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Processo nº 682/99
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. J. D., com os sinais identificadores dos autos, veio 'reclamar do despacho que indeferiu o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional', ou seja, do despacho da Mmª Juíza do Tribunal Judicial da comarca de Sintra, de 18 de Fevereiro de 1999, que considerou não se estar
'perante nenhuma das situações prevista no apontado art. 70º' (da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro). O despacho reclamado é do seguinte teor:
'Vem o executado [o ora reclamante] interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão que lhe indeferiu o seu pedido de levantamento da penhora. Em tal requerimento que foi indeferido alegava o executado de que a norma ao abrigo da qual foi ordenada a penhora era inconstitucional. Não indicou sequer o executado a que norma se reportava. Desconhece-se, assim, de que aplicação de norma pretende o executado recorrer, sendo certo que o recurso para o Tribunal Constitucional está sujeito aos casos expressamente previstos no art.º 70º da L. 28/82. O que o executado pretenderá não é recorrer da aplicação de alguma norma por que não é disso que se trata mas sim do entendimento que foi feito sobre a al. f) do artº. 822º do C.P.C. ou seja, de quais os bens que devem ser considerados como indispensáveis à economia doméstica. Mas não é para este tipo de recursos que existe o Tribunal Constitucional; esse Tribunal aprecia normas e não decisões dos tribunais judiciais. Ora, o que poderia ser o caso era de recurso para o Tribunal hierarquicamente superior a esta 1ª Instância, mas como se verifica do próprio valor da execução está afastada a possibilidade de recorrer. Assim, porque não estamos perante nenhuma das situações prevista no apontado artº 70º e ao abrigo dos poderes conferidos pelo artº 76º do mesmo diploma, não admito o recurso interposto'. Para o reclamante 'não há dúvidas' de que ele 'se reportava' à norma da 'alínea f) do artº 822º do C.P.C. ou seja de quais os bens que devem ser considerados como indispensáveis à economia doméstica', com o 'entendimento atribuído pela Mmª Juíza'.
E acrescenta no requerimento da reclamação, no que aqui pode interessar:
'7º Torna-se, assim, evidente, que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie a do artº 822º do C.P.C. que outra não se mostra referida, pois que sofrerá do vício de inconstitucionalidade material, se interpretada no sentido de que o advogado carente de meios para pagar as custas judiciais, se podem penhorar bens cuja apreensão é ofensiva dos bons costumes ou careçam de justificação económica, como pratos de parede e ofertas de casamento de diminuto valor, ou mesmo a televisão, por não ser imprescindível à sua economia doméstica quando não se se procede à penhora dos mesmos bens aos restantes cidadãos, com a mesma finalidade e, até, hoje em dia, não se mostra que, geralmente, se baixe, em qualquer caso, a àquilo que, para um pais civilizado, possa ser uma mesquinhez digna do terceiro mundo, como dignamente se mostra no documento junto (doc.1) que não foi, sabe-o o Requerente, objecto de reparo no sentido de se atingirem bens do valor e qualidade dos que aqui estão em causa
8º Considera-se, assim violado o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei consagrado na norma do artº 13º, nº 1 da CRP.
9º Ao privar-se o advogado de uma televisão viola-se, ainda o direito de ser informado constante do art. 17º, nº 1 da CRP'.
2. O Ministério Público, no seu VISTO, pronunciou-se no sentido de que a
'presente reclamação é manifestamente improcedente', alinhando, para o efeito, estas razões:
'Assim- em primeiro lugar - não curou o ora reclamante de suscitar, no requerimento em que pediu o levantamento da penhora efectuada, em termos idóneos e adequados, uma questão de inconstitucionalidade normativa, imputando a pretensa violação do princípio da igualdade ao acto de apreciação de bens e não identificando nem específicando minimamente qual era, afinal, a norma ou interpretação normativa que considera padecer de inconstitucionalidade. Por outro lado - e face ao teor da presente reclamação - confirma-se que o recurso interposto não versava, afinal, sobre uma verdadeira questão de inconstitucionalidade de 'normas', não cumprindo obviamente a este Tribunal determinar se certos bens móveis, penhorados ao executado, o poderiam deveriam ser, em função de uma concretização e densificação dos conceitos usados pelo legislador no art. 822º do CPC, e em larga medida indissolúvel de uma concreta e casuística valoração da situação de facto.
É que, a nosso ver, não deve admitir-se que os recursos de fiscalização concreta se tornem um sucedâneo de um -inexistente - recurso de agravo para a Relação, inviabilizado pelo valor da causa, em ligação com a alçada do tribunal de comarca'.
3. Vistos os autos, cumpre decidir. Da certidão junta pelo reclamante, e extraída 'dos autos de execução por custas, em que são exequente o Digno Magistrado do MP e executado J. D.', colhe-se apenas o seguinte: a) Com a data de 11 de Dezembro de 1998, foi lavrado um acto de penhora, donde constam as verbas dos bens penhorados: entre estes , três aparelhos de televisão. b) Na sequência dessa penhora, veio o reclamante apresentar um requerimento, pedindo que fosse ordenado 'o levantamento da penhora e a restituição dos bens na sua residência, arquivando-se os autos', 'dado o diminuto valor em causa e ainda porque outros casos são arquivados na sequência da informação de que o Executado não tem rendimentos para ocorrer ao pagamento das custas' (e nesse requerimento, em que não identifica nenhuma norma do Código de Processo Civil, limita-se o reclamante a invocar que 'tal apreensão ofende o princípio da igualdade perante a lei consagrado no artº 12º da Constituição, sendo a norma ao abrigo da qual foi ordenada a penhora inconstitucional'). c) Esse requerimento foi indeferido por despacho de 26 de Janeiro de 1999, na base de que, no essencial, qualquer 'economia doméstica pode viver e viverá talvez como mais qualidade, sem a presença de um aparelho de televisão', não se podendo 'aceitar que a TV seja colocada ao mesmo nível do fogão, da cama, das cadeiras e objectos semelhantes, estes sim, reconhecidamente imprescindíveis' e, além disso, o 'requerimento do executado no processo de execução não é o meio próprio para fazer valer eventuais direitos, de quem não é parte no processo, sobre os bens penhorados, nem o executado para tanto tem legitimidade'. d) Veio então o reclamante 'interpor recurso para o Tribunal Constitucional', tout court, daquele despacho, o que foi indeferido no despacho ora reclamado e atrás transcrito.
4. Não oferece dúvidas que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não obedeceu minimamente às exigências contidas no artigo
75º A da Lei nº 28/82, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não cabendo, todavia, aqui saber se deveria ou não ter sido feito o convite a que se refere o nº 5 daquela norma, para se apurara o fundamento do recurso. Mas também não oferece dúvidas que em parte alguma, designadamente no requerimento em que foi pedido o 'levantamento da penhora' (3.b)), não arguiu o reclamante nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa e nem sequer identificou qualquer norma do ordenamento jurídico infra-constitucional, nomeadamente a da alínea f) do artigo 822º do Código de Processo Civil, a que diz agora querer reportar-se. A censura do reclamante, no momento processual adequado da feitura do citado requerimento, em que se pede o 'levantamento da penhora', vem dirigida, só e essencialmente, ao acto de apreensão dos bens constante do auto de penhora, por ser 'diminuto valor em causa' e porque 'outros casos são arquivados na sequência
.da informação de que o Executado não tem rendimentos para ocorrer ao pagamento das custas' E não pode extrair-se efeito algum de mera afirmação constante desse requerimento de ser 'a norma ao abrigo do qual foi ordenada a penhora inconstitucional', porque não é este um modo processualmente adequado de arguir uma inconstitucionalidade normativa (desde logo, não se sabe que norma é e não se sabe onde reside o pretenso juízo de inconstitucionalidade). Por tudo isto, e aderindo ainda às razões do Parecer do Ministério Público, não merece censura o despacho reclamado.
5. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 11 de Janeiro de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida