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Processo nº 8/98 Plenário/Eleitoral Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. D..., invocando a qualidade de 'eleitor nº 1 naquela freguesia (a freguesia de Contim), candidato à eleição da Junta de Freguesia no dia 28 de Dezembro de 1997', veio interpor 'recurso contencioso', para este Tribunal Constitucional 'em relação à decisão do tribunal de Montalegre que considerou nulo um dos votos da eleição no Plenário da Freguesia de Contim, realizada no dia 28 de Dezembro de 1997', alegando o que a seguir se transcreve:
'1. Após o apuramento, da Mesa do Plenário no acto eleitoral, os candidatos da lista B, M..., S... e R... apresentaram um voto de protesto cujo teor aqui se dá como reproduzido, dizendo, em síntese, que um dos boletins considerados para a lista A era duvidoso e apresentava riscos sobrepostos;
2. Na documentação entregue, não consta qualquer boletim rubricado ou identificado como tendo recaído sobre ele qualquer protesto;
3. No dia 5 de Janeiro, deu entrada no Tribunal Judicial de Montalegre uma exposição, requerendo que se declare nulo o voto protestado, sem qualquer atenção ao estipulado no Artigo 103º do Dec-Lei 701-B/76, sendo seus proponentes R... e M..., ambos candidatos da lista B:
4. No dia 7 de Janeiro de 1998 o Meretíssimo Juiz do Tribunal de Montalegre sem que para o acto tenha qualquer competência, decidiu considerar nulo um voto, não se sabendo qual;
5. Atendendo a que houve violação dos artigos 90º do Dec-Lei 701-B/76, do Artigo
225º da alínea a) da CRP e Artigo 102º da Lei 28/82, vem requerer que, por incompetência absoluta do Tribunal de Montalegre e por não terem sido cumpridas as formalidades exigidas por Lei, designadamente a rubrica do boletim duvidoso e a remessa, para análise, à Assembleia de Apuramento Geral, se considere nula a decisão ou impugnada e recorrida e se declare válido o resultado eleitoral do Plenário da Freguesia de Contim, realizado no dia 28 de Dezembro de 1997, de acordo com a acta da Assembleia Eleitoral'.
Com a petição de recurso, que deu entrada na secretaria do Tribunal Constitucional no dia 9 de Janeiro de 1998, pelas 16H44, por via de telecópia, foram juntas as cópias seguintes:
'- cópia da acta de eleição da Junta e protesto anexo
- Cópia do Requerimento apresentação dos candidatos da lista B no Tribunal de Montalegre
- Cópia da decisão sobre o assunto do Tribunal da Comarca de Montalegre
- Cópia dos Boletins de voto existentes no processo'
2. Não oferecendo duvidas que a presente hipótese respeita a um plenário de cidadãos eleitores, por se tratar da freguesia com menos de 200 eleitores (mais precisamente 199 eleitores), sendo a assembleia de freguesia substituída por esse plenário, o qual se rege, 'com as necessárias adaptações, pelas regras estabelecidas para a assembleia de freguesia e respectiva mesa'
(artigos 19º e 20º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, a LAL, regulando os artigos 4º a 9º desta Lei a matéria relativa à assembleia de freguesia), importa colher dos autos a sequência - diga-se já incomum - dos actos do respectivo processo eleitoral e que é esta:
- no dia 28 de Dezembro de 1997, pelas 10 horas, 'reuniu o plenário dos cidadãos eleitores da freguesia de Contim para se proceder à eleição da Junta de freguesia e da mesa do Plenário', e foram apresentadas duas listas, a A e a B, cuja composição está identificada pelos nomes dos candidatos, seguindo-se a votação, cujo resultado deu 63 votos para a lista A, 62 votos para a lista B e 1 voto nulo (e ainda 0 votos brancos no universo de 126 votantes), tudo conforme consta da respectiva acta.
- com a mesma data de 28 de Dezembro, foi apresentado manuscrito um voto de protesto, assinado por 3 eleitores, relativamente à validação de um voto para a lista A, dizendo-se que a 'Mesa do Plenário, por maioria, com o voto vencido do seu Presidente, decidiu considerar o voto duvidoso, que apresenta vários traços sobrepostos, como válido para a lista A'
(e na citada acta está manuscrito o seguinte: 'Terminada a votação, a mesa recebeu um protesto considerando um voto reclamado ou duvidoso mas que a mesa do plenário considerou válido por maioria para a lista A, porque já tinha considerado outros votos pelas mesmas razões para a lista B pois todos são claros na intenção do voto') '.
- com a data de entrada em 5 de Janeiro de 1998 na secretaria judicial de Montalegre, foi dirigido à 'Senhora Juíza de Direito do Tribunal Judicial de Montalegre' um requerimento subscrito pela advogada S... e em nome de R..., invocando a qualidade de 'Presidente da Mesa de Voto da freguesia de Contim', e M..., na qualidade de 'candidato à junta de freguesia pela lista B', em que se vem 'expor' o que já ficou relatado quanto ao acto eleitoral em causa e 'requerer' que seja declarado 'nulo o voto protestado' e fixados 'os resultados defenitivos na referida eleição', com o fundamento de que
'o voto em questão é nulo, uma vez que o eleitor fez vários riscos no boletim, não é possível saber qual a intenção de voto'.
- com a data de 7 de Janeiro de 1998 foi proferida pela Mmª Juíza o seguinte despacho, conhecendo do dito 'protesto':
'Analisado o boletim sobre o qual recaiu o protesto o tribunal entende que o mesmo deve ser considerado nulo. Com efeito, o inscrito sobre o boletim de voto em questão não aponta nem para a lista A (um traço) nem para a lista B (dois traços). A pessoa em causa desenhou vários traços, deixando dúvida sobre a sua intenção de voto. Comparando o boletim em causa com os restantes mais ficamos convictos de que o boletim deve ser considerado nulo, uma vez que em todos eles foram desenhados ou um traço ou dois, consoante a intenção de voto.
Concluindo, a existência de vários traços sobrepostos deixa sérias dúvidas sobre qual teria sido a intenção de voto, pelo que o tribunal decide considerá-lo nulo.
É o que se determina' (despacho notificado àquela advogada em 8 de Janeiro de
1998).
3. Desde logo interessa ter em conta a competência do Tribunal Constitucional em matéria de regularidade e validade dos actos de processo eleitoral, na óptica da aplicabilidade das disposições sobre contencioso eleitoral autárquico constantes do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, como é entendimento do Tribunal Constitucional (cfr. os acórdãos nºs
2/ /94, 6/94 e 11/94, publicados todos no Diário da República, II Série, nº 111, de 13 de Maio de 1994).
É que, de acordo com aquele regime legal, e por força do disposto no artigo 103º, as irregularidades ocorridas no apuramento dos resultados da votação - aqui seria a irregularidade relacionada com a caracterização de um voto como válido ou nulo - podem ser apreciadas em recurso contencioso, cujo objecto é a decisão incidente sobre a reclamação ou protesto
(e in casu houve protesto e ele foi recebido e decidido, melhor, implicitamente decidido, pela Mesa do Plenário, no sentido desfavorável aos apresentante do protesto).
Em parte alguma do citado Decreto-Lei nº 701-B/76
(remetendo para ele o artigo 102º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) se prevê
'recurso contencioso' de decisão de juiz de comarca, como é a hipótese sub judicio, tomada sobre um requerimento, decorridos oito dias sobre o acto eleitoral, subscrito por advogada, e em nome de dois dos apresentantes do citado protesto, e na qual expressamente se decidiu considerar nulo um voto.
No entanto, sendo competente o Tribunal Constitucional, em matéria de contencioso eleitoral relativo a órgãos do poder local, competindo-lhe julgar 'em última instância a regularidade e a validade dos actos de processo eleitoral, nos termos da lei' (artigo 223º, nº 2, c), da Constituição), cabe-lhe conhecer do presente recurso que tem por objecto uma decisão proferida por juiz de comarca (cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional nº 424/87, nos Acórdãos, 10º volume, pág. 645). Conhecer in casu para apurar se tal decisão foi proferida 'sem que o juiz seu autor tivesse competência para a emitir', talqualmente se expressa o citado acórdão.
A resposta é a mesma a que se chegou nesse aresto:
'Em verdade, o Tribunal Constitucional é o único competente para conhecer do recurso previsto nos artigos 103º e seguintes do citado Decreto-Lei nº 701-B/76, para tanto intervindo em primeira e única instância (cf. artigo 8º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 5º da Lei nº
143/ /85, de 26 de Novembro).
Havendo assim a decisão recorrida sido proferida por quem era absolutamente incompetente para o fazer - e mais: por quem devia oficiosamente ter-se julgado incompetente (cf. o artigo 102º, nº 1, do Código de Processo Civil) -, é a mesma
írrita e nula.
Por isso mesmo, tudo se deve passar como se tal decisão não tivesse sido proferida - conclusão a que não obsta o facto de aquela incompetência não haver sido arguida nesta instância.
É que, não vigorando neste tipo de processos os princípios do dispositivo e do contraditório, não podem neles aplicar-se as regras do processo civil que disciplinam a incompetência absoluta do tribunal'
Também aqui, por consequência, tem de se declarar nula a decisão recorrida, sem haver lugar a tomar conhecimento do resultado da eleição do Plenário da freguesia de Contim.
4. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso e declara-se nula a decisão recorrida.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1998 Guilherme da Fonseca Messias Bento Maria Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa