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Processo n.º 644/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 510/2010, que ora se transcreve:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pela 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 09 de Junho de 2010 (fls. 582 a 600), para que seja apreciada a constitucionalidade da:
“(…) interpretação normativa adoptada pelo acórdão recorrido para o art. 358º nº 1 do C.P.P. – no sentido de que a comunicação de alterações não substancia[i]s de factos constantes da pronúncia pode ser fundamentada através de um mero rol de meios probatórios, de centenas de inquirições de arguidos, assistentes e testemunhas e de milhares de documentos, colocados a eito, sem a exibição de qualquer critério ou a apresentação de qualquer justificação, tal como consta do despacho em causa” (fls. 610 e 611).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 612), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que os mesmos não estão preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Importa, desde logo, prevenir que o Tribunal Constitucional funciona como mero órgão de recurso relativamente a decisões sobre questões de constitucionalidade normativa, pelo que apenas pode conhecer de questões normativas que tenham sido efectivamente aplicadas pelos tribunais recorridos, conforme decorre do artigo 79º-C, da LTC.
Consequentemente, esta é a sede para o confronto entre os princípios e normas constitucionais e a interpretação normativa efectivamente acolhida pelo tribunal “a quo”. Assim sendo, há que descortinar qual a concreta interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida, pois só essa pode ser alvo de apreciação pelo Tribunal Constitucional, sob pena de este se substituir ao tribunal “a quo” na determinação do direito infra-constitucional aplicável.
Ora, da leitura e análise da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa extraem-se, por decisivos, os seguintes excertos:
“A lei processual impõe, naturalmente, que todos os Despachos Judiciais sejam fundamentados, de facto e de direito, por decorrência dos princípios constitucionais invocados pelo recorrente.
Porém, “só em casos pontuais, máximo quanto à sentença, acto decisório por excelência, é que a lei especifica pormenorizadamente os requisitos da fundamentação” - artigos 374° n°3 e 379° n°1 al. a), do Código de Processo Penal.
Nos demais casos, entende a Jurisprudência tem entendido que basta que as decisões contenham, ainda que de forma resumida ou sumária, os elementos que permitam concluir que: «a) O julgador ponderou os motivos de facto e de direito da sua decisão - isto é, não agiu discricionariamente; b) a decisão tem virtualidade para os interessados e os cidadãos em geral se convencerem da sua correcção e justeza; e c) o controlo da legalidade não é prejudicado pela forma como foi proferido”.
No caso em apreço, o Despacho recorrido procede a uma extensa enumeração das provas produzidas em Audiência de Julgamento que constituem a base material em que assentou a sua ponderação de modificação da matéria de facto.
É curial referir, que tal modificação não representa um pré-juízo sobre matéria provada ou não provada mas antes e tão só uma possibilidade de alargamento da esfera de cognição do Tribunal para dar eficaz cumprimento ao princípio da verdade material.
E também que, repete-se, não assumindo o Despacho recorrido a natureza de uma decisão final, não lhe era legalmente exigível que procedesse a uma maior ou mais explicita fundamentação que a realizada. Pois que, nunca poderia este Despacho, pela sua própria natureza, frisa-se, antecipar uma decisão de fixação de factos e como tal, indicar ponto por ponto as provas que serviram para firmar a sua convicção quanto à ocorrência, ou não ocorrência, de qualquer facto.
Tal como o expressou o Professor Figueiredo Dias, ao Direito Processual Penal ninguém hoje contesta a natureza de Direito Constitucional aplicado, pelo que as questões de regulação do processo criminal, as formas e os modos de as equacionar e resolver, não são meras questões técnicas, desprovidas de quaisquer concepções, mas antes representam as formas e os modos pelas quais a lei adjectiva garante aos cidadãos e cidadãs a fidelidade ao sistema jurídico em que se insere.
(…)
Ora, “in casu”, mostra-se respeitado o acima citado princípio constitucional com a indicação detalhada de toda a prova produzida, cuja extensão advém não apenas da amplidão da matéria fáctica em causa, mas também do número de arguidos em julgamento. Indicação esta que, como resulta dos Autos, não obstou a que o recorrente pudesse ter requerido a produção de prova suplementar para contraditar os factos constantes do Despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 358° do CPP.
Circunstância que, por si só, revela não se mostrar restringida a sua op6rtunidade de defesa, mas, antes, efectivamente, assegurada.” (fls. 596 a 599)
A decisão recorrida não se limitou pois a afirmar que a fundamentação de um despacho, para os efeitos previstos nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 358º do CPP, podia ser feita por mera remissão para “mero rol de meios probatórios, de centenas de inquirições de arguidos, assistentes e testemunhas e de milhares de documentos, colocados a eito, sem a exibição de qualquer critério ou a apresentação de qualquer justificação, tal como consta do despacho em causa”. Pelo contrário, notou bem que, por um lado, o grau de fundamentação do referido despacho não seria tão intenso como o de uma decisão final condenatória e que, por outro lado, a própria fundamentação – tal como efectivamente ocorrida nos autos – teria permitido ao recorrente conhecer o objecto da alteração da qualificação jurídica, tanto assim que o próprio recorrente havia requerido meios complementares de prova, com vista a contraditar tal alteração.
E, de facto, em boa verdade, não pode descurar-se que a alteração de qualificação jurídica em causa nos autos, no que diz respeito exclusivo ao ora recorrente, apenas abrange a consideração de que determinados factos praticados por um dos co-arguidos configuravam não a prática de apenas um crime – tal como fixado na acusação –, mas antes a prática de dois crimes. Senão veja-se o despacho proferido, para efeitos de comunicação da alteração jurídica:
“B- Comunicação já feita na audiência de Julgamento de 14/12109 ( fls. 63.685 a 63.687):
I - Factos relativos ao Assistente B., em que é imputada a prática de crime(s) ao(s) arguidos C. e A.:
1. Que os factos descritas a fls. 20.892 a 20.896, “Ponto 4.3.1.”, do Despacho de Pronúncia, concretamente no que diz respeito à qualificação jurídica dos factos quanto ao arguido C., podem integrar:
- não a prática de um crime p. e p. pelo art° 172°, nº 1, do C. Penal, mas a prática de dois crimes p.e p. pelo art° 172°, nº 1, do C. Penal, na versão em vigor à prática dos factos, sem prejuízo da aplicação da lei mais favorável, nos termos do art° 2°, do C. Penal.” (fls. 451)
Por outro lado, nem sequer se pode afirmar que o próprio despacho de comunicação para efeitos de alteração da qualificação jurídica se tenha limitado a apresentar um mero rol de meios probatórios, “sem a exibição de qualquer critério ou a apresentação de qualquer justificação, tal como consta do despacho em causa”. Com efeito, foi este o teor do referido despacho:
“II — Despacho de fls. 63.918 a 63.960 e Despacho que antecede — reparação (parcial), do Despacho de fls. 63.631 a 63.635 e 63.685 a 63.687: comunicação de alterações de facto nos termos do art° 358°, do C.P.Penal:
Na sequência do Despacho de fls. 63.918 a 63.960 e do Despacho que antecede, o Tribunal vai proceder à leitura da comunicação que tem a fazer nos autos, de alteração não substancial de factos descritos no despacho de pronúncia, procedendo à decidida reparação das comunicações feitas pelo Despacho de fls. 63.636 a 63.639, em 23/11/09 e de fls. 63.685 a 63.687, em 14/12/09:
Em relação ao objecto do Processo nº 171 8/02.9JDLSB — Processo” Principal” (NUIPC 171 8/02.9JDLSB) -, face a toda a prova produzida em audiência de julgamento, entre a qual ( mas sem prejuízo da que não for neste momento expressamente mencionada):
- as declarações prestadas pelos arguidos em audiência de julgamento;
- as declarações prestadas pelos Assistentes em audiência de julgamento;
- o depoimento das testemunhas que foram ouvidas pelo Tribunal, entre as quais: as que exerceram cargos de Direcção na Casa Pia de Lisboa ou de Colégios da Casa Pia de Lisboa, das testemunhas que exerceram funções de educadores/monitores nos Lares da Casa Pia de Lisboa, das testemunhas que exerceram funções como administrativos, porteiros, motoristas, professores ou, mesmo não sendo funcionários da Casa Pia de Lisboa, no refeitório da Casa Pia de Lisboa; as que prestaram depoimento sobre o Imóvel sito na Avenida das Forças Armadas (Lisboa) e sobre o Imóvel sito na Alameda D. Afonso Henriques (Lisboa), identificados no Despacho de Pronúncia; a testemunha D., irmã do assistente E.; as testemunhas apresentadas pelo arguido F., entre as quais as suas irmãs e sobrinhos, funcionária do seu consultório, bem como a testemunha G.;
- o teor dos documentos constantes nos apensos dos autos, entre os quais, os Apensos ABA-f); AR (1 volume); BF, BF-1 a BF-6, BF-7, BJ (Pasta 2), BP, BQ (volumes 1 e 7); BR Sobrescritos 3 e 4; BU-L: BV (5 volumes); BX; CB; CC (3 volumes); CG; CH; CQ; DA; DJ; DQ; DX; DZ (7 volumes); EA; EE; EF; EI; EJ; EK; EL (2 volumes), J; K; L; S-L; T; V, Caixa 1, sobrescrito 25 (suportes informáticos enviados com os ofícios de fls. 7.072, 7.096, 7.108, 7.648), sobrescrito 29 e sobrescrito 42; V, Caixa 2, sobrescritos 1, 18 e 36; V, Caixa 3, sobrescrito 16 e 19; W-1; W-5 (dois volumes); W9 (2 volumes); W10 (10 volumes); W-11 (8 volumes); W-12 (1 volume); Y; Z-9 (1 volume); Z-10; Z-11 (2 volumes); Z-12; Z-13; z-15 (5 volumes); z-17 (1 volume);
- o teor dos documentos de fls. 231 a 262 (Lista dos Lares, educandos, Docentes, Educadores e demais equipa/pessoal dos lares da Casa Pia de Lisboa), fls. 3.122 a 3.139 ( Lista dos educandos internos da CPL, Lares e colégios a que pertencem), fls. 33.333 a 33.343: fotocópia das fotografias constantes de fls. 10 a 20, do apenso AS; fls. 33.762 (auto de recepção definitivo pelo Colégio Pina Manique, da empreitada para execução de uma pista de Skate, datado de 24 de Setembro de 1997), fls. 34.937 e 34.938 (Documentos relativos à inauguração da estação do Metro do Cais do Sodré, 18/04/98); fls. 36.291 (informação da Casa Pia de Lisboa, data de 17/01/06, sobre horários de E. e remetendo cópia de horários e pautas - fls. 36.292 a 36.297); fls. 36.345 a 36.546 (Ofício da Casa Pia de Lisboa e horários de alunos, entre os quais B. e E.; fls. 38.070 a 38.084 (Processo licenciamento do prédio da Rua das Forças Armadas, Lote .., no …), fls. 41.129/30 (Documentos entregues pela testemunha H.), fls. 41.387 a 41.401 (documentos entregues pela testemunha I., relativos a “contrato promessa de arrendamento” da fracção A, R/C Loja, Bloco .., Lote ., do prédio sito na Av. Das Forças armadas em Lisboa, a Casa J., datado de 21 de Janeiro de 1992; “Autorização de obras” ao inquilino do .. loja e R/C Esq., do lote ., Bloco .., da Av. Das Forças Armadas, Casa J., datado de 21 de Janeiro de 1992; uma folha com “ Contrato de Arrendamento” a L., do R/C Esq., do prédio sito na Av. Das Forças armadas, Bloco ., Lote C. aposto inicio em 1 de Outubro de 1995; Contrato promessa de arrendamento a L., da fracção designada pela letra A, correspondente à Loja, com entrada pelo no .. a ., da Av. Das Forças armadas, torneando para a Rua Sanches Coelho, nº .., datado de 2 de Fevereiro de 1998; Contrato Promessa de Arrendamento a L., do R/c Dtº, do prédio sito na Av. Das forças armadas Bloco ., Lote .., datado de 1 de Janeiro de 1987; Contrato de arrendamento a L., da Fracção D, do prédio sito na Av. das Forças Armadas, Bloco .., lote .., 1° andar Frente, datado de 6 de Julho de 1988), Fls. 41.521 a 41 539 (Documentos remetidos pela testemunha M., relativos a obras feitas na Av. Das Forças Armadas, (lote ..), nº .., 2° Dto, entre os quais orçamento datado de 18/05/01 ( cfr. FIs. 41.522), cópia de escritura de mútuo com hipoteca datada de 15/10/01 ( cfr. Fis. 41.528/39); fls. 41.562 a 41.571:
Documentos entregues pela testemunha I., referentes a contrato de trabalho da L., sita na Av. Das Forças armadas, Bloco ., lote .., lº Frente e N.; contrato de trabalho da L., sita na Av. Das Forças armadas, Lote .., Bloco .., 1° Frente e O., P. e O.; declaração de remunerações da L. referente a Maio de 2002, com data aposta de 15/06/02; declaração de rendimentos da Casa J., com data de recepção de 28/04/99; cópia de folha de modelo 10 da L., com identificação de listagem de rendimentos para o ano de 1998; Fls. 42.605 a 42.613 (documentos apresentados pela testemunha Q.); Fls. 43.521 a 43.791 ( Documentos remetidos pela CML relativamente ao Processo de Obras na Travessa das Galinheira nº .., .. e .., em Lisboa); fls. 43.960 a 43.997 (Documentos remetidos pela R., envio de projecto de arquitectura do Edifício da Rua das Galinheiras, no .., .. e .., em Lisboa); Fls. 45.213 (Oficio da CPL a enviar relação de educando internos e equipas técnicas de cada um dos lares da CPL, de 1997 a 2002; Mapa dos directores e Coordenadores dos estabelecimentos entre 1997 e 2002, elementos que se encontram no Apenso Z-10); fls. 48.166 a 48.173 (Documentos apresentados pela testemunha S. referentes a factura de mesa de bilhar (fls. 48.167, 23/09/97, “T. Lda”, Rua Escola Veterinária), compra de sofá (fls. 48.168, aposta a data 29/02/00, T. Lda. e fls. 48.169, aposta a data 17/03/04), remoção da mesa de bilhar (fls. 48.170, aposta a data 13/04/04, Índigo Lda., Rua António Saldanha), factura de obras de entrada de hall( fls. 48.172, aposta a data de 22/11/05) e CD com fotografias de mesa de bilhar e interior de habitação, relacionados T.,Lda e com prédio sito na Rua António de Saldanha, nº .., em Lisboa): Fls. 50.759 a 50.761 ( Documentos remetidos pela Casa Pia de Lisboa, referentes à colocação de película anti-reflectora nos Vidros do R/C da Provedoria, com auto de recepção datado de 28/05/02); Fls. 50.762 a 50.765 ( Documentos remetidos pela Casa Pia de Lisboa, referentes à abertura de processo para execução de refeitório na cave da Provedoria, datado de 31/03/99; comunicação no processo de execução do novo refeitório, datada de 23/06/99; auto de consignação para inicio imediato dos trabalhos, datado de 22/07/99; e auto de recepção provisória datado de 12/09/01); Fls. 52.615/6 (Contrato de arrendamento entre U. e F., do 1°, andar Dtº, do nº 17 do prédio da Travessa das Galinheiras, em Lisboa, com início em 1/01/93, datado de 2/12/92): Fls. 52.617/9 (Doc. da Epal para fornecimento de água na Travessa das Galinheiras nº .., 1º Dt°, em nome de F. e recibo de pagamento de fornecimento de contador, datado de 29/12/92); Fls. 52.620 (Doc. Da EDP referente a fornecimento na Trav das Galinheiras nº .., 1° Dtº, em Lisboa, em nome de F., datado de 29/12/92); Fls. 52.621/2 (Doc. Dos TLP, requisição de telefone para a Travessa das Galinheiras nº .., l Dt°, em Lisboa, em nome de F., datado de 30/12/92); Fls. 52.623/4: Doc. CML, de cópia da informação do processo referente à Travessa das Galinheiras nº .. e .., datado de 24107/96; Eis. 52.625/6: certidão do certificado de Vistoria sanitária do prédio sito na travessa das Galinheiras nº .., 1° Dt°, em Lisboa, datado de 17/10/96; Eis. 52.627/8: Doc. Do serviço Nacional de Bombeiros, para efeitos de concessão de alvará do prédio sito na Travessa das Galinheiras nº 17, 1° Dt°, em Lisboa, datado de 5/6/97; fls. 52.738 a 52.768: Doc. Apresentados pelo arguido F., referentes a veículo FERRARI, matrícula …. / …./ ……. fls. 54.748 a 54.808 e fls. 55.553 a 55.647: Relatório da perícia feita ao arguido C., Hospital Magalhães Lemos, pelo Prof. Dr. V., e Sra. Dra. X. e cópia dos testes aplicados (fls. 55.553 a 55.647); fls. 54.873 a 54.880 (oficio da CPL com informação e documentos pedidos pelo arguido Z. sobre programa de comemorações do 3 de Julho de 1999, espectáculo realizado em 4 de Julho de 1999 na Fil, fotografias tiradas nestes dias com o arguido Z. em 3/07/99 e 4/07/99 (fls. 54.877 a 54.880); fls. 54.891 a 55.076 (Documentos remetidos pela Casa Pia de Lisboa, a pedido do arguido Z., pagamentos mensais relativos ao telefone nº 91 ……., utilizado pelo arguido Z. e referentes ao período de 1999 a 2001); fls. 60.043/4: documento da AA., junto pelo arguido A. (relativo a contagem de notícias e tempo de emissão, ano de 2002, 2003, 2004, referentes a A. e Casa Pia); Fls. 60.314/9 e 60.403/8 (Ofic. da CPL, a remeter os documentos de fls. 60.315/9, referentes a adjudicação e auto de recepção do arquivo de carril instalado na cave da Provedoria, estando o auto de recepção de fls. 60.317 e 60.406 datado de 3/11/98); Fls. 60.320 (Oficio da BB. a enviar 3 DVDs, contendo notícias sobre o processo Casa Pia, emitidas nos Jornais noticiosos durante Janeiro e Fevereiro de 2003); Fis. 60.412 (Oficio da BB. a enviar dois DVDs referentes a peças noticiosas do processo Casa Pia, emitidas nos serviços noticiosos durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2003 e de 14 a 21 de Fevereiro de 2003); Fls. 60.421 (Oficio da SIC a remeter DVD com gravação pedida pelo tribunal no ofício de 2/10/08); Fls. 60.687 (Ofic. da BB. a enviar 2 DVDs, com entrevistas concedidas por alunos da CPL e emitidas entre 25 de Novembro de 2002 a 24 de Novembro de 2003);
o Tribunal considera que está indiciado e, por conseguinte, poder vir a considerar para efeitos de eventual integração no objecto do presente processo e/ou para alteração da qualificação jurídica dos factos, o seguinte: (….)” (fls. 443 a 447).
Do referido despacho decorre que o mesmo não se limitou a apresentar um rol de meios probatórios, tendo antes seleccionado, de modo individualizado, quais os meios pertinentes para a formação da convicção quanto à alteração da qualificação jurídica. Designadamente, decorre do referido despacho que: i) os testemunhos considerados dizem respeito, “grosso modo”, a factos praticados no imóvel sito na Avenida das Forças Armadas (Lisboa) e no imóvel sito na Alameda D. Afonso Henriques (Lisboa), a factos relatados pela testemunha D., irmã do assistente E. e pelas testemunhas apresentadas pelo arguido F., entre as quais as suas irmãs e sobrinhos, funcionária do seu consultório, bem como pela testemunha G.; ii) os documentos considerados foram individualizados e, “grosso modo”, dizem respeito a factos praticados nos imóveis sitos na Avenida das Forças Armadas (Lisboa), no imóvel sito na Alameda D. Afonso Henriques (Lisboa) e na Travessa das Galinheiras nº 9, 11 e 13 (Lisboa).
Em suma, torna-se evidente que a decisão recorrida não aplicou efectivamente a interpretação normativa reputada de inconstitucional pelo recorrente, relativamente ao n.º 1 do artigo 358º do CPP. Como tal, na medida em que o artigo 79º-C da LTC apenas permite ao Tribunal Constitucional conhecer da constitucionalidade de normas que tenham sido efectivamente aplicadas pelos tribunais recorridos, mais não resta do que verificar a impossibilidade de conhecimento do presente recurso.
4. Por último – e a título meramente subsidiário, sublinhe-se –, diga-se ainda que, mesmo que se viesse a conhecer do objecto do presente recurso, é jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional (ver Acórdãos n.º 310/94, n.º 680/98, n.º 147/2000 e n.º 281/2005, disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), que o dever de fundamentação de decisões assume uma geometria variável, podendo ser mais ou menos amplo, consoante se trate de decisões que julgam, de fundo, a questão principal objecto dos autos, ou de decisões meramente interlocutórias. Para além disso, a mesma jurisprudência tem alertado para a circunstância de o legislador ordinário gozar de uma particular liberdade quanto à definição da amplitude do dever de fundamentação, apenas sendo configuradas como inconstitucionais as normas (ou as interpretações normativas) que esvaziem completamente de conteúdo tal fundamentação, designadamente, aquelas que impeçam os sujeitos processuais de apreender o sentido essencial da decisão jurisdicional. Por último, a referida jurisprudência tem admitido, expressamente, a possibilidade de fundamentação mediante mera remissão para outras decisões jurisprudenciais.
Assim sendo, e independentemente de um juízo mais profundo – que apenas seria levado a efeito, caso não subsistisse o fundamento supra referido que obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso – a interpretação normativa que assenta na remissão do despacho para os meios probatórios constantes dos autos e produzidos durante a extensa audiência de julgamento aparenta não ser incompatível com a dimensão constitucional do dever de fundamentação de decisões interlocutórias.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.”
2. Inconformado, o recorrente apresentou a seguinte reclamação:
“1. A decisão sumária funda-se nos seguintes argumentos:
a) A decisão recorrida não se teria limitado a seguir a interpretação normativa ora em causa, mas também a argumentar que: i) o grau de fundamentação do despacho interlocutório não teria de ser tão intenso como o de uma decisão final condenatória; ii) a eventual deficiência da fundamentação não teria impedido o recorrente de ter requerido a produção de prova suplementar;
b) Por outro lado, não se poderia dizer que o despacho recorrido se teria limitado a apresentar um mero rol de meios probatórios, pelo que não teria sido efectivamente aplicada a interpretação normativa reportada de inconstitucional;
c) Por último, diz-se ainda que a fundamentação efectuada não aparenta ser incompatível com a dimensão constitucional do dever de fundamentação de decisões interlocutórias.
2. Ressalvado o devido respeito, não tem razão a Sra. Conselheira Relatora.
Primeiro, porque não se contesta que o grau de exigência na fundamentação não é igual para todas as decisões judiciais, o que expressamente se reconhece; a questão está em que tem que haver uma fundamentação mínima, mesmo que rudimentar e sumária, que permita ao destinatário compreender a razão de ser da decisão.
Segundo, porque não é do facto de o recorrente ter, por cautela, requerido a produção de prova que se pode retirar que compreendeu a razão de ser do despacho que lhe foi notificado; tal cautela não representa a renúncia a qualquer direito.
Terceiro, porque tais questões são acessórias na decisão recorrida, a qual se ancora — no essencial e substancial — na circunstância de ter considerado que o rol de meios probatórios apresentado é suficiente para os efeitos da exigência constitucional de fundamentação.
Quarto, porque é manifesto que o despacho em causa se limita a apresentar um rol de meios probatórios, colocados a eito, sem a exibição de qualquer critério ou a apresentação de qualquer justificação.
Diz-se na decisão ora reclamada que — no que toca ao arguido A. — ele bem terá percebido que a alteração diria respeito a factos praticados num imóvel na Av. das Forças Armadas, em Lisboa! Tem-se dificuldade em acompanhar o raciocínio da Sra. Conselheira Relatora, porque tal referência não acrescenta nada à razão pela qual se considerou que o facto em causa praticado nesse prédio, afinal, poderia ter ocorrido num ano diferente. E é isso o que é relevante, como parece evidente.
A verdade é que estamos perante um mero rol de meios probatórios, o que, em jurisprudência já antiga do Tribunal Constitucional, se decidiu que não é compatível com o dever de fundamentação (acórdãos do TC nº 680/98 e 367/2003).
Quinto, porque, não se contestando a tese de que o dever de fundamentação assume uma geometria variável, parece certo que em nenhum caso se deve entender que é suficiente a apresentação de um mero rol de meios probatórios colocados a eito, donde ninguém — sublinha-se, ninguém — pode retirar o que é que levou o Tribunal, ao fim de cinco anos de julgamento, a proceder à comunicação em causa.
Esta é uma questão de cidadania e, ressalvado o devido respeito, mal irá o Tribunal Constitucional se assim o não entender.
Por uma questão de lealdade processual, deixa-se desde já ficar registado que, a fim de não esgotar o prazo de seis meses após a prolação da decisão da Relação (por causa de alguma jurisprudência do TEDH), se apresentou já ao TEDH a comunicação da queixa por violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” (fls. 633 a 635)
3. Devidamente notificado, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
“1º
Pela Decisão Sumária nº 510/2010 não se tomou conhecimento do recurso porque a interpretação do artigo 358.º, n.º 1, do CPP, cuja inconstitucionalidade o recorrente pretendia ver apreciada, não tinha sido a aplicada na decisão recorrida.
2º
Efectivamente, como se diz na Decisão Sumária, na decisão recorrida entendeu-se que o despacho em causa estava suficientemente fundamentado, tendo em atenção a sua natureza.
3.º
Na mesma Decisão Sumária, demonstra-se clara e inequivocamente que o próprio despacho proferido na 1.ª instância, não se tinha limitado a apresentar um rol de meios probatórios, “tendo antes seleccionado, de modo individualizado quais os meios pertinentes para a formação da convicção quanto à alteração da qualificação jurídica”, dando-se, seguidamente, exemplos demonstrativos que levavam àquela conclusão.
4.º
Na reclamação agora apresentada o recorrente – não explicitando claramente porquê - continua a afirmar que o despacho não se encontra minimamente fundamentado e se está perante um rol de meios probatórios.
5.º
Ora, com atrás dissemos (artigo 2º e 3º), não foi esse o entendimento perfilhado pela decisão recorrida – o acórdão da Relação –, e bem, uma vez que o despacho proferido em primeira instância não se encontrava naquelas condições.”
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação ora deduzida assenta, primordialmente, na ideia de que o despacho proferido em primeira instância – e o consequente acórdão do Tribunal da Relação que conheceu sobre recurso daquele interposto – se limitou a apresentar um “mero rol de meios probatórios” (sic), impedindo o recorrente de preparar, de modo adequado, a sua defesa quanto a uma alteração da qualificação jurídica dos factos pelos quais vinha acusado.
Ora, conforme se demonstrou na decisão recorrida nunca se adoptou a interpretação normativa reputada de inconstitucional pelo ora reclamante.
Assim sendo, não subsistem quaisquer fundamentos que justifiquem a alteração da decisão reclamada, pelo que mais não resta do que proceder à sua confirmação.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 03 de Fevereiro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.