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Proc. nº 661/95
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. C... intentou acção emergente de contrato de trabalho contra Agência de Viagens e Turismo N..., Lda, tendo decaído em todas as instâncias.
Interpôs, a final, recurso do acórdão do STJ para o Tribunal Pleno com fundamento na oposição desse acórdão com outros que indicou, respeitantes a diversas questões de direito, nos termos do artigo 763º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Por decisão de 24 de Março de 1993, o Pleno declarou findo aquele recurso, por considerar que não se verificava a oposição de julgados invocada.
O recorrente veio, então, arguir diversas nulidades relativamente a esse Acórdão de 24 de Março. Pelo acórdão de 7 de Julho de 1993, o Pleno indeferiu essa pretensão.
2. Inconformado, o recorrente interpôs novo recurso para o Tribunal Pleno, alegando a existência de oposição entre, por um lado, os referidos acórdãos de 24 de Março e de 7 de Julho de 1993, e, por outro, o decidido no Acórdão do STJ de 30 de Junho de 1977, de que juntou fotocópia.
Arguiu ainda diversas nulidades daqueles acórdãos.
Nas motivações do recurso suscitou a questão da inconstitucionalidade da 'interpretação restritiva' dada nos acórdãos recorridos
às normas legais contidas nos artigos 668º, nº 3, 763º e 765º, nº 3, do CPC. Entendeu que aquela interpretação
revela-se materialmente inconsti-tucional por violar os direitos e princípios fundamentais contidos nos arts. 2º, 13º, 20º, nº 1, 205º, nº 2 a 207º da C.R.P. e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente os princípios da boa-fé e da igualdade de tratamento e oportunidades e o direito de recurso com vista ao aperfeiçoamento e uniformidade do direito.
3. Nas suas alegações, a recorrida entendeu não haver fundamento para o recurso.
O Ministério Público emitiu parecer também no sentido de se não verificar a oposição de julgados.
Pelo seu Acórdão de 25 de Outubro de 1995, o Tribunal Pleno considerou findo o recurso, por inexistência da apontada oposição de acórdãos e indeferiu o pedido de conhecimento de nulidades dos acórdãos recorridos.
Como aí se pode ler:
Por fim, e decisivamente, se decidiu no Acórdão recorrido que as situações de facto e as questões de direito não são idênticas. Esta decisão não é susceptível de nova apreciação, pois, como é evidente, não pode haver recurso de decisão do Supremo, a não ser em caso de ser possível Assento. E sobre esta matéria da não identidade das situações de direito e de facto não é susceptível, nos termos do art. 763, nº 1 C.P.Civ., recurso para o Pleno.
4. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade.
No requerimento de interposição deste recurso, indica o recorrente como normas cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciadas as seguintes:
a) a norma constante da cláusula 15ª da II parte da Convenção Colectiva de Trabalho publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 25, 1ª série, de 8/7/84, págs. 1436 e segs., na interpretação dada pelos acórdãos recorridos, segundo a qual o contrato cessou por caducidade depois que o serviço que foi objecto desse contrato terminou, por violação dos artigos 53º e 59º da Constituição;
b) a norma constante do artigo 38º da Lei do Contrato Individual de Trabalho, conjugada com o artigo 11º, nº
5, na interpretação dada nos acórdãos recorridos de que os créditos emergentes dos sucessivos contratos de trabalho prescreveram um ano após a sua cessação, incluindo o direito de preferência na admissão do trabalhador nos quadros da empresa, por violação dos artigos 53º e 59º, 2º, 13º, 20º, nº 1, 205º, nº 2 a
207º, da CRP, e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem;
c) finalmente, das normas contidas nos artigos 668º, nº 3, 763º e
765º, nº 3, do CPC, com a interpretação dada pelos acórdãos recorridos segundo a qual:
- só pode ser invocado um acórdão fundamento;
- no recurso para o Pleno, o STJ não pode conhecer nulidades;
- é necessário que exista identidade de situações de facto para que se possa dizer, em relação à mesma questão fundamental de direito, que as soluções adoptadas são opostas;
- a decisão que conheça da inexistência de oposição não é susceptível de nova apreciação,
por violação de normas de valor reforçado, constantes dos artigos 8º e 9º do Código Civil, e dos artigos 2º, 13º, 20º, nº 1, 205º, nº 2 a 207º da CRP e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
5. Admitido o recurso, foram apresentadas alegações por ambas as partes.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
6. Antes de mais, importa delimitar o objecto do presente recurso.
Constituem pressupostos do recurso de constitucionalidade, em sede de fiscalização concreta, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da LTC:
a) que a inconstitucionalidade da norma objecto de recurso haja sido previamente suscitada, durante o processo;
b) que tal norma tenha sido aplicada na decisão recorrida;
c) e que da decisão recorrida já não caiba recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já se haverem esgotados os que ao caso cabiam.
Ora, in casu, não se verifica a existência cumulativa de tais pressupostos, relativamente a algumas das normas indicadas.
7. Desde logo, quanto às normas constantes da cláusula 15ª do CCT indicado (ainda que se entendesse que esta devia ser entendida como norma, para efeitos de fiscalização da constitucionalidade), e quanto à do artigo 38º da LCT, conjugada com o artigo 11º, nº 5, do mesmo diploma, não foram estas efectivamente aplicadas pelos acórdãos recorridos. Com efeito, a decisão recorrida apenas se pronunciou sobre a existência ou não existência de conflito de jurisprudência entre as decisões invocadas, única questão colocada e de que poderia conhecer, pelo que não houve, nem poderia haver, qualquer aplicação daquelas normas, cuja eventual inconstitucionalidade, aliás, apenas foi suscitada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
Assim, manifestamente se não verifica um dos pressupostos necessários ao pretendido recurso de constitucionalidade no tocante a estas normas - ou seja, a sua efectiva aplicação pela decisão recorrida -, pelo que, em relação a elas, não há que conhecer da alegada questão de constitucionalidade.
8. E o mesmo se diga relativamente às normas constantes dos artigos
668º, nº 3, e 765º do CPC: apesar de o recorrente as referir, para efeitos de arguição da respectiva inconstitucionalidade, nas suas alegações de recurso para aquele Tribunal Pleno, o facto é que a decisão do STJ, ora recorrida, não fez qualquer aplicação, expressa ou implícita, das mesmas.
Nem naquela decisão se encontra qualquer interpretação de tais normas, ou sequer se vislumbra que tais normas servissem de fundamento implícito para a decisão nela tomada.
A norma do artigo 765º, de resto, apenas se refere à interposição e efeito do recurso, dispondo quanto ao formalismo processual do mesmo, nada relevando para a questão em apreço na decisão recorrida. De resto, ainda menos se compreende a delimitação da questão cuja apreciação se pretenderia submeter a este Tribunal, feita pelo requerente no requerimento de recurso para este Tribunal, ao nº 3 daquele preceito legal, o qual apenas prevê o prazo de cinco dias para apresentação de alegações pela parte recorrente, e respectiva resposta pela parte contrária, cominando-se ainda a deserção do recurso no caso de não apresentação das alegações.
Quanto à norma do artigo 668º, nº 3, que se refere à arguição de nulidades, igualmente não teve qualquer peso na decisão recorrida, até porque nesta se fez aplicação - e eventual interpretação - das normas dos artigos 732º e 716º, nº 2, do CPC, que não daquela outra, para decidir que não havia que conhecer das apontadas nulidades.
Assim se conclui, igualmente, pela falta do mesmo pressuposto para o pretendido recurso de constitucionalidade - a sua efectiva aplicação pela decisão recorrida - no tocante a estas normas, delas não havendo, portanto, que conhecer no presente recurso.
9. Resta, pois, a norma constante do artigo 763º, nº 1, do CPC.
Esta norma foi efectivamente aplicada pela decisão do Pleno do STJ, tendo a questão de constitucionalidade sido anteriormente suscitada nas alegações do recorrente. Embora no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente tenha indicado a norma do artigo 763º, 'tout court', ou seja, sem delimitação, o facto é que apenas aquele nº 1 dessa disposição foi efectivamente aplicado, não havendo que conhecer dos restantes.
Dispõe esta norma que:
Se, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas, pode recorrer-se para o tribunal pleno do acórdão proferido em último lugar.
O recorrente, nas suas alegações, entende que a interpretação dada a esta norma pelo acórdão recorrido, no sentido de: ser unicamente admissível recurso para o Pleno do STJ por oposição de julgados apenas entre Acórdãos que tenham decidido a mesma questão fundamental de direito por forma oposta e desde que as situações de facto sejam idênticas, para além de apenas poder ser invocável um e um só Acórdão fundamento
é inconstitucional, por violação dos direitos fundamentais contidos nos artigos 13º, 20º, nº 1, 207º da CRP e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
nomeadamente o direito de recurso, que incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais.
10. Contudo, a decisão recorrida, ou seja, o úitimo dos acórdãos do Pleno, apenas extraiu duas consequências da norma do artigo 763º, nº
1, do CPC: a de que no recurso para o Pleno não se pode conhecer de nulidades; e a de que a decisão que conheça da inexistência de oposição não é susceptível de nova apreciação. Só, pois, nestas duas dimensões aplicou aquela norma.
As restantes dimensões ou aspectos indicados pelo recorrente - isto
é, a obrigatória identidade das situações de facto e a invocação de um único acórdão fundamento - não foram decididos pelo acórdão recorrido, mas tão-só pelo anterior acórdão do Pleno (de 24 de Março de 1993).
Como se pode ler no acórdão recorrido:
Por fim, e decisivamente, se decidiu no Acórdão recorrido que as situações de facto e as questões de direito não são idênticas. Esta decisão não
é susceptível de nova apreciação, pois, como é evidente, não pode haver recurso de decisão do Supremo, a não ser em caso de ser possível Assento. E sobre esta matéria da não identidade das situações de direito e de facto não é susceptível, nos termos do art. 763, nº 1 C.P.Civ., recurso para o Pleno.
Quanto a esta interpretação seguida pelo Acórdão, efectivamente impugnada pelo recorrente, no tocante à sua inconstitucionalidade, no requerimento de interposição de recurso, a verdade, porém, é que foi por ele abandonada nas suas alegações de recurso, com todas as consequências daí advenientes (cfr. artigo 684º, nº 3, do CPC).
Nas referidas alegações, o recorrente remete-se antes para questões que não estão em causa neste recurso, por se referirem a dimensões da norma impugnada que não foram objecto de aplicação pela decisão a quo.
11. Quanto à alegada questão de não conhecimento das nulidades, também aqui o recorrente se reporta, nas suas alegações, à norma aplicada nos Acórdãos do Pleno proferidos no âmbito do anterior recurso, e não à norma aplicada no acórdão ora efectivamente sob recurso, e que é tão só o de 25 de Outubro de 1995. E, neste, não houve, sequer, aplicação da norma indicada pelo recorrente - o artigo 668º, nº 3 do CPC.
Lê-se, com efeito, no acórdão recorrido:
O regime das nulidades do Acórdão do Supremo vem referido no art. 732 C.P.Civ, o qual manda aplicar o disposto no art. 716. No nº 2 daquele art. 716 se diz que as nulidades arguidas são decididas em Conferência, só depois sendo possível o recurso. Ora, dos Acórdãos do Supremo não há recurso, a não ser nos casos em que é admissivel o Assento (art. 673). Assim, terá que se entender que da Conferência que decida das nulidades do Acórdão do Supremo, não há recurso.
Quanto a estas normas, contidas nos artigos 716º e 732º do CPC, nada refere o recorrente nas suas alegações, nem, quanto a elas, levantou anteriormente qualquer questão de constitucionalidade.
III - DECISÃO
12. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta. Lisboa, 5 de Fevereiro de 1997 Luis Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa