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Processo nº 758/99
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, E. A. e marido reclamaram do despacho de fls. 288 que não admitiu o recurso que interpuseram para o Tribunal Constitucional a fls. 287, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. Segundo o despacho reclamado, o recurso não pode ser admitido porque se baseia na 'aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido sucitada durante o processo', sendo certo que, 'como se explicitou, na aclaração do acórdão, cujo fundamento consistia na alegada omissão da questão da inconstitucionalidade, o Tribunal da Relação não conheceu dessa questão de inconstitucionalidade, por precludida.' Sustentam os reclamantes que a não aplicação pelo acórdão recorrido das normas cuja inconstitucionalidade suscitaram 'não significa, porém, que dessa sua inconstitucionalidade não resultasse a improcedência e inconcludência da fundamentação aduzida', razão pela qual o recurso deve ser admitido. Notificado para se pronunciar, o Ministério Público veio sustentar a manifesta improcedência da reclamação, 'já que a decisão recorrida não interpretou as normas cuja inconstitucionalidade era questionada pelos ora reclamantes com o sentido, alegadamente inconstitucional, que estes lhe pretendiam imputar'.
2. Cabe começar por observar que não consta do requerimento de interposição de recurso o pedido de apreciação da inconstitucionalidade de qualquer norma, faltando, portanto, a definição do objecto do recurso que os reclamantes pretendem seja conhecido pelo Tribunal Constitucional. O Tribunal da Relação de Évora, todavia, considerou que a questão de constitucionalidade seria a mesma que os reclamantes entendiam que deveria ter sido decidida no acórdão de fls. 263 (que se admite seja o acórdão de que os reclamantes pretendem recorrer para o Tribunal Constitucional, porque o requerimento de interposição de recurso não o esclarece) e cuja falta de conhecimento motivou a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, ou seja, por falta de julgamento da 'inconstitucionalidade dos art.s 9º e 10º do D.L. nº
13/86 e 10º e 11º do D.L. 321-B/90 (...)' (requerimento de fls. 275).
3. O acórdão do Tribunal da Relação de Évora de fls. 263 negou provimento ao recurso de apelação interposto pelos ora reclamantes da sentença do Tribunal da Comarca de Évora que julgara procedente a acção de despejo contra eles proposta por M. C., confirmando-a. Para o efeito, o Tribunal da Relação de Évora considerou que, tal como sustentava a autora, o contrato de arrendamento em que a ré sucedeu por morte da mãe se encontrava sujeito ao regime da renda condicionada, no montante reclamado pela autora, desde Setembro de 1991 e que, não tendo a ré procedido ao pagamento ou ao depósito do montante devido, haveria de proceder o pedido de resolução do contrato, por falta de pagamento de rendas. Para o que agora releva, escreveu-se, a dado passo, no acórdão: 'Como doutamente refere a apelada, ‘não tendo os réus impugnado a renda nem por recurso tempestivo às comissões de Avaliação, nem por recurso à via judicial comum – no caso, a acção de arbitramento – nem sequer por qualquer outro meio escrito ou oral, quer nos termos do disposto nos arts. 4 e 11 do DL. 148/81, 9 a 12 do DL.
13/86, quer de acordo com o preceituado no art, 236 C.C., quer ainda por força do mais elementar princípio da boa fé, sempre se haveria de ter fixada a renda no quantitativo indicado pela ora recorrida’. Se os réus, ao serem notificados e esclarecidos dos critérios utilizados pela Autora para cálculo da renda condicionada, entendiam que a fórmula em vigor era outra que não aquela referida na notificação avulsa, ou seja, se a discórdia recaía sobre o entendimento do que fosse a renda devida por lei naquele caso, a conclusão não poderá deixar de ser a mesma, na medida em que, a ser assim, deveriam estes ter, então, impugnado os critérios, métodos e cálculo que dela foi feito pela senhoria o que, no entanto, não fizeram. Antes, ao actuarem como actuaram, os réus aceitaram inequivocamente a renda que lhes era anunciada. Com efeito, tinham eles conhecimento que a senhoria, quando pretendesse actualizar a renda, havia de lhes comunicar a nova renda, sendo esta devida a partir do mês seguinte ao da comunicação (vide art. 8 do DL. 148/81). No entanto, sabiam também que, não concordando, podiam, nos prazos fixados por lei, recorrer às comissões de Avaliação, especialmente constituídas para o efeito (vide arts. 4 e 11 do DL. 148/81, 9 a 12 do DL. 13/86 e 35 e 36 do DL.
321-B/90). Isto significa que só haveria recurso às Comissões de Avaliação se não houvesse acordo da arrendatária relativamente à renda indicada, podendo, porém, impugnar a renda indicada, por qualquer outro modo escrito ou oral.
(...) Acresce que a comunicação foi feita aos réus em plena vigência do DL. 321-B/90, sendo certo que, conforme este diploma expressamente refere, a nova renda pode ser fixada por acordo das partes, estabelecendo a lei que a renda se considera aceite quando o arrendatário dela não discorde, nos termos do art. 35 e nos prazos nele fixados (v. art. 33 nº 2). Ora este diploma, no atinente à questão que se coloca, é aplicável ao caso dos autos por força do disposto no nº 2 do art. 12 C.C.'
4. Nas alegações apresentadas no recurso de apelação, na conclusão i) (cfr. o requerimento de fls. 275), os reclamantes afirmaram:
'i) Os artigos 9º e 10º do D.L. 13/86 e 10º e 11º do D.L. 321-B/90, se entendidos ou interpretados no sentido de que as Comissões de Avaliação ali contempladas, e as respectivas decisões, preterem, precludem ou são prejudiciais dos meios próprios da jurisdição comum (dos Tribunais, afinal, tal como os prevêem os arts. 211º e ss do C.R.P.), haveriam de ser julgados inconstitucionais por violação nomeadamente dos princípios e regras que emanam por exemplo dos art.s 20º, 25º, 26º, 207º, 208º e 218º da C.R.P., e por afrontarem, além disso, a especificidade do art. 211º do mesmo diploma'. Ao decidir a arguição de nulidade por omissão de conhecimento da inconstitucionalidade suscitada, o Tribunal da Relação de Évora, pelo acórdão de fls. 284, indeferiu-a com o fundamento de que não tinha que a conhecer por estar precludida. E acrescentou, em particular, que o acórdão impugnado havia decidido expressamente que '(...) o recurso às Comissões de Avaliação não é o único meio para a impugnação da renda pois que é igualmente possível o recurso às vias processuais comuns, através da acção de arbitramento'.
5. É, pois, claramente improcedente a reclamação, pela razão de que as normas cuja inconstitucionalidade os reclamantes suscitaram (e sobre outras não pode incidir o recurso interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82) não foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida com o sentido considerado inconstitucional pelos reclamantes. Não poderia, assim, o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso, como resulta do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 e este Tribunal tem repetidamente afirmado (cfr., por exemplo, o acórdão nº 311/94, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Agosto de 1994). Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não admissão do recurso. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 12 de Janeiro de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida