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Proc. nº 105/01 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – C & Filhos, identificada nos autos, reclama do despacho que não lhe admitiu o recurso de acórdão do Tribunal Central Administrativo, interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea a) da Lei nº 28/82.
A concluir a sua reclamação, diz a reclamante o seguinte:
'O referido e implícito entendimento das normas que fixam a competência dos tribunais tributários (ou seja, dos artigos 3º e 4º do ETAF) e que especificam os meios processuais disponíveis (no caso do artº 147º nº 6 CPPT), no que respeita designadamente à (in)competência do Tribunal e à (im)propriedade do meio utilizado (absoluta, e não relativa): a) ... deixa o particular judicialmente indefeso face à Administração
(implicando por isso a desconformidade de tais normas legais com os preceitos constitucionais que consagram o 'Direito Fundamental de acesso aos Tribunais consagrado no nº 1 do artigo 20º e nº 4 do artigo 268º ambos da Constituição' – artº 45º da Petição Cautelar, in fine); b) ...e acaba por caucionar, do mesmo passo, uma violação do 'Princípio da Separação de Poderes consagrado na Constituição (Cfr. artº 45º da Petição Cautelar – violação essa que só a jurisdicionalização da execução fiscal pode evitar ou sancionar, sendo certo que no caso sub judice tal jurisdicionalização passa – naturalmente – pela assunção pelos Tribunais Tributários da sua competência fiscalizadora, nomeadamente quando para tanto sejam instados através de qualquer um dos meios processuais privativos desta ordem jurisdicional)
Por preocupações de síntese inerentes às exigências próprias do meio cautelar utilizado, não transitou do texto das alegações de recurso jurisdicional (das pag. 15 e 19) para as respectivas conclusões (pag. 24 a 26) a explícita menção das normas constitucionais (artº 20º e 268.4 CRP) postas em causa pela interpretação implícita dos artºs 33º e 4º do ETAF e do artº 147.6 CPPT ora contestada.
Todavia, não só é jurisprudência desse Tribunal que basta ao recorrente suscitar a inconstitucionalidade da norma em causa também perante o Tribunal de recurso, designadamente nas respectivas alegações (cfr. Ac. TC 36/91, 178/91, 368/91 e
469/91) – requisito preenchido pelo Recorrente – como nas referidas conclusões se volta a relevar esta questão da competência dos tribunais a quo, e designadamente A) da (forte probabilidade da ) existência de um direito ou interesse legalmente protegido merecedor de tutela jurisdicional (artº 268.4 CRP) – C. I; B) e do facto de serem 'hoje' (designadamente desde a revisão constitucional de
1989) os tribunais tributários os tribunais competentes para sancionar ou evitar a ilegalidade consubstanciada por tal lesão – C.II e C.IX.
Finalmente, e por cautela, sublinhe-se que 'a questão de inconstitucionalidade pode reportar-se apenas a ... uma certa interpretação da mesma' – pelo que
'afirmar que uma norma, na interpretação que (explícita ou implicitamente) lhe foi dada por qualquer tribunal afronta a lei fundamental, vale como arguição de inconstitucionalidade e é, assim, fundamento de recurso (Ac. TC 31/88)
(Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, 'Breviário de Direito Processual Constitucional', Coimbra 1997, pag. 40).
Em síntese: Diferentemente do que é afirmado no douto despacho recorrido, nos artºs 44º a
49º da PC contesta-se uma implícita interpretação dos artºs 3º e 4º do ETAF e do artº 147.6 CPPT adoptada pelo Tribunal a quo quer quanto à sua competência para conhecer da petição cautelar, quer quanto à admissibilidade do meio processual utilizado, por contrariar tal entendimento o princípio constitucional da separação de poderes e as normas que consagram o direito dos particulares a uma tutela jurisdicional efectiva (artº 20.5 e 268.4 CRP)
Pelo que, e na medida em que o recorrido acórdão do TCA, ao sustentar a impropriedade do meio processual escolhido, e ao declinar a sua competência para conhecer o pedido de decretamento de providência cautelar oportunamente apresentado pela reclamante procedeu, ainda que implicitamente, a uma interpretação restritiva dos artºs 3º e 4º do ETAF e do artº 147.6 CPPT desconforme aos artºs 20.5 e 268.4 da Constituição, deverá o douto despacho reclamado ser revogado e, em sua vez, proferida decisão a admitir o recurso da reclamante do douto acórdão recorrido para esse Alto Tribunal'
Sobre a reclamação pronunciou-se o Ministério Público no sentido do seu indeferimento.
2 - O presente recurso foi, como se disse, interposto ao abrigo do artigo 70º nº
1 alínea a) da Lei nº 28/82, pretendendo a recorrente a apreciação da
'inconstitucionalidade da interpretação restritiva implicitamente adoptada pela douta sentença recorrida das normas dos artºs 3º e 4º do ETAF (que delimitam a jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e ainda do artº 145º e do nº
6 do artº 147º do CPPT (...)'
O despacho ora reclamado não admitiu o recurso porque o acórdão recorrido 'não recusou a aplicação de nenhuma norma com fundamento em inconstitucionalidade
(...) nem aplicou nenhuma norma assacada de inconstitucionalidade'.
Cumpre decidir.
3 - Nos termos do citado artigo 70º nº 1 alínea a) da Lei nº 28/82, é requisito do recurso a recusa de aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Diferentemente do que sucede nos casos dos recursos interpostos ao abrigo das alíneas b) e f) do mesmo artigo 70º nº 1, no caso do recurso interposto não é exigível que o recorrente tenha suscitado a questão de constitucionalidade durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigo
72º nº 2 da Lei nº 28/82).
É, por isso, irrelevante tudo o que a recorrente alega quanto à suscitação da questão de inconstitucionalidade das normas (ou de uma sua interpretação) que pretendia ver apreciadas por este Tribunal, como irrelevante é ainda o que no despacho reclamado se afirma quanto a este aspecto.
O que importa é, tão só, verificar se o tribunal 'a quo' não aplicou as citadas normas e essa não aplicação se fundou em desconformidade com os preceitos constitucionais.
Ora, é patente que, em parte alguma, o acórdão recorrido assim tenha procedido.
Não se vislumbra, com efeito, um único trecho da decisão impugnada em que, implícita ou explicitamente, se tenha feito apelo a norma ou princípio constitucional para afastar a aplicação das normas em causa.
Na verdade o indeferimento liminar da providência cautelar requerida (onde a reclamante pedia que a Administração Fiscal se abstivesse de efectuar qualquer penhora sobre o fundo de maneio da empresa e, ou, sobre os direitos de crédito que detinha sobre os seus clientes) decidida em 1ª instância e confirmada no acórdão recorrido, assentou na manifesta improcedência da pretensão, pelas seguintes ordens de razões:
- É direito do credor fazer-se pagar pelos bens da empresa devedora, nestes se incluindo o respectivo fundo de maneio;
- Com esta acção não há nenhum direito do devedor a acautelar, só podendo prevalecer, e em determinadas condições, o direito de recuperar a empresa no processo de recuperação de empresas;
- Nos termos do artigo 29º nº 1 do CPEREF, pode o juiz no referido processo decidir o prosseguimento da acção, ficando suspensas as instâncias executivas instauradas nos termos previstos no nº 2 daquele mesmo artigo;
- Requerer a intimação da Fazenda Pública para se abster de condutas que traduzem o direito à penhora do património do devedor não tem fundamento e é requerer contra disposição de lei expressa (artigo 601º do Código Civil):
- A suspensão da instância executiva fiscal atingiu o seu termo na sequência de um despacho transitado de 1/2/2000, proferido no processo de medida recuperatória nº 447/97 – 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de S. João da Madeira, que declarou a cessação da medida de gestão controlada, nada existindo assim que constitua acto judicial adequado á suspensão da instância executiva fiscal e não sendo através de meios cautelares, como o presente, que se poderá atingir tal desiderato.
É deste modo insofismável que o mérito do recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo não foi decidido com base no afastamento dos artigos 3º e
4º do ETAF, 144º e 147º nº 6 do Código de Processo Tributário por hipotética desconformidade daquelas normas com a Constituição.
E mesmo que na decisão se surpreendesse – por mera hipótese de raciocínio - uma suposta interpretação restritiva das referidas normas, o que não suscita dúvidas
é que ela não teria resultado da recusa, expressa ou implícita, de uma outra interpretação (a propugnada pela reclamante no sentido do reconhecimento da competência dos tribunais tributários da propriedade do meio processual utilizado) com fundamento na sua inconstitucionalidade
Não merece, pois, censura o despacho de não admissão do recurso.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 27 de Março de 2001 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa