Imprimir acórdão
Proc. nº 822/95
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. Por acórdão de 17 de Setembro de 1993, do Tribunal de Círculo de Coimbra, foi D... absolvido da acusação contra ele deduzida pelo Ministério Público pela prática de um crime de uso de documento falso, previsto e punível pelo artigo 228º, nº 1, a) e c), e dois crimes de peculato previstos e puníveis pelo artigo 424º, nº 1, todos do Código Penal.
Não se conformando com essa decisão, o Ministério Público interpôs recurso da mesma para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por acórdão de 12 de Outubro de 1994, o STJ concedeu provimento parcial ao recurso, revogando a decisão recorrida quanto à absolvição do arguido pelo imputado crime de uso de documento falso, e condenando-o por tal prática, e bem assim quanto ao pedido cível respectivo. Quanto aos imputados crimes de peculato, confirmou a decisão absolutória da 1ª instância.
2. Por requerimento datado de 19 de Outubro de 1994, veio o recorrente arguir a nulidade daquele acórdão do STJ, nos termos dos artigos
379º, b) do CP Penal, e 668º, nº 1, do CPCivil, com o fundamento de que o Supremo o condenara em crime diverso e mais grave do que aquele por que vinha acusado.
Houve resposta do Ministério Público, após o que o STJ proferiu acórdão, datado de 19 de Abril de 1995, no qual desatendeu aquela reclamação e manteve o anterior acórdão.
3. Destes acórdãos veio o recorrente arguir a respectiva nulidade, com fundamento na inconstitucionalidade da norma constante do artigo 433º do CPP, e 'em geral, do chamado sistema de revista alargada'.
Pelo Acórdão de 31 de Outubro de 1995, o STJ desatendeu também esta arguição de nulidade.
Como aí se pode ler:
é claro, para nós, que se não pode ficar, indefinidamente, à espera que os sujeitos processuais venham arguir sucessivas e novas nulidades duma sentença ou acórdão, à medida que lhes sejam indeferidas as anteriores com diverso conteúdo daquelas!...
Relativamente ao segundo acórdão, de fls 275 e seg. e proferido quando já se encontrava esgotado opoder jurisdicional deste Supremo àcerca do objecto do recurso, convirá recordar que ele apenas teve por objecto a arguida nulidade do anterior acórdão de fls. 255 e seg., que se consubstanciaria, no dizer do requerente D..., em ali ter sido condenado por crime diverso e mais grave do que o que constava do libelo acusatório e da pronúncia;
ora, não se suscitando então qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente a que agora veio invocar o arguido, nada justificava ou impunha que este Supremo dela conhecesse, até por, conforme sua jurisprudência bem conhecida, considerar que não é inconstitucional o citado art. 433 em combinação com o art. 410 nº2 do Cód. Proc. Penal.
4. Inconformado com tal decisão, o recorrente interpôs então recurso da mesma para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, al. b) da LTC,
«pretendendo-se a declaração da inconstitucionalidade material do artigo 433º do Código de Processo Penal, por violador do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, constitucionalmente consagrado, entre outros, pelo artº 32º da Constituição da República e 14º, nº 5 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos».
Admitido o recurso, e remetidos os autos a este Tribunal, pelo relator do processo foi elaborada exposição prévia, nos termos do artigo 78º-A da LTC, no sentido de não tomar conhecimento do recurso, com os seguintes fundamentos:
Nos termos do disposto na Constituição (artº 280º, nº1, al. b)) e na lei (LTC - artº 70º, nº 1, al. b)), só cabe recurso, em casos como o dos autos, quando a questão de inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
E este Tribunal tem afirmado, de forma constante e unânime, que só se considerou suscitada a questão durante o processo quando o tribunal a quo ainda não esgotou, sobre essa mesma questão, o seu poder jurisdicional, sendo assim (salvo em casos especiais em que tal questão não foi suscitada antes, porfalta de oportunidade processual, o que aqui não acontece) irrelevante a suscitação em requerimento de arguição de nulidades.
Na sua resposta, o recorrente limitou-se a reafirmar a sua posição, de que só em requerimento de arguição de nulidades podia suscitar a inconstitucionalidade, entendendo, aliás, que a mesma é do conhecimento oficioso, pelo que tal suscitação foi tempestiva.
Por sua vez, o representante do Ministério Público veio, na sua resposta, manifestar inteira concordância com o teor da exposição prévia do relator.
5. Baixaram, entretanto, os autos novamente ao STJ, a requerimento do recorrente, para apreciação de questões atinentes à medida da pena aplicada, bem como à prescrição do procedimento criminal.
Resolvidas as mesmas, foram os autos reenviados a este Tribunal, para apreciação do recurso de constitucionalidade anteriormente interposto.
Corridos os vistos legais, cumpre, então, decidir.
II - FUNDAMENTOS
6. O presente recurso só poderia ter por objecto a apreciação da constitucionalidade de norma ou normas jurídicas, que tenham sido concretamente aplicadas na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo.
Foi na referida reclamação por nulidade, tendo por objecto o acórdão do STJ de 19 de Abril de 1995, que o recorrente, pela primeira vez, suscitou a questão de inconstitucionalidade indicada. Ora, desde logo não estamos perante uma situação em que tal momento era ainda idóneo para esse efeito (por ser um daqueles casos em que só após proferida a sentença é que seria exigível ao recorrente que o fizesse).
É jurisprudência pacífica e uniforme deste Tribunal considerar que a suscitação da questão de inconstitucionalidade no requerimento de arguição de nulidades se não pode entender como feita «durante o processo», por ocorrer depois de esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à apreciação dessa questão.
Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, só se pode considerar suscitada a questão durante o processo, quando a tempo de o tribunal a quo sobre ela se pronunciar, antes de esgotado o seu poder jurisdicional. Significa isto que o requerimento de arguição de nulidades de uma decisão judicial não é instrumento idóneo para se levantar, pela primeira vez, a questão de inconstitucionalidade, em termos de se abrir a via do recurso para o Tribunal Constitucional.
III - DECISÃO
7. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta. Lisboa, 5 de Fevereiro de 1997 Luis Nunes de Almeida Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa