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Processo n.º 416-B/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1.Nos presentes autos, A., deduziu incidente de suspeição contra o Juiz Conselheiro Relator, no Tribunal Constitucional, do processo principal (n.º 416/10), Joaquim de Sousa Ribeiro, ao abrigo do artigo 127.º, n.º 1, alínea c), d) e g) e n.º 2, do Código Processo Civil (CPC), o que fez nos termos seguintes:
“1°. Antes de mais é óbvio que o Senhor Dr. Juiz Relator não podia aquilatar (e dissemos bem - aquilatar -, pois para julgar estava completamente impossibilitado como V. Exª. o deverá saber...), da questão, porquanto já havia decidido, nos mesmos autos, quanto ao recorrente, defendendo as posições de um Juiz / MP que foram, sucessiva e diversamente, assistentes, arguidos, testemunhas, acusadores, etc. etc., (al. c) do n°. 1 e n°. 2 do art°. 127°. do C.P.C.).
2°. A isto acresce, também obviamente, que tendo o Senhor Dr. Juiz Sousa Ribeiro assinado o Ac. n°. 473/2007 da 2ª. Secção deste Tribunal, que fez improceder as razões do recorrente, não podia agora debruçar-se, em sede jurisdicional, sobre a mesma questão, embora com modalidade diversa, mas que visa o mesmo fim: fazer-se justiça.
3°. A propósito disto, e sabendo-se que ao TC não lhe compete fazer justiça mas apenas ajuizar sobre a violação da C.R.P. e demais normas constitucionais aí não compreendidas, como por exemplo os princípios constitucionais à vida concreta (com os seus corolários de vida e dignidade face ao próprio e a terceiros), e à justiça (com os seus corolários de processo legal ou, ao menos, legalista), e, em consonância e consequência disto a que todos os cidadãos sejam igualmente tratados (embora com as “justas” diferenças que advêm do “status quo” de cada um e que são admissíveis nos regimes capitalistas), e, dizíamos igualmente tratados não só no plano substantivo, mas também no processual, que é, como se sabe, meio para atingir o outro, entendemos que ao ora recorrente lhe deveria ter cabido “em sorte”, Relator diferente que aquele que veio decidir sobre questão do mesmo cidadão sobre o qual já julgou anteriormente.
4.º. Daí que se verifique, a última parte do art°. d) do nº. 1 do art°. 127°. do C.P.C., pois com certeza o Senhor Relator em causa tem interesse jurídico em que o ora recorrente decaia, que mais não seja em sede de coerência processual.
5°. E isto porquê, o próprio Relator e outros julgadores do TC “decaíram” nos próprios autos, conforme o Ac. supra referido que foi “revogado” pelo STJ, conforme bem referido está no requerimento do ora recorrente de 07 /09/2010, pois que o ora suspeito não considerou como constitucionais os princípios da oralidade e da imediação.
6°. Logo, muito mais fácil lhe é não considerar (in) constitucional o (anti) princípio consagrado na terceira parte do n°. 2 do art°. 379°. do C.P.P., que é caso idêntico ao actual, em que o próprio suspeito quer decidir da sua própria suspeição.
7°. Logo que, este beneplácito judicial (e não régio...), do Senhor Relator suspeito, que a todo o custo se nega a conduzir os autos aos Juízes do TC, conforme se pode ver na suas decisões sumárias e sumaríssimas, em que decide em causa própria (como é que um arguido se julga a si próprio-), seja ilegal e inconstitucional.
8°. Assim, e ratificando o que o recorrente fez até agora, se verifica o estipulado na al. g) do n°. 1 do art°. 127°. do C.P.C., já que um “juiz” que não protege direitos constitucionais de um cidadão, que, posteriormente, lhe são reconhecidos por Juízes de Direito do Supremo Tribunal de Portugal, não possa ser favorável a esse mesmo cidadão que, em último recurso, se dirige ao órgão/ Tribunal a pedir justiça e que, por “sorte/azar” lhe cabe o mesmo Juiz... como se não houvessem mais!!!
9º. Neste sentido, requer-se a suspeição do Senhor Relator Joaquim Sousa Ribeiro e, bem assim, se declarem nulas todas as decisões que o mesmo tomou posteriormente à sua “nomeação”, constantes dos requerimentos anteriores do ora recorrente juntas aos autos.”
2. Nos termos do artigo 129.º, n.º 1, do CPC, o Juiz Conselheiro requerido respondeu, à dedução da suspeição, dizendo:
“ Enquanto juiz do Tribunal Constitucional limitei-me a tramitar e a julgar o processo n.º 416/10 e seu apenso, proferindo as decisões que deles constam e para cujo conteúdo remeto.
Ao fazê-lo, não fui movido por qualquer interesse que fosse o de fazer justiça, aplicando os parâmetros constitucionais e legais pertinentes.”
3. Os autos foram conclusos à agora relatora, ao abrigo do disposto no artigo 29.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, enquanto 1.º Vogal da formação judicial da 2.ª Secção do Tribunal Constitucional da qual o juiz recusado faz parte.
II – Fundamentação
4. Para sustentar a sua pretensão, o requerente invoca o previsto no artigo 127.º, n.º 1, alínea c), d) e g), e n.º 2, do CPC.
Das disposições conjugadas do artigo 127.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPC, extrai-se que “as partes só podem opor suspeição ao juiz (…) se houver, ou tiver havido nos três anos antecedentes, qualquer causa, não compreendida na alínea g) do n.º 1 do artigo 122.º, entre alguma das partes ou o seu cônjuge e o juiz ou seu cônjuge ou algum parente ou afim de qualquer deles em linha recta;” abrangendo “as causas criminais quando as pessoas aí designadas sejam ou tenham sido ofendidas, participantes ou arguidas.”
Ora, não resulta dos fundamentos apresentados que a situação em apreciação se enquadre no ali estipulado, pois que, no caso sub iudice, não se afigura pendência de causa de natureza criminal ou cível entre o recusante ou o seu cônjuge e o Juiz Conselheiro ou o seu cônjuge ou algum parente ou afim em linha recta.
O primeiro argumento invocado pelo recusante, como base do seu pedido de suspeição, é o de que o Juiz Conselheiro “já havia decidido, nos mesmos autos, quanto ao recorrente”. Sustenta-o na factualidade de o Juiz Conselheiro requerido ter subscrito o Acórdão n.º 473/2007, da 2.ª Secção deste Tribunal, (Processo n.º 534/07), enquanto juiz integrante da respectiva formação judicial.
Acontece que tal argumento não se subsume à previsão legal invocada pelo recusante como base processual da hipotizada suspeição. São as regras processuais legalmente estabelecidas (desde logo, na Lei do Tribunal Constitucional), que permitem que um juiz possa intervir em diversos autos com o mesmo recorrente, ou, até, num mesmo processo, tomando várias decisões, ou nelas participando a títulos vários, sem que isso integre, por si, as previsões do artigo 127.º do CPC.
Mais acrescenta, o recusante, o argumento segundo o qual “com certeza” o Juiz Conselheiro recusado teria interesse jurídico no decaimento das suas pretensões por motivos de coerência processual, invocando como fundamento processual o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 127.º do CPC, de harmonia com o qual se prescreve a hipótese de oposição de suspeição ao juiz que “tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes”.
Novamente, a argumentação expendida pelo recusante, não é susceptível de subsunção ao normativo pelo mesmo invocado, uma vez que no caso não se vislumbra qualquer interesse jurídico do Juiz Conselheiro recusado na decisão dos autos do supra referido processo n.º 534/10, em que subscreveu o Acórdão n.º 473/2007, enquanto juiz integrante da formação judicial correspondente à 2.ª Secção, então composta por 5 Juízes, nem tão pouco, agora, nas decisões no âmbito do processo n.º 416/10, que deu origem aos presentes autos, no qual desempenha as funções de Juiz Relator.
De facto, o que se retira do requerimento do recusante é que este infere a existência de um interesse jurídico no pleito por parte do Juiz Conselheiro recusado a partir das circunstâncias de o juiz não haver decidido a seu favor, e do facto de este haver tido anterior intervenção naquele outro processo com desfecho que lhe foi desfavorável.
Mas, na verdade, a actividade do Juiz Conselheiro recusado, levada a efeito nos autos, foi sempre guiada pelas disposições legais e pautada exclusivamente, como, aliás, não poderia deixar de ser, por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais.
Por último, vem o recusante, ao convocar o disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 127.º do CPC, invocar a existência de “inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes”.
Ora, sempre sem esquecer que seria bastante incomum que alguém nutrisse inimizade grave, ou grande intimidade, relativamente a quem nem sequer conhece – pois, nem as alegações permitem supor que tal conhecimento pessoal exista, não o sustentando minimamente o recusante, nem o Juiz suspeitado assume ter qualquer intimidade e inimizade com o requerente –, não resulta das circunstâncias dos autos que se vislumbre o mais pequeno índice da situação prevista na alínea g) do artigo 127.º, n.º 1, do CPC, invocada pelo requerente.
Na verdade, o recusante faz uso do aludido normativo com a intenção de justificar a “sorte/azar”, como o mesmo refere, de lhe haver sido atribuído em processos diversos, como explanado supra, o mesmo juiz, “como se não houvesse mais”, invocando ainda que este não lhe “possa ser favorável”.
Ora, como se adiantou já, e como não poderia deixar de ser, apenas as regras processuais ditaram a participação do Juiz Conselheiro suspeitado no processo aqui em causa, não se observando, no exercício das suas funções, a ausência de protecção de direitos constitucionais, antes havendo este pugnado pela aplicação dos parâmetros constitucionais e legais pertinentes, como o próprio afirma.
Em face do exposto, resta concluir pelo indeferimento do incidente de suspeição, não sendo, consequentemente, nulas as decisões anteriormente tomadas pelo Juiz Relator nestes autos.
III – Decisão
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar improcedente o presente pedido de suspeição.
Custas pelo recusante, fixando-se a taxa de justiça em dez unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 3 do mesmo diploma).
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.