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Procº nº 1145/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 11 de Janeiro de 1999 (fls. 123 a 127 dos autos) lavrou o relator neste processo decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. M... e MF... e marido, MM..., instauraram pelo Tribunal de comarca de Aveiro e contra MN... e marido, R..., e P..., acção, seguindo a forma de processo sumário, à qual foi dado o valor de Esc. 500.000$00, solicitando a condenação dos réus a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre determinado prédio misto e a entregar a estes uma casa que de tal prédio faz parte, abstendo-se de nele entrar ou praticar quaisquer actos relativamente ao terreno que também o compõe.
Contestaram os réus, deduzindo reconvenção no sentido de os autores serem condenados a reconhecer que os primeiros eram os arrendatários do prédio em causa - pedido a que deram o valor de Esc. 120.000$00 - e solicitando a condenação dos mesmos autores como litigantes da má fé.
Por sentença de 24 de Junho de 1997, foi a acção considerada procedente, tendo o pedido reconvencional sido julgado improcedente, o que motivou os réus a do assim decidido apelarem para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 28 de Abril de 1998, negou provimento ao recurso.
Desse aresto pretenderam os réus recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, mas, não tendo ele sido admitido por despacho de 16 de Junho de 1998, proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra e tendo em conta o valor da causa, do mesmo reclamaram os falados autores para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Na peça consubstanciadora da reclamação os réus defenderam que, muito embora, de harmonia com o disposto nos artigos 57º, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, 678º, nº 1, do Código de Processo Civil, e 20º, da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, não fosse possível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o certo era que, estando em causa o ‘direito à defesa do direito de habitação e a igualdade dos cidadãos perante a lei’, não deveriam aquelas normas ser aplicadas, visto padecerem elas de inconstitucionalidade.
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 30 de Outubro de 1998, indeferiu a reclamação.
Incorporada a reclamação nos autos, fizeram os réus a eles juntar requerimento, dirigido ao Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, requerimento esse com o seguinte teor:-
‘MN... E MARIDO, R..., recorrentes nos autos em referência, não se conformando com o douto despacho de fls. 92, que indeferiu o requerimento de recurso de revista para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, agora, que acaba também de lhe ser por igual doutamente indeferida a sua reclamação dirigida ao Senhor Presidente do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, daquele douto despacho que não admitiu o dito recurso, vêm, ao abrigo do disposto nos artºs. 280º, nºs. 1, al. b), 4 e 5 da Constituição da República, e 70º, nºs, 1, al. b), e 2, 72º, nº 2, e 75º-A, todos da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi trazida pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Com efeito, no requerimento de interposição de recurso para este venerando Tribunal da Relação, sustentou a inconstitucionalidade material concreta das normas dos artºs. 57º do R.A.U., anexo ao DL. 321-B/90, de 15 de Outubro, 678º, nº 1, do C.P.C., e 20º da lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, no caso de tais normas serem interpretadas no sentido de não admitirem sempre o interposto recurso de revista, qualquer que seja o valor da acção, quando esteja em causa a defesa do direito à habitação, por violarem o princípio da igualdade de tratamento dos cidadãos, posto que condicionado o direito ao segundo grau de recurso (Revista) pela regra do valor da causa e segundo a alçada do Tribunal recorrido.
Pretendem os recorrentes que o Venerando Tribunal Constitucional declare a inconstitucionalidade material concreta das referidas normas (artºs.
57º do R.A.U., anexo ao DL. 321-B/90, de 15 de Outubro, 678º, nº 1, do C.P.C., e
20º da lei nº 38/87, de 23 de Dezembro), porque interpretadas pelo Tribunal recorrido no sentido indicado, por forma a que, declarada a pedida inconstitucionalidade, seja admitido aquele interposto recurso de revista.
Porque está em tempo e tem legitimidade, respeitosamente vem requerer a Vossa Excelência se digne admitir o recurso ora interposto, o qual deve subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (artºs. 72º, nº 2,
75º, nº~1, e 78º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro)’.
Por despacho de 25 de Novembro de 1998, o Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra admitiu o recurso.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, efectua-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A daquela Lei, esta decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da vertente impugnação.
Na realidade, como facilmente deflui do relato acima efectuado, o que os ora recorrentes intentam colocar sob a censura deste Tribunal é o despacho, proferido em 16 de Junho de 1998 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra e que, fundado na circunstância de o valor da acção não ser superior ao da alçada do tribunal de 2ª instância, não veio a admitir a revista pedida do acórdão tirado por aquela Relação em 28 de Abril do mesmo ano.
Ora, a verdade é que, porque a decisão constante de tal despacho foi objecto de reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tal decisão veio a ser «consumida» por aqueloutra ínsita no despacho prolatado em 30 de Outubro de 1998 por aquele Presidente, sendo esta, pois, a decisão final tomada na ordem dos tribunais judiciais tocantemente à questão da impossibilidade de admissão do pretendido recurso de revista.
Desta arte, recorrível para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa era, não o despacho proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, mas sim o despacho lavrado pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, na situação em apreço, se perspectivava como a decisão de «esgotamento» dos recursos que, no caso, cabiam.
E, por outro lado, ainda que fosse admissível conceber-se - o que só argumentativamente se concede - que o que os ora recorrentes desejavam era a impugnação do despacho emitido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ainda assim, nessa situação hipotética, não seria possível o almejado recurso.
E não o seria pela circunstância de o requerimento interpositor do recurso de que ora se cura não ter sido dirigido ao autor desse despacho - o aludido Presidente do Supremo Tribunal de Justiça - e pelo mesmo não ter sido proferido despacho de admissão (ou não admissão) da impugnação querida ser efectivada pelo Tribunal Constitucional.
Aliás, no sentido ora defendido, confira-se o tratamento dado por este órgão de administração de justiça a situações que, com a presente, apresentam semelhanças, como sucedeu, verbi gratia, nos Acórdãos números 268/94 e 165/95 (publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 7 de Junho de 1994 e 8 de Junho de 1995), 378/94, 122/96 e 873/96 (estes ainda inéditos).
Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do vertente recurso, condenando-se os recorrentes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta.'
É do assim decidido que os recorrentes trazem a vertente reclamação ao abrigo do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo, em síntese, que o que pretenderam na realidade foi interpor recurso do despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e que tão só por mero lapso material indicaram que pretendiam recorrer do despacho proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, razão pela qual seria de considerar rectificável tal lapso.
Cumpre decidir.
2. Entende o Tribunal que a decisão ora reclamada é de manter, em consequência não devendo lograr deferimento a reclamação sub specie.
Efectivamente, não pode considerar-se que tivesse havido mero lapso material no requerimento de interposição de recurso ao se fazer nele constar que a impugnação tinha por objecto o despacho do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra.
De facto, ao se mencionar nesse requerimento que os ora reclamantes vinham interpor recurso do 'douto despacho de fls. 92, que indeferiu o requerimento de recurso de revista para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, agora, que acaba também de lhe ser por igual doutamente indeferida a sua reclamação dirigida ao Senhor Presidente do mesmo Supremo Tribunal de Justiça'
(sublinhado acrescentado), é por demais claro que era aquele despacho, devidamente identificado, aliás, que se tinha em mente, e não aqueloutro prolatado pelo Presidente do mais alto tribunal da ordem dos tribunais judiciais; se assim não fosse, não faria qualquer sentido a asserção transcrita que acima se sublinhou.
Por outro lado, e como se realçou na decisão sumária sob reclamação, mesmo que se concebesse, por hipótese meramente argumentativa, que o que se intentava impugnar era, afinal, o despacho do Presidente do Supremo Tribunal, mesmo assim do recurso se não deveria conhecer, por isso que o respectivo requerimento de interposição não foi dirigido e esse Presidente e pelo mesmo não foi admitido.
3. Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se indefere a vertente reclamação, consequentemente se não tomando conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se em 15 unidades de conta a taxa de justiça. Lisboa, 10 de Março de 1999 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa