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Proc. nº 16/01 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente P, SA, foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 – P, SA, identificada nos autos de acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho que lhe moveu JL, notificada da admissão de recurso de apelação interposto pelo A da sentença do Tribunal de Trabalho do Porto que julgou a dita acção parcialmente procedente, veio arguir a nulidade da sua citação.
Pelo despacho de fls. 174 e segs, a arguição foi julgada improcedente e dele interpôs a Ré recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
O Tribunal da Relação do Porto, pelo seu acórdão de fls. 194 e segs, negou provimento ao recurso, concluindo nos seguintes termos:
'O despacho recorrido fez correcta aplicação da lei à situação em litígio e está bem fundamentado, não merecendo qualquer reparo. Assim e nos termos do nº 5 do artigo 713º do CPC, decide-se negar provimento ao agravo, pelos fundamentos constantes do douto despacho recorrido que se confirma.'
P, SA veio então arguir a nulidade deste acórdão, sustentando, em síntese, que
'o tribunal de 1ª instância não teria trabalhado com os pressupostos de facto existentes no processo mas outros' e que 'o douto acórdão ao aderir à formulação e fundamentação da decisão de 1ª instância, deixou de conhecer de algo que não fora equacionado na 1ª instância', concluindo nos seguintes termos:
'a) Ao não apreciar a formulação contida no nº 5º e 11º acima e subsumida nas alegações do recurso, nem expressa nem implicitamente, houve omissão de pronúncia; b) Ao aderir à decisão de 1ª instância quando os pressupostos da discussão eram diferentes nas duas instâncias, omitiu o dever de fundamentação, pois motivação deficiente ou inexacta equivale a falta de fundamentação;
c) Ao interpretar deste modo o regime do artigo 713º do CPC violou-se o regime dos artigos 205º nº 1 da Constituição da República, do artigo 158º nº 2 do CPC e ofendeu o direito ao acesso ao direito – artigo 20º nº 4 da Constituição da República, bem como o artigo 3º do CPC, aplicável ao CPT.'
O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de fls. 206 e segs., indeferiu a arguição de nulidade com fundamento em que, ao remeter para os fundamentos da decisão impugnada se aceitou a fundamentação de facto e de direito daquela decisão, pelo que não ocorrera falta de fundamentação; no que concerne à alegada omissão de pronúncia ali se entendeu que 'uma única questão foi suscitada no recurso, ou seja a da falta de citação da agravante, sendo certo que são as conclusões da alegação que delimitam o objecto do recurso – artº 684º nº 3 e
690º nº 1 do CPC' que 'essa questão foi exaustivamente apreciada no douto despacho recorrido para cuja fundamentação se remeteu' e que 'tendo este Tribunal confirmado tanto a decisão de 1ª instância como os seus fundamentos, não se verifica a invocada omissão de pronúncia'
Pelo requerimento de fls 210, P, SA interpôs recurso para este Tribunal ao abrigo do artigo 70 º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82, nos seguintes termos:
'P, SA tendo sido notificada do douto acórdão de 13 de Novembro de
2000, vem, nos termos do artº 75º-A da lei nº 28/82, de 15 de Novembro com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85 de 26 de Novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98, de
25 de Fevereiro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da citada Lei porquanto: a. Ao interpretar daquele modo o regime do artº 713º do Código de Processo Civil violou o regime dos artºs 20 nº 4 e 205º nº 1 da Constituição da República pelo que deve ser apreciada a inconstitucionalidade daquela norma do CPC; b. Ao arguir a nulidade do douto acórdão que decidiu o recurso em que é agravante, a requerente expressamente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
....................................................................................'.
Cumpre decidir, o que se faz ao abrigo do artigo 78º-A nº 1 da Lei nº
28/82.
2 – Considerando o requerimento de interposição de recurso, a primeira observação que se impõe fazer, relativa à delimitação do objecto do recurso, é que a recorrente não coloca a questão da conformidade constitucional da norma do artigo 713º do CPC (mais concretamente a do nº 5 deste preceito, expressamente invocada no acórdão de fls. 194 e a única aplicada), ou seja a que permite que o acórdão da Relação que confirme inteiramente o julgado em 1ª instância quanto á sua decisão como aos respectivos fundamentos, se limite a negar provimento ao recurso remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.
Diga-se de resto que esta norma foi já julgada não inconstitucional pelos acórdãos nºs 151/99, publicado in DR, II Série, de 5/8/99, 123/2000 e 232/2000
(inéditos). .
Ao expressar-se nos termos em que o faz no citado requerimento ('Ao interpretar daquele modo o regime...'), a recorrente estará a pôr em causa uma determinada interpretação da referida norma, não dizendo, como devia, qual ela seja.
Seria, assim, caso de lançar mão do convite para aperfeiçoamento previsto no artigo 75º-A nº 6 da Lei nº 28/82.
Tal convite é, porém, inútil pois, indicando a recorrente a peça da reclamação por nulidade como sendo aquela onde a questão de constitucionalidade fora suscitada, facilmente se depreende qual a suposta interpretação que ela impugna sub specie constitutionis.
Na verdade, o que aí a recorrente questiona é a aplicação da norma num caso em que, segundo ela, a questão posta no recurso para a Relação implicava a reapreciação dos pressupostos de facto em que a sentença então recorrida assentara – aplicando-a, o acórdão reclamado seria nulo por motivação deficiente ou inadequada ou por omissão de pronuncia.
Ora, o tribunal 'a quo' entendeu no acórdão recorrido que a fundamentação do acórdão reclamado era suficiente e não incorrera em omissão de pronúncia por a questão posta ser a mesma que fora colocada na 1ª instância e por esta resolvida.
E sobre este juízo – o de que a questão era a mesma – não compete ao Tribunal Constitucional, limitado ao julgamento de questões de constitucionalidade normativa, apreciá-lo, salvo se, para ele, o Tribunal se estribasse em qualquer norma (não seguramente a do artigo 713º nº 5 do CPC) que a recorrente tivesse arguido de inconstitucionalidade.
Já seria diferente se, porventura, o acórdão recorrido tivesse sustentado que o artigo 713º nº 5 do CPC era aplicável mesmo nos casos em que o recorrente coloque questões novas ou, que, não sendo novas, o seu julgamento implique a reapreciação de pressupostos fácticos.
Ora, do que se pode recolher da reclamação por nulidade deduzida pela recorrente sobre esta matéria, é que a suposta inconstitucionalidade então arguida se reporta, precisamente, à hipotética interpretação que consta do parágrafo anterior, muito embora sem a explicitude que ali se referiu.
Em suma, a questão de constitucionalidade normativa reportar-se-ia à norma do artigo 713º nº 5 do CPC implicitamente interpretada nos termos citados.
Contudo, não se vê no acórdão recorrido uma tal interpretação pela simples razão de o acórdão, ao apreciar a nulidade arguida, ter assentado no entendimento de que a questão a resolver era a mesma que o despacho então impugnado decidira, entendimento esse que – disse-se já - o Tribunal Constitucional não pode sindicar.
Crê-se, aliás, que, no rigor das coisas, a impugnação da recorrente, sob a aparência de uma questão de constitucionalidade normativa, se dirige á própria decisão judicial que negou provimento ao agravo, de que ela discorda por não ter supostamente ponderado razões que não tinham sido apreciadas no despacho proferido em 1ª instância, do que, consequentemente, resultaria uma errada aplicação do artigo 713º nº 5 do CPC
Pelo que se deixa dito, por uma ou outra razão, não se mostram preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82 – a norma em causa não foi aplicada com a interpretação que a recorrente questionou ao suscitar a questão de inconstitucionalidade na reclamação por nulidade do acórdão de fls. 194 e segs., ou a impugnação da recorrente se dirige à própria decisão judicial e não a uma interpretação normativa.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.'
2 - Vem agora a recorrente reclamar desta decisão sumária, dizendo, em síntese, o seguinte (transcreve-se a parte útil):
4 - O que a recorrente pretende equacionar é que, ao fundamentar a decisão, o Tribunal da Relação...nada fundamentou !
5 - Isto porque, embora a 'norma do artigo 713º do Código de Processo Civil não seja inconstitucional materialmente', tinha sido feito aplicação do mesmo, no caso, por forma que ofendia os artigos 20º nº4 e 205º nº 1 da Constituição da República.
6 - Ou seja, a inconstitucionalidade suscitada não foi directamente a da norma do artigo 713º nº 5 do CPC, mas sim a dos artigos 20º nº 4 e 205º nº 1 da C.Rep, quando se proferiu acórdão com tal 'formulação'.
7 - No entender da recorrente, a relação, quer no acórdão, quer no incidente de nulidade, ao 'omitir' ou 'ponderar implicitamente as alegações que a recorrente fez nas alegações' – novas em relação aos pressupostos do silogismo final da 1ª instãncia – nunca fez correcta aplicação daqueles artigos 20º nº 4 e 205º nº 1 da C.Rep.
8 - E esta admissibilidade tem sido defendida nesse tribunal, como se lê no trabalho do Cons. Guilherme da Fonseca.'
O recorrido não respondeu.
Cumpre decidir.
3 - Como se deixou transcrito, na decisão sumária reclamada, e tendo em conta os termos em que vinha formulado o requerimento de interposição de recurso, entendeu-se (não sem algum esforço) que a recorrente questionava uma determinada interpretação da norma do artigo 713º nº 5 do CPC, interpretação essa que resultava do modo como a recorrente suscitara no processo (na reclamação por nulidade, segundo ela) a questão de constitucionalidade .
Neste enquadramento entendeu-se também que o acórdão em causa não fizera aplicação da norma do CPC, com tal interpretação.
Note-se que o pressuposto de que se partiu era o mais favorável para a recorrente, no ponto em que o recurso de constitucionalidade não visa apreciar a constitucionalidade de decisões judiciais, mas de normas (de direito infra-constitucional).
De todo o modo, não deixou de se salientar que, em bom rigor, a recorrente se dirigia á própria decisão judicial que negara provimento ao agravo, por não ter supostamente ponderado razões que não tinham sido apreciadas no despacho de 1ª instância.
Surpreendentemente, a recorrente vem agora dizer que 'a inconstitucionalidade suscitada não foi directamente a da norma do artigo 713º nº 5 do CPC, mas sim a dos artigos 20º nº 4 e 205º nº 1 da C.Rep' e que 'a Relação (...) nunca fez correcta aplicação daqueles artigos 20º nº 4 e 205º nº 1 da C.Rep.'
O que a recorrente alega se, por um lado, contradiz o que resultava quer do requerimento de interposição do recurso, quer da reclamação por nulidade, onde a questão de constitucionalidade fora suscitada, por outro, parece deixar claro que, afinal, a arguição de inconstitucionalidade se dirigia mesmo à própria decisão judicial, a que imputa incorrecta aplicação de normas constitucionais.
Ora, não deixando de se reiterar o que se julgou na decisão sumária – e que a recorrente não infirma de modo convincente – a verdade é que, disse-se já, o recurso de constitucionalidade não visa sindicar a conformidade constitucional das próprias decisões judiciais impugnadas, com o que, a aceitar-se esta nova versão da recorrente, de igual modo o recurso não seria admissível.
Não procede, pois, a reclamação da recorrente.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, indefere-se a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 27 de Março de 2001 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa