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Processo nº 547/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos de recurso vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente L... e recorrido o Conselho dos Oficiais de Justiça, pelo essencial dos fundamentos da exposição do relator oportunamente apresentada, que aqui se dão por reproduzidos, e que não foram abalados pela resposta do recorrente, não tendo o recorrido oferecido qualquer resposta, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se os recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 5 UC's.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 1997 Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa Processo nº 547/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição preliminar nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- L..., identificado nos autos, requereu a suspensão de eficácia do acórdão do Conselho dos Oficiais de Justiça, de 11 de Dezembro de
1995, que lhe aplicou a sanção disciplinar de aposentação compulsiva.
Fundamentou o pedido com a alegação de matéria de facto que, em seu entender, permite concluir pela existência dos requisitos de procedência exigidos pelo nº 1 do artigo 76º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, LPTA).
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), por decisão de 24 de Janeiro de 1996, indeferiu a requerida suspensão, por considerar que o deferimento da pretensão determinaria grave dano para a realização de interesses públicos, verificando-se, assim, a falta do chamado requisito negativo da suspensão de eficácia, referido na alínea b) do nº 1 do artigo 76º da LPTA.
Inconformado, recorreu o interessado para o Supremo Tribunal de Administrativo (STA), o qual veio a pronunciar-se, por acórdão da Primeira Subsecção da Primeira Secção, de 28 de Março seguinte, no sentido de negar provimento ao recurso.
Nas respectivas alegações, o recorrente dissertou sobre o conceito de greve lesão para o interesse público, a ponderar consoante as circunstâncias concretas de cada caso, na medida estritamente indispensável para a realização desse interesse e, desenvolvendo, argumentou que a decisão recorrida, ao deixar de ter em conta (em sua tese) os factos em função do tempo e do lugar em que ocorreram, e, bem assim, os interesses particulares em causa, violou o princípio da proporcionalidade aludido no artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo, constituindo direito fundamental o direito ao trabalho consagrado no artigo 58º da Constituição da República (mais propriamente, terá, a decisão, violado aquele princípio com base no preceito referido e 'nos artigos 18º e 268º da Constituição, do Direito ao Trabalho com assento no artigo 58º da C.R.P.) bem como o 'direito de justiça em tempo útil, consagrado no nº 1 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, estando ainda em causa a integridade moral do recorrente, o direito ao bom nome e reputação, 'direitos fundamentais de natureza pessoal com assento nos artigos
25º e 26º da CRP'.
O S.T.A., no entanto, não aderiu a este entendimento, que teve por irrelevante, nomeadamente quando confrontado com a gravidade da lesão que para o interesse público resultaria da suspensão de eficácia pretendida.
Interessa transcrever a parte do acórdão que aborda as questões relacionadas com os invocados direitos fundamentais:
'[...] estariam em causa, segundo ele [recorrente] o direito fundamental ao trabalho consagrado no artº 58º da CRP, o direito de justiça em tempo útil consagrado no nº 1 do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ainda direitos fundamentais de natureza pessoal com assento nos artºs.
25º e 26º da CRP, como a integridade moral do requerente e do direito ao seu bom nome e reputação, que, no caso concreto justificariam que a eles se desse prevalência, pois que o mero adiar dos efeitos do acto punitivo confrontado com a lesão irremediável dos direitos fundamentais supra referidos, não afecta gravemente o interesse público cujos eventuais prejuízos se apresentam manifestamente atenuados pelo decurso de 5 anos após os factos.
Em relação aos direitos fundamentais de índole pessoal invocados, os mesmos são sempre necessariamente afectados pela aplicação de uma pena expulsiva, sendo uma consequência do acto punitivo em si, independentemente da sua execução.
Quanto ao direito fundamental ao trabalho, o requerente faz dele uma interpretação que conduziria à proibição da aplicação de penas expulsivas aos trabalhadores. Na verdade, o citado preceito constitucional, ao consagrar o direito ao trabalho, nem sequer confere um direito subjectivo a obter um concreto posto de trabalho. Pelo que, e sem necessidade de nos alongarmos nesta matéria, tal direito não se mostra afectado no caso concreto.
O princípio da justiça em tempo útil, uma vez reconhecida e sancionada a falta após processo mais ou menos longo com vista a uma adequada instrução, nada tem a ver com o requisito da inexistência da grave lesão do interesse público para efeitos de suspensão de eficácia, onde não se pode conhecer de eventual prescrição.
O que agora importa apreciar é a gravidade da lesão que para o interesse público resultará da suspensão da eficácia da deliberação punitiva do COJ que aplicou ao recorrente a pena de aposentação compulsiva pelos factos dados como provados no processo disciplinar.
E, neste aspecto, há que distinguir, a fase em que tal processo se encontrava pendente e a fase posterior ao acto punitivo.
Com efeito, uma coisa é continuar ao serviço, enquanto o processo disciplinar está pendente. Outra, é exercer funções depois da decisão punitiva. Neste último caso, a Administração já se pronunciou quer quanto à matéria de facto provada quer quanto à pena.
Ora, os factos provados no processo disciplinar pelos quais o requerente foi condenado na pena de aposentação compulsiva atentam gravemente contra o prestígio e dignidade dos tribunais, órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo e a quem incumbe assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados
- artº 205º da CRP.
Não se pretende desvalorizar o mérito e a competência reconhecidos ao requerente, posteriormente, à prática dos factos.
A questão está em que não é a sua actuação durante este último período, que está a ser apreciada.
Assim, a sentença recorrida não merece censura pois que, tendo em conta a matéria em causa, e a qualidade do requerente, o continuar este, de imediato ao serviço, transmitiria a ideia de uma excessiva permissividade ou tolerância, comprometendo gravemente a dignidade e prestígio dos tribunais e abalando a confiança e credibilidade destes por parte do público em geral, das instituições e dos agentes judiciários.
Não se pode, pois, dar como verificado o referido requisito negativo.'
2.- Não se conformando com o acórdão do STA, do mesmo veio o recorrente interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Igualmente se transcrevem, pelo seu interesse, os termos em que o fez:
'- O recorrente alegou no seu recurso para este Venerando Tribunal
[quis, obviamente, aludir ao STA e não ao Tribunal Constitucional] que a interpretação do conceito jurídico de 'grave violação do interesse público' prevista no nº 1, alínea b) do artº 76º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, dada pelo douto Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa in casu:
- Não ponderou os factos em função do tempo e lugar em que ocorreram e, bem assim os interesses particulares em causa hipervalorizando o conceito de interesse público com prejuízo dos direitos dos particulares.
- O tempo e lugar em que ocorreram os factos e a reacção da Administração nesse momento, constituem um elemento de primordial importância para aquilatar da credibilidade de prossecução do interesse público e, ainda assim, da adequação do Acto Administrativo ao lesar os Direitos Fundamentais dos particulares.
- A interpretação efectuada hipervalorizando o interesse público e sacrificando desproporcional e desadequadamente os direitos dos particulares constitui, 'violação do princípio da proporcionalidade com assento no artº 5 do CPA e nos artºs. 18 e 268 da Constituição, do Direito ao Trabalho com assento no artº 58 da C.R.P. e do direito de justiça em tempo útil consagrado no nº 1 do artº 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78 de 13 de Outubro'.
- O douto Acórdão em crise, confirmando a decisão recorrida negou a tese do recorrente que pugnava por uma interpretação do conceito jurídico de 'grave violação do interesse público', conforme à Constituição e ponderada face aos direitos fundamentais que se pretendia acautelar, manteve uma interpretação violadora das indicadas normas Constitucionais e Supra-legais.'
O recurso foi admitido pelo Senhor Conselheiro Relator no STA o que, como se sabe, não vincula o Tribunal Constitucional (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3.- O recurso de constitucionalidade com base na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 - de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo - está orientado para as normas jurídicas, enquanto tais e não já para as decisões judiciais que não podem ser objecto de sindicância nos processos de fiscalização concreta de constitucionalidade.
A este propósito constituíu-se jurisprudência uniforme e reiterada que não permite dúvidas quanto ao objecto da impugnação: não a conformidade constitucional das decisões, mas sim o juízo nelas contido sobre a constitucionalidade de normas com interesse para a decisão da causa, efectiva e decisivamente aplicadas (no caso da alínea em referência), devendo a questão ser suscitada atempadamente durante o processo, de forma directa, explícita e perceptível de modo a que não se fomentem dúvidas quanto à matéria a considerar.
Citem-se, a este respeito, por todos, os acórdãos nºs.
214/94 e 178/95, publicados no Diário da República, II Série, de 19 de Julho de
1994 e 21 de Junho de 1995, respectivamente).
3.- Ora, tudo ponderado, permite o exame dos autos concluir que, no caso sub judicio, não está em causa a norma da alínea b) do nº 1 do artigo 76º da LPTA, na sua adequação constitucional global, em algum dos seus segmentos ou numa sua determinada interpretação, uma vez que pretende-se impugnar a decisão judicial que interpretou o conceito de grave violação do interesse público, de modo supostamente violador dos princípios e normas constitucionais enunciados (elenco, aliás, originariamente mais alargado e que o requerimento de interposição de recurso restringiu).
Com efeito, perante a matéria de facto dada como assente, o STA, tal como anteriormente o TACL, valorou-a em seu critério e subsumiu-a juridicamente em termos que, no entanto, não são sindicáveis pelo Tribunal Constitucional: este não funciona como mais um grau de jurisdição em relação às decisões anteriores, de forma a poder corrigir eventuais erros na apreciação dos elementos probatórios e na valoração da prova sobre a matéria dos factos controvertidos (como recentemente se observou no acórdão nº 756/96, ainda inédito).
Que assim é, no caso concreto, torna-se particularmente visível quando o recorrente questiona a interpretação dada ao conceito jurídico de grave violação do interesse público, censurando o Tribunal recorrido de não ter ponderado os factos em função do tempo e do lugar em que ocorreram e, bem assim, ter hipervalorizado o conceito de interesse público em detrimento dos direitos dos particulares por indevida ponderação dos interesses deste últimos.
Como elucidativamente se afirma, a certo passo das conclusões das alegações apresentadas junto do STA, 'ao deixar de ponderar os factos em função do tempo e do lugar em que ocorreram e, bem assim, os interesses particulares em causa, a decisão ora impugnada comete violação do princípio da proporcionalidade com assento no artigo 5º do CPA e nos artigos 18º e 268º da Constituição do Direito ao Trabalho com assento no artigo 58º da CRP e do direito de justiça em tempo útil consagrado no nº 1 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificado pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro'.
É, manifestamente, a decisão judicial que está em causa, a ela se assacando vícios de valoração da prova que a tornam censurável, na
óptica do recorrente, mas não na perspectiva da competência do Tribunal Constitucional.
4.- Em face do que sumariamente se expõe, entende-se não poder conhecer-se do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes, por 5 dias, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A, da Lei nº 28/82.