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Processo nº 320/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. LC, com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Secção Social), de 6 de Abril de 2000, que negou provimento ao recurso de revista por ela interposto, 'ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artº 70 da Lei
28/82, na redacção da Lei 13-A/98', dizendo no respectivo requerimento que
'suscitou durante o processo verificar-se uma interpretação que tem por inconstitucional do artº 4. Al. b) da LCCT aprovada pelo Dec. Lei 64-A/89 de 27 de Fevereiro', com violação dos 'artºs 2º, 13º, 18, nº 2 e 53 da CRP'.
2. Os autos revelam a sequência processual que passa desde já a descrever-se:
2.1. LC intentou acção ordinária contra a Sociedade Q, Ldª, que, com fundamento em que a ora Recorrente fora considerada incapaz para o exercício das suas funções habituais pela Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais
(CNSDP) e não existindo na empresa qualquer outra função que lhe pudesse ser atribuída, lhe comunicou a caducidade do contrato de trabalho, nos termos da alínea b) do artigo 4º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante, LCCT). Na referida acção entendeu a então Autora não haver lugar à caducidade do contrato de trabalho, uma vez que, tendo sido considerada afectada de incapacidade permanente absoluta (IPA) para o trabalho habitual, tal motivo só por si não constitui causa para a referida caducidade, uma vez que ainda lhe sobra alguma percentagem de capacidade para outro trabalho e apenas na IPA para todo o trabalho se verificam os requisitos da caducidade. Por isso, a invocação de caducidade do contrato de trabalho constitui uma comunicação de despedimento sem precedência de processo disciplinar e sem justa causa, pelo que o despedimento seria ilícito, dando lugar ao ressarcimento dos correspondentes danos. Invocou também factos culposos para a empresa (mantê-la inactiva num gabinete, retirando-lhe o exercício de todas e quaisquer funções), que conduziriam a indemnização por danos não patrimoniais. Contestou a Ré, dizendo basicamente que, tendo a trabalhadora sido dada como incapacitada para o seu trabalho habitual, não fora possível encontrar na empresa outras funções compatíveis com a sua situação, uma vez que, também nas procuradas para alternativa, sempre aquela se mostrou incapacitada. Contestou ainda a invocada existência de culpa na sua actuação e consequente pedido de indemnização.
2.2. No julgamento efectuado em 1ª instância deu-se como provado não haver efectivamente na empresa lugar para a trabalhadora, afirmando-se que 'em termos concretos, e de forma muito sintética, pode dizer-se que há uma confluência de impossibilidades, por parte da A. em prestar a sua actividade, por parte da Ré em lhe receber a sua prestação. A impossibilidade é superveniente porque surge na vigência do contrato de trabalho. É absoluta porque os espaços de laboração contêm poeiras a que a A. reage alergicamente, não tendo a Ré outra actividade a dar à A. e que esta possa executar, e definitiva porque decorridos três anos sobre a comunicação da CNSDP, não houve solução para a A. (...) A indemnização ser-lhe-ia devida se não se tivesse verificado a previsão do art. 4 al. b) do DL
64-A/89, de 27.02. A Ré fez caducar o contrato de trabalho, após tentativas várias de solucionar a situação da A.'. Quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais, considerou a sentença da 1ª instância não haver lugar a ela, dado não se mostrar haver por parte da empresa o propósito de causar sofrimento à trabalhadora ao colocá-la inactiva, perante alternativa possível de colocação. Dando como não provada tal intenção, e, portanto, considerando não haver o factor culpa, julgou não haver lugar a indemnização por danos morais.
2.3. Inconformada com a decisão, recorreu a LC para o tribunal de relação, que confirmou, na íntegra, a decisão da 1ª instância.
2.4. Mais uma vez inconformada, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça
(STJ) invocando agora a inconstitucionalidade da norma contida na referida alínea b) do artigo 4º da LCCT e, entre outros preceitos, a violação pelo acórdão recorrido dos artigos 483º e 496º do Código Civil que, como se sabe, dispõem, respectivamente, sobre o princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos e a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, sem que, no entanto, nas alegações para aquele Supremo Tribunal ou em outra qualquer peça processual tivesse aí suscitado a questão da (in)constitucionalidade destas normas. Para fundamentar a inconstitucionalidade daquele 1º preceito alegou que o acórdão recorrido da segunda instância assimilou a incapacidade permanente total para todo e qualquer trabalho à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e que só a incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho é susceptível de gerar caducidade do contrato de trabalho e conduzir à cessação deste, nos termos do citado alínea b) do artigo 4º da LCCT. Assim, uma interpretação lata desta disposição legal (que, segundo a recorrente o acórdão do tribunal de relação teria feito, desse modo aplicando-a ao caso) que permita abranger os casos em que subsiste uma parcela de capacidade do trabalhador para o trabalho, não pode deixar de ter-se por inconstitucional visto que viola o princípio da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa. Assim sendo, aquela norma tem de ser interpretada restritivamente deixando de fora todos os casos em que subsiste uma parte de capacidade, de maneira de harmonizar-se com aquele princípio constitucional. O STJ, depois de referir que o 'cerne da questão consiste em saber se perante a matéria de facto fixada se encontra juridicamente correcto o seu enquadramento na al. b) do art. 4 da LCCT e se este enquadramento não colide com o estatuído no art. 53 da CRP' e depois ainda de efectuar uma resenha histórica da legislação que dispôs sobre as relações de emprego antes da entrada em vigor daquele preceito legal e sobre o princípio da segurança no emprego, acaba por concluir que a aplicação ao caso vertente do estatuído na alínea b) do artigo 4º se mostra correcto, pois que nas instalações da Ré só existiam zonas de trabalho em condições que não permitiam à trabalhadora exercer o seu trabalho devido à sua incapacidade permanente e não outras onde o pudesse exercer sem problemas. Acrescenta ainda o acórdão recorrido que a tal 'não se opõe o disposto na cláusula 87, nº 3, do CCTV, aplicável à relação laboral estabelecida entre as partes e que estipula que em caso de incapacidade permanente, total ou parcial, resultante de doença profissional, a entidade patronal está obrigada a assegurar ao trabalhador um trabalho dentro da empresa que seja compatível com a sua aptidão física'. E, transcrevendo o parecer do Ministério Público junto daquele Supremo Tribunal, concluiu que a referida cláusula pressupõe necessariamente que exista dentro da empresa um trabalho que seja compatível com a aptidão física do trabalhador, situação que, no caso concreto, não ficou demonstrado, antes tendo ficado provado o contrário.
3. Mais uma vez inconformada com esta decisão, dela interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional. Aqui foi a recorrente convidada a suprir as deficiências do requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 75º-A, nºs 1 e 2 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, designadamente a indicar qual a interpretação com que teria sido aplicada a norma do artigo 4º, alínea b) da LCCT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de
27 de Fevereiro. Depois de ter dado cumprimento ao estatuído no referido artigo 75º-A (dizendo que 'a interpretação que no acórdão do Tribunal da Relação se fez ao disposto no art° 4° al. b) da LCCT aprovada pelo Dec.-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e que veio a ser corroborada pelo acórdão do STJ ora recorrido, deve ter-se por inconstitucional, por permitir que aquela disposição abranja casos em que subsiste uma parcela de capacidade do trabalhador para o trabalho, precisamente a parcela que não está compreendida na incapacidade absoluta para o trabalho habitual' e que 'tal entendimento viola o principio da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa do art° 53° da CR, pois que nesse caso a cessação do contrato de trabalho se não pode reconduzir a uma causa objectiva da cessação do contrato, a caducidade'), veio apresentar alegações, tendo concluído da seguinte maneira:
'1. A trabalhadora aqui recorrente padece de incapacidade absoluta para o trabalho habitual por virtude de doença profissional, declarada pela Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais por comunicação de 5.11.93, a qual não se confunde com a incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho.
2. Com efeito na incapacidade absoluta para o trabalho habitual a trabalhadora continua a dispôr de uma parcela de capacidade, maior ou menor, de 10, 20, 30 ou
40%, que pode aplicar no exercício de toda uma gama variada de actividades, que não sejam o seu trabalho habitual.
3. E só na incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho o trabalhador não dispõe de qualquer parcela de capacidade para o trabalho, por ínfima que seja, o seu grau de capacidade é zero, por isso.
4. Assim sendo, só esta se pode considerar compreendida na impossibilidade absoluta e definitiva para o trabalho, de que fala a al. b) do artº 4º da LCCT, só esta pode constituir, pois, causa de caducidade do contrato de trabalho.
5. O que não sucedeu com a recorrente, a qual dispõe, como se disse de uma parcela de capacidade, não sabemos de que grau, a qual pode ser aplicada a um sem número de actividades salvo as habituais, a qual por isso não se pode dizer que se encontra afectada de impossibilidade absoluta e definitiva de prestar trabalho.
6. Por outro lado, sendo a regra em matéria de contrato de trabalho a segurança no emprego e a proibição sem justa causa, enunciada no artº 53 da CR, a norma da al. b) do artº 4º da LCCT não pode interpretar-se com uma latitude tal que permita considerar caducidade uma mera incapacidade absoluta para o trabalho habitual, uma vez que nesta, como se disse, a trabalhadora ainda dispõe de uma parcela de capacidade.
7. Essa interpretação, que é a do acórdão recorrido, colide frontalmente com o princípio geral da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa, uma vez que permite a cessação do contrato de trabalho por iniciativa da entidade empregadora, sem uma base objectiva em que se assente, pelo que não pode deixar de se haver como inconstitucional.
8. Por outro lado a negação à recorrente pelo acórdão recorrido da indemnização pelos graves danos não patrimoniais provados que ela sofreu por facto ilícito da entidade empregadora, representa flagrante e grave violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de Direito que decorre dos artºs 2 e 18 nº. 2, da CR .
9. A negação do direito à indemnização dos danos não patrimoniais redunda assim numa interpretação inconstitucional dos artºs 483 e 496 do CCivil, e representa uma violação gravíssima de princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico, nomeadamente os princípios constitucionais referidos. Confiadamente esperamos que v. Exas não deixarão de dar provimento ao recurso e julguem inconstitucional a interpretação que no acórdão recorrido se fez da norma da al. b) do artº 4 da LCCT aprovada pelo Dec. Lei 64-A/89 na medida em que julgou verificada a caducidade do contrato de trabalho, e bem assim julguem como inconstitucional a interpretação que o mesmo acórdão fez dos artºs 483 e
496 do CCivil, negando à trabalhadora a indemnização de graves danos não patrimoniais que comprovadamente sofreu. Assim julgando V. Exªs, no nosso entender, repararão uma gravíssima violação do próprio Estado de Direito democrático, e reporão aquilo por que todos lutamos e que é apenas e tão só, sem adjectivos, a JUSTIÇA!'
4. A Sociedade recorrida também apresentou alegações, concluindo deste modo:
'1. As decisões proferidas foram correctas juridicamente;
2. Não houve violação de qualquer preceito legal;
3. Nomeadamente da Constituição da República;
4. As incapacidades absolutas para o trabalho habitual ou para todo e qualquer trabalho nada têm a ver com o artº 4º alínea b) do DL nº 64-A/89 de 27 de Fevereiro;
5. Tudo depende da incapacidade do trabalhador para prestar o seu trabalho, e;
6. De a empresa o receber, tendo funções compatíveis para lhe atribuir;
7. Não foi o caso dos autos por impossibilidade de a entidade patronal poder receber o trabalhador;
8. A alínea b) do artº 4º do DL nº 64-A/89, não é inconstitucional;
9. Não houve violação dos princípios de justiça e de proporcionalidade que a Recorrente diz decorrerem dos artºs 2º e 18º nº 2 da Constituição da República;
10. Nem houve uma interpretação inconstitucional dos artºs 483º e 496º do Código Civil'.
5. Tudo visto, cumpre decidir. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Entre outros requisitos, a admissibilidade deste tipo de recurso exige que a questão de constitucionalidade seja suscitada durante o processo, significando esta expressão que o interessado tem de suscitar antes de proferida a decisão final da qual recorre. Visando os recursos de constitucionalidade a apreciação de questões já decididas e não a apreciação, por parte do Tribunal Constitucional, de questões novas, hão-de essas questões ser colocadas a tempo de o tribunal recorrido as poder decidir (artigo 72º, nº 2, da Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº
13-A/98, de 26 de Fevereiro). Por isso, o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade e muito menos as alegações apresentadas no Tribunal Constitucional não constituem meios idóneos e atempados para as suscitar. Só em casos de todo excepcionais e insólitos em que o interessado é confrontado com a aplicação de uma norma pela decisão recorrida, ainda estará a tempo de suscitar tais questões. Mas esses casos excepcionais e insólitos traduzem-se na impossibilidade de o interessado não ter podido contar com a aplicação da norma por ser de todo em todo imprevisível a sua aplicação e já não quando era razoável admitir que a decisão recorrida a iria aplicar (cfr. entre outros, os acórdãos nºs 569/95 e
596/96, publicados, respectivamente no Diário da República, II Série, de 13 de Março de 1996 e de 6 de Julho de 1996). Ora, como se transcreveu, a recorrente nunca suscitou a questão de constitucionalidade dos artigos 483º e 496º do Código Civil até às alegações para o Supremo Tribunal de Justiça, momento último em que ainda lhe seria permitido fazê-lo. Nesta peça, limitou-se a referir que o acórdão recorrido (do tribunal de relação) tinha violado os artigos 483º e 496º, sem contudo suscitar uma questão de inconstitucionalidade, sendo previsível que tais preceitos iriam ser alvo de apreciação por parte do Supremo Tribunal de Justiça. E, na verdade, este Supremo Tribunal debruçou-se sobre os referidos preceitos para dizer que não tinham sido violados pela decisão recorrida, mas não se pronunciou, nem tinha que se pronunciar, sobre a questão da sua
(in)constitucionalidade. Ora, a recorrente apenas nas alegações para este Tribunal suscitou essa questão, numa altura já manifestamente tardia. Por isso, fica de fora o conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada relativamente aos referidos preceitos do Código Civil. Por outro lado, como também é jurisprudência corrente do Tribunal Constitucional, objecto da fiscalização de constitucionalidade são normas e não as decisões judiciais, razão por que a invocação da 'violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de Direito que decorre dos artigos 2º e 18º, nº 2 da CR', pelo acórdão recorrido ao negar à recorrente a indemnização por danos não patrimoniais, não pode ser conhecida (isto é: não pode tomar-se conhecimento de tal questão), sendo certo que nenhuma violação destes preceitos foi suscitada perante o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. acórdãos nºs 181/99 e 674/99, entre outros, publicados respectivamente, no Diário da República, II Série de 28 de Julho de 1999 e 25 de Fevereiro de 2000).
6. No que toca, porém, à questão de (in)constitucionalidade da norma contida na alínea b) do artigo 4º da LCCT, foi ela suscitada pela recorrente em tempo, sendo certo que o Supremo tribunal de Justiça da mesma conheceu e aplicou. Por isso, tem de conhecer-se do fundo, quanto àquela questão. Ora, a questão de inconstitucionalidade tanto pode respeitar a norma, como, também, a interpretação ou sentido com que ela foi aplicada na decisão recorrida, e é exactamente a interpretação que, segundo a recorrente, teria sido dada à norma, que ela põe em causa. Tal norma deve ter-se por inconstitucional, conforme afirma na resposta ao convite lhe foi feito para esclarecer o sentido ou interpretação com que ela foi aplicada, por permitir, na versão do acórdão recorrido, que abranja casos em que subsiste uma parcela de capacidade do trabalhador para o trabalho, precisamente a parcela que não está compreendida na incapacidade absoluta para o trabalho habitual. Segundo a recorrente, como se viu, tal interpretação viola o princípio da segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa. Vejamos: Ao estabelecer as causas da caducidade de contrato de trabalho, dispõe o artigo
4º, alínea b) da LCCT que:
'O contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito, nomeadamente: a)... b) Verificando-se impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber; c)...' Por sua vez, o artigo 53º da Constituição da República Portuguesa estabelece que:
'É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos' Entre as formas de extinção do contrato de trabalho está, como se viu, a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber, razões que levaram a decisão recorrida a considerar válida a caducidade do contrato em causa por parte da entidade empregadora. Segundo Abílio Neto (Despedimentos e Contratação a Termo, Notas e Comentários,
1989, pág. 24), a impossibilidade 'será absoluta, quando seja total, isto é, quando o trabalhador ou a entidade empregadora não estejam em condições de, respectivamente, prestar ou receber sequer parte do trabalho; será definitiva, quando, face a uma evolução normal e previsível, nunca mais seja viável a prestação ou o recebimento do trabalho'. Por sua vez, escrevem Morais Antunes/Ribeiro Guerra (Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, pág. 48) que: 'Relativamente às incapacidades permanentes entendemos que a incapacidade permanente parcial e a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual não determinam, igualmente, a caducidade do contrato uma vez que a impossibilidade não tem carácter absoluto (...) desde que, nas situações de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, se verifique a integração do trabalhador em actividade compatível com a sua capacidade residual'. Por outro lado, no que toca ao carácter definitivo da impossibilidade, 'devem considerar-se como casos de impossibilidade definitiva aqueles em que se comprove que a impossibilidade vai durar tanto tempo que não será exigível à empresa aguardar futura e sempre incerta viabilização das relações contratuais. Será o caso, por exemplo, de um trabalhador condenado a longo tempo de prisão ou que se encontra doente há vários anos' (Bernardo Lobo Xavier A Extinção do Contrato de Trabalho, Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXI – nºs 3 e 4, pág. 416).
É ainda Jorge Leite (Direito do Trabalho, da Cessação do Contrato de Trabalho, Notas de acordo com as lições ao Ciclo Complementar da Faculdade de Direito de Coimbra, 1978, pág. 100) que afirma: '(...) a verificação de certas situações objectivas da impossibilidade de prestar trabalho ou de o receber constitui uma causa própria de dissolução do vínculo contratual (a caducidade). Trata-se de uma causa independente da vontade do empregador e da do trabalhador, isto é, de uma causa alheia a qualquer vontade jurídico-extintiva da relação de trabalho. Ora, quer no domínio do Direito Civil quer no domínio do Direito do Trabalho, tais situações são, por via de regra, subsumíveis às noções de caso fortuito e caso de força maior, pelo que se torna necessário recordar os traços fundamentais destas figuras. Como se sabe, dos vários critérios que têm sido apresentados para a distinção entre as duas figuras, o mais divulgado faz assentar aquela distinção na inevitibilidade no caso de força maior e na imprevisibilidade no caso fortuito. Seria caso de força maior aquele que, podendo embora prevenir-se, não poderia ser evitado, nem em si mesmo nem nas suas consequências. Caso fortuito seria o que não foi previsível, mas era evitável se tivesse sido previsto. De acordo com este critério é irrelevante para esta distinção tratar-se de acontecimentos naturais ou de acções humanas. Dado que os efeitos sobre o contrato são os mesmos quer se trate de casos imprevisíveis ou apenas inevitáveis, passaremos a referir somente os casos de força maior em sentido amplo. CAMERLYNCK enumera os seguintes requisitos que, cumulativamente, devem verificar-se no facto invocado como caso de força maior: O facto deve ser imprevisível, inevitável e deve constituir uma impossibilidade absoluta de execução. O requisito da imprevisibilidade absoluta de execução não tem qualquer relevo para efeitos de caducidade do contrato de trabalho. Necessário é apenas que o facto invocado seja inevitável em si e nas suas consequências e, portanto, independente de qualquer falta da pessoa em cuja esfera se produz e torna impossível a prestação de trabalho ou receber o trabalho. O contrato caduca, e só caduca, se se verificarem estas duas condições'. Acresce ainda que a natureza do facto produtor dos efeitos extintivos no contrato, conexionada com a especialidade e características próprias do trabalho desempenhado determina a aptidão para comprometer a subsistência da relação de trabalho (Morais Antunes/Ribeiro Guerra, loc. cit., pág. 31). Ora, está provado nos autos que a recorrente foi dada como incapaz, com IPA, para o seu trabalho habitual, restando-lhe ainda alguma percentagem de capacidade que, porventura, poderia utilizar num outro serviço onde as condições não se revelassem também impeditivas de a exercer. Porém, como também está provado nos autos (bem ou mal, não compete a este Tribunal pronunciar-se), a entidade patronal estava impossibilitada de receber o seu trabalho por não dispor, na empresa, de qualquer outra actividade em que a trabalhadora não manifestasse idênticos problemas de saúde. E provou-se, ainda, que, entre o momento em que foi conhecida a comunicação da CNSDP – final de 1993 – e a data em que a empresa pretendeu fazer cessar o contrato – Março de 1997 – esta tentou procurar solução para a situação de doença da empregada, sem que, contudo, lograsse o seu intento por manifesta incapacidade da mesma. Como refere a decisão recorrida, o facto de a impossibilidade se tornar absoluta e definitiva no que respeita à trabalhadora, é uma consequência em conjugação de dois factores: o de a trabalhadora estar incapacitada para o seu trabalho habitual e não existir na empresa outro trabalho alternativo. Por um lado, a trabalhadora não podia prestar o seu trabalho habitual por sofrer de alergia aos produtos com que trabalhava e, por outro, a entidade empregadora não podia receber sequer parte do seu trabalho por não ter actividade onde a ocupar sem que se verificassem os mesmos problemas. E, à luz de uma evolução normal e previsível, não era viável a prestação nem o recebimento futuro do seu trabalho, não só pelas referidas razões, mas também porque a trabalhadora já se encontrava há 3 anos doente, não se prevendo que o seu estado de saúde se alterasse face às mesmas condições de serviço, nem por haver uma actividade compatível com a sua incapacidade residual uma vez que, na empresa, apenas existiam 2 zonas onde a não podia exercitar: zona fabril e armazém de matérias primas. Trata-se de uma causa alheia à vontade das partes, inevitável em si e independente de qualquer falta não só da trabalhadora, mas também da entidade empregadora. O facto da empresa lidar com produtos que desencadeiam alergias na ora recorrente e o facto de não dispor de uma actividade em que idêntico problema se não coloque constituem condições objectivas que comprometem a subsistência da relação laboral. Ora, como este Tribunal já afirmou, através da proibição de despedimento sem justa causa, a Constituição não quis afastar as hipóteses de desvinculação do trabalhador naquelas situações em que a relação de trabalho não tem viabilidade de subsistência e que não são imputáveis à livre vontade do empregador. Como se diz no acórdão nº 64/91, Diário da República, I Série-A, de 11 de Abril de 1991, 'deve entender-se que, ao lado da ‘justa causa’ (disciplinar), a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral' (cfr., também acórdão nº 252/92, Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1992). Ora, a subsistência do vínculo laboral está, no presente caso, irremediavelmente comprometida por razões que não se prendem com a vontade das partes. Não se pode exigir que a empresa aguarde por uma oportunidade de criação de uma outra actividade para atribuir à trabalhadora, uma vez que, além de incerta essa oportunidade, não se vê que o seu estado de saúde se altere. Por isso, tal como foi entendida pelas instâncias, a rescisão unilateral do contrato em causa, nos termos do artigo 4º, alínea b), da LCCT, com a interpretação que no acórdão recorrido lhe foi dado, e com o condicionalismo do caso, não envolve violação do princípio da segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa. Com o que não pode proceder o presente recurso.
7. Termos em que, DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 14 de Março de 2001 Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida