRP, ou do direito ao recurso constante do artigo 32º, nº 1, também da CRP'. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 5 de Maio de 1999, em conferência, julgou-se incompetente para conhecer do recurso e ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, em seu entender o competente, dado apenas se encontrar em apreço matéria de direito (cfr. artigos 427º, 428º, 432º e 434º, todos do Código de Processo Penal). O Supremo Tribunal de Justiça, sustentando ponto de vista diferente, julgou nulo aquele aresto, revogando-o e ordenando a remessa dos autos ao Tribunal da Relação. Isto porque a motivação do recurso alega matéria de facto subsumível à apreciação das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 410º do CPP e, por outro lado, atento o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 379º do mesmo diploma, infringiram-se as regras de competência em razão da hierarquia. Conhecendo do recurso, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 3 de Maio de 2000, negou-lhe provimento, assim confirmando a decisão recorrida. Pedida a aclaração do acórdão, foi a mesma indeferida por novo acórdão, de 4 de Outubro seguinte.
3.1. - Mantendo-se inconformado, interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, relativamente ao acórdão de 3 de Maio. Pretende a apreciação da constitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, 'por si só e conjugado com as alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º e do nº 2 do artigo 410º, ambos do Código de Processo Penal, por violação do nº 1 do artigo 205º e do nº 1 do artigo 32º, ambos da Constituição da República Portuguesa, na interpretação e aplicação que deles é feita no Acórdão recorrido'. De acordo com a tese por si expendida, o arguido entende que o acórdão 'se limitou à mera enumeração ou indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal', contentando-se com uma interpretação e aplicação dessas normas que se basta com a simples enumeração e indicação daqueles meios de prova, inviabilizando, deste modo, o direito ao recurso ou a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto. No entendimento professado, não é possível ao tribunal de recurso operar o controlo da decisão uma vez que esta não contém 'os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do Tribunal Colectivo se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal Colectivo num determinado sentido'.
3.2. - Ora, pode ler-se no acórdão da Relação, na parte que interessa:
'No que respeita à nulidade do acórdão recorrido [refere-se ao da 1ª instância], por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, entendemos não se verificarem tais vícios, já que no acórdão recorrido se faz a enumeração dos factos provados, como dos não provados, bem como dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como se procede ainda à indicação e exame crítico das provas que formaram a convicção do Tribunal. Deste modo, procedeu-se em conformidade com o que dispõe o artigo 374º, nº 2, do CPP e 379º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal, não se violando igualmente o que dispõe o artigo
205º, nº 1, da CRP.' Ou seja, e por outras palavras, não se surpreende, no acórdão recorrido, a dimensão interpretativa invocada pelo recorrente para fundamentar a sua reacção: contrariamente à tese por si professada, aquele aresto não se bastou com uma simples enumeração e indicação de meios de prova que seriam convocados para conformar a convicção do Tribunal, prescindindo do respectivo exame crítico. Mas, sendo assim, não tendo a decisão recorrida interpretado e aplicado a norma do nº 2 do artigo 374º do CPP – e o bloco normativo envolvente –, com o sentido normativo arguido de inconstitucionalidade, torna-se evidente não ser possível conhecer do recurso por falta de um dos seus pressupostos processuais, o de ter aquela decisão aplicado efectivamente, como ratio decidendi, a dimensão normativa questionada. Na verdade, o recorrente manifesta a sua discordância quanto ao modo como se qualificaram os factos tidos como relevantes ou irrelevantes para a decisão da causa. No entanto, não nos encontrando perante um recurso de amparo, ou equivalente meio de sindicar a decisão em si, não tem o Tribunal Constitucional competência para controlar o juízo feito pelo tribunal recorrido quanto à verificação dos pressupostos de facto de aplicação da norma constante do nº 2 do citado artigo 374º.
4. - Em face do exposto, e tendo presente o disposto no nº 1 do artigo
78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto o recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 unidades de conta.'
2. - Notificado da decisão sumária, C... veio reclamar para a conferência – ao abrigo do nº 3 do artigo 78º-A citado – alegando que, contrariamente ao defendido naquela decisão sumária, cingida à falta do poder cognitivo do Tribunal Constitucional quanto ao juízo feito relativo à verificação dos pressupostos de facto da norma constante do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente suscitou uma questão de constitucionalidade, dessa norma e do nº 2 do artigo 410º do mesmo diploma, na interpretação que deles se fez no acórdão recorrido, a implicar a apreciação, em concreto, dos referidos preceitos na interpretação e aplicações feitas.
Sobre a reclamação apresentada apenas o Ministério Público se pronunciou, no sentido da sua falta de fundamento.
Não constitui objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade – observa – avaliar se certa decisão da 1ª instância procedeu ou não, em termos exactos e adequados, a um exame crítico das provas, cumprindo ao Tribunal Constitucional, apenas, sindicar do critério normativo seguido pelas instâncias para aferir da suficiência de fundamentação da decisão acerca da matéria de facto.
No caso dos autos, acrescenta-se, «é por demais evidente que tal critério normativo não é obviamente o especificado pelo recorrente, já que as instâncias procederam efectivamente a um exame crítico das provas, que seguramente não coincide com um mero 'arrolamento' de meios probatórios tidos por relevantes».
Cumpre decidir.
2. - Reitera-se, integralmente, a conclusão da decisão reclamada.
Na verdade, o que no requerimento de interposição se questiona foi a constitucionalidade da norma do nº 2 do artigo 374º do CPP (em si mesma considerada e conjugadamente com a norma do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código), interpretada no sentido de que a fundamentação se basta com a simples enumeração e indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal.
Ora, não foi esse o sentido com que a norma questionada foi aplicada.
Na verdade, o acórdão da 1ª instância, que o aresto recorrido confirmou, não se limitou a uma simples enumeração e indicação desses meios de prova, antes acrescentou alguns dados relativos aos mesmos. Se esse é o modo suficiente, ou não, de fundamentar a decisão é algo que está fora do objecto do recurso, tal como foi definido no respectivo requerimento de interposição. É que, isso já tem a ver com o conteúdo da apreciação crítica dessas mesmas provas, e esse ponto não está incluído na definição do objecto do recurso.
3. - Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, condenando-se o reclamante nas custas do processo, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta.
Lisboa, 18 de Abril de 2001- Alberto Tavares da Costa Messias Bento José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida