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Processo nº 687/00
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Na acção de divórcio litigioso em que é autor FM e ré MJ, a correr termos no Tribunal de Família do Porto – 1º Juízo – proferida a decisão final, pretendeu a demandada dela interpor recurso, requerendo a passagem de guias nos termos do artigo 146º do Código de Processo Civil – CPC – considerando não lhe ter sido possível proceder ao pagamento oportuno das primeiras guias.
A pretensão da ré foi indeferida, por não ter sido indicada prova do evento impeditivo da prática atempada do acto – nº 2 daquele artigo 146º - tendo a interessada agravado do despacho respectivo, defendendo, nas alegações apresentadas, que o tribunal tinha 'o poder (dever) de dispensar a recorrente da multa por manifesta insuficiência económica e mandar seguir o recurso interposto e alegado'.
Consoante concluiu, então – como se retira do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de Maio de 2000 –, o nº 7 do artigo 145ºdo CPC é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20º da Constituição, se interpretado no sentido de ser mera faculdade do juiz – e não poder (dever) do Tribunal – dispensar o recorrente da multa por manifesta carência económica, de modo a ordenar-se o prosseguimento do recurso interposto e alegado; de igual modo, os nºs. 5 e 6 do mesmo preceito são inconstitucionais se interpretados 'no sentido de que os carentes económicos têm de pagar multa, enquanto o MºPº está sempre dispensado de pagar', não só por violação do citado artigo 20º, mas também do artigo 13º da Lei Fundamental.
O Tribunal da Relação do Porto, no referido acórdão de 4 de Maio último, negou provimento ao agravo e confirmou o despacho recorrido.
Para o efeito, baseou-se o aresto no disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 146º do CPC, pois, como se escreveu, 'o que está aqui em causa é a invocação fundada do justo impedimento na prática do acto', não tendo a agravante feito, a este propósito uma 'alegação circunstanciada e factual'.
2. - Inconformada, interpôs a ré recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, pretendendo a apreciação da constitucionalidade dos 'números 5,
6 e 7 do artigo 145º do CPC quando interpretados no sentido de que o carente económico tem de pagar a multa prevista no nº 6 quem litiga com apoio judiciário total e praticou o acto num dos 3 dias úteis e que a dispensa da multa prevista no nº 7 é uma mera faculdade do juiz e não um poder-dever por violação dos princípios ínsitos nos artigo 20º e 13º da Constituição ' (sic).
O Desembargador relator, por despacho de 19 de Maio
último, não admitiu o recurso.
Como ponderou, o que se decidiu, quer na Relação, quer na 1ª instância, foi 'a verificação, pela negativa, do justo impedimento, a que se reporta o artigo 146º do Código de Processo Civil', sendo certo que a questão de constitucionalidade suscitada encontra-se 'fora do âmbito da decisão'.
O despacho veio a ser mantido por posterior decisão, de
12 de Outubro seguinte.
3. - MJ reclamou então, para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82, defendendo que o recurso deve ser recebido 'circunscrito à questão de inconstitucionalidade do artigo 145º do CPC
(nºs. 5, 6 e 7), ao abrigo da alínea b) do artigo 70º (sic) da Lei do Tribunal Constitucional (questão suscitada nas alegações e nas conclusões do recurso de agravo do despacho que recusou o recurso de apelação da sentença proferida na acção de divórcio por falta de pagamento da multa)'.
Foram os autos com vista ao Ministério Público que se pronunciou neste sentido:
'O recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82 pressupõe que a decisão recorrida haja aplicado efectivamente à dirimição do litígio a norma que constitui objecto do recurso interposto para o TC. Ora, no caso dos autos, a decisão recorrida limitou-se a aplicar como 'ratio decidendi', a norma constante do art. 146º do CPC, interpretada como criando para a parte que invoca o justo impedimento o ónus de realegar, desde logo, 'uma alegação circunstanciada e factual' dos motivos em que se funda. E, assim, a circunstância de o tribunal 'a quo' não ter aplicado à dirimição do caso a norma constante do art. 145º, nºs. 5 e 6, do CPC, é, só por si, bastante para que se não possa conhecer de tal recurso, por falta de um pressuposto da respectiva admissibilidade.'
Dispensados os demais vistos, nos termos do nº 3 do artigo 77º da Lei nº 28/82, cumpre decidir.
4. - É manifesto que não se verificam, no concreto caso, os pressupostos de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º daquele diploma legal.
Com efeito, e como observa pertinentemente o Ministério Público, a ratio decidendi da decisão recorrida radica na norma do artigo 146º do CPC – nºs. 1 e 2 – e não na do artigo 145º - seja nos seus nºs. 5 e 6, ou no seu nº 7- único cuja conformidade constitucional foi posta em causa.
Ora, como é consabido, um dos pressupostos de indispensável verificação para que o invocado tipo de recurso seja admitido é o de aplicação efectiva pelo tribunal a quo da norma questionada, em termos de a mesma integrar, na sua totalidade ou em certo segmento, ou numa dada interpretação, a ratio decidendi – ou uma das rationes decidendi – da decisão
(cfr., por todos, o acórdão nº 192/92, publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto de 1992).
Não é este, claramente, o caso, pelas razões já explanadas, pois outra foi a motivação jurídica daquela decisão.
5. - Assim sendo, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, decide-se:
a) indeferir a presente reclamação;
b) condenar a reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 20 de Dezembro de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida