Imprimir acórdão
Procº nº 132/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. O Licº D... interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto recurso contencioso de anulação da decisão, proferida, por delegação do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações, pelo seu órgão directivo, por intermédio da qual foi indeferida a pretensão daquele no sentido de lhe ser atribuída pensão de invalidez.
Tendo, por sentença de 9 de Dezembro de 1996, sido negado provimento ao recurso - em síntese com base no fundamento de que se não provou nexo de causalidade entre a doença do recorrente e o serviço militar -, da mesma recorreu o impugnante para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo.
Na alegação que apresentou, concluiu o Licº D... do seguinte modo:-
'1º A improcedência do recurso fundamentou-se na inexistência de nexo de causalidade entre a doença do recorrente e o serviço militar.
2º Contudo a douta decisão, no seu ponto 2.4, apesar de ter dado como integralmente reproduzido nos autos, o Parecer Clínico elaborado pelo Médico Especialista, sustentáculo da decisão da Junta Médica e do acto recorrido, só acabou por atribuir relevância às conclusões do mesmo.
3º A douta decisão, não cuidou de fazer uma análise global à parte respeitante à fundamentação do Parecer, que pugna e sustenta que o «stress físico e ansiedade proveniente do Serviço Militar constituem exacerbação da doença preexistente».
4º O Parecer Clínico do Médico Especialista é coincidente e confirma (com excepção das conclusões) o outro Parecer elaborado anteriormente pela Junta Médica Militar, que atribuiu ao recorrente uma desvalorização de 12,5% por doença em serviço.
5º Ficou dado como matéria de facto provada, que os factores atinentes ao desempenho do serviço militar agravaram ou exacerbaram a doença preexistente.
6º As mencionadas conclusões do Parecer do Médico Especialista contradizem as premissas em que assenta.
7º O dito Parecer restringe a qualificação de doença em serviço, àquela que teve a sua génese no desempenho do mesmo.
8º O agravamento ou a exacerbação de uma doença preexistente também preenche a qualificação da «doença em serviço», encontrando acolhimento na lei.
9º Pelo que a matéria de facto sobre o nexo de causalidade encontra--se assente e devidamente provada.
10º O acto recorrido assenta em erro crasso ou notório, pois resulta com suficiente clareza para um destinatário normal, que as conclusões do dito Parecer do Médico Especialista não se ajustam e contradizem as premissas desenvolvidas na fundamentação.
11º Pelo que a douta decisão podia e devia apreciar, neste particular, a matéria de facto relativa ao nexo de causalidade, em que se veio a fundamentar o acto recorrido.
12º A douta decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação Lei nº
2127 e do artigo 38 alínea a) e c) do Estatuto da Aposentação.
13º Já se ultrapassaram 28 anos em que a doença do recorrente foi dada como adquirida em serviço, por despacho do C.I.R.M.M.
14º Situação de facto alcançada e desenvolvida no passado, que se traduziu na aquisição de uma «expectativa» fundada de aquisição de direito, com a qual o recorrente razoável e normalmente podia e devia contar.
15º Pelo que há uma violação directa do art. 2 do C.R.P., que a douta decisão devia ter contemplado'.
2. Por acórdão de 7 de Maio de 1998, negou o Supremo Tribunal Administrativo provimento ao recurso.
Disse-se, inter alia, nesse aresto:-
'.................................................................................................................................................................................................
A sentença deu como provada a inexistência de nexo de causalidade entre o serviço militar e a doença incapacitante considerando que se tratava de matéria de facto assente no parecer da Junta Médica de Revisão da Caixa Geral de Aposentações, subtraída por isso mesmo ao controle jurisdicional, salvo se tivesse ocorrido erro crasso ou notório, o que não era o caso.
O Recorrente discorda. Mas, sem razão.
Com efeito, para determinar o referido nexo de causalidade é necessário recorrer a regras de ordem técnica e científica (médica), do domínio da chamada ‘discricionariedade técnica’, que, segundo a jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, é insusceptível de sindicabilidade contenciosa, salvo em caso de erro manifesto ou grosseiro - (...).
Acresce que o acto impugnado goza da presunção de legalidade, extensiva à veracidade dos pressupostos de facto, o que obrigava o recorrente a provar o falado erro manifesto no apuramento de tal pressuposto.
E tal não sucedeu.
Desde logo, as posições sobre o nexo de causalidade entre a doença e o serviço militar assumidas pelos Serviços de Saúde do Ministério da Defesa Nacional, por um lado, e pelo médico especialista Dr. Luis Dutschmann e da referida Junta Médica, por outro, são opostas, sendo certo que é esta que, nos termos do art.º 119.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação, compete ‘determinar a conexão entre a incapacidade e o acidente de serviço ou facto equiparado’.
Ora, nada evidencia que a apreciação daqueles Serviços, do ponto de vista técnico-científico, seja mais correcta do que o juízo emitido pela Junta da Caixa, em termos de se poder afirmar que este assenta num erro notório ou grosseiro e justificar que se dê prevalência à posição defendida pelos primeiros em detrimento da assumida pela segunda.
................................................................................................................................................................................................'
Do acórdão de que parte se encontra transcrita pretendeu o Licº D... recorrer para o Tribunal Constitucional, fundado na alínea b) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82, de 5 de Novembro, por seu intermédio intentando a apreciação 'das normas contidas no nº 2 e seguintes do art.º 119º do Decreto-Lei
498/72 de 09 de Dezembro (Estatuto da Aposentação) quando confrontados com os nº.s 1 e 2 do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 de 20 de Janeiro e ainda com a Base V da Lei n.º 2127 de 03 de Agosto de 1965', normas que, em seu entender, violavam os artigos 2º, 16º, 18º, 266º e 268º, todos da Constituição.
O pretendido recurso, porém, não foi admitido por despacho de 2 de Julho de 1998, proferido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, com base na circunstância de a questão de inconstitucionalidade no mesmo referida só ter sido suscitada no requerimento de interposição.
É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação, na qual o ora impugnante defende que 'a interpretação dada à norma da decisão recorrida
(art.º 119.º n.º 2 do Estatuto da Aposentação) foi, de todo imprevisível, não podendo razoavelmente o reclamante, contar, com a sua aplicação', pois que a decisão desejada recorrer, ao interpretar 'de modo tão particular tal norma', assim postando o uso de tal interpretação como 'inesperado e insólito', tornou inexigível 'ao reclamante prever que essa interpretação viria a ser possível e viesse a ser adoptada na decisão'.
Tendo o Representante do Ministério Público tido «vista» dos autos, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. Adianta-se, desde já, que a reclamação sub specie não deve lograr deferimento.
Efectivamente, é facto assente, e como tal reconhecido pelo ora reclamante, que o mesmo, antecedentemente à prolação do acórdão pretendido recorrer, não suscitou qualquer questão de desconformidade com a Constituição, quer relativamente à norma constante do nº 2 do artº 119º do Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro (ou às normas dos números 2 e seguintes desse mesmo artigo), quer a uma sua qualquer forma de interpretação.
Tratando-se de um recurso que foi desejado interpor ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, sobre o ora reclamante impendia o
ónus de, precedentemente à decisão que se desejava impugnar perante este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, colocar a questão da inconstitucionalidade daquela norma (ou daquelas normas) ou de um seu dado modo interpretativo.
O que não fez.
2. Invoca, porém, o reclamante que da interpretação normativa que agora questiona só veio a ter conhecimento com a prolação do acórdão tirado pelo Supremo Tribunal Administrativo e, porque essa interpretação se apresentou como inesperada e insólita, não seria exigível que, antes de uma tal prolação, com ela viesse a contar, motivo pelo qual não poderia ter cumprido o ónus acima indicado.
É certo que este Tribunal, respeitantemente ao requisito consistente na suscitação, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade normativa, tem admitido a existência de situações excepcionais em que se aceita a interposição de recurso fundado na aludida alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 sem que o recorrente, antes da decisão intentada impugnar, tivesse suscitado a questão de inconstitucionalidade.
Uma dessas situações é, precisamente, aquela em que a «parte» é surpreendida com uma interpretação e aplicação de norma - levadas a efeito de modo de todo em todo inesperado, inusitado e insólito na decisão querida recorrer -, com as quais um operador jurídico normal, de forma razoável, não poderia contar. Daí que, perante a irrazoabilidade de previsão sobre aquelas insólitas ou inusitadas interpretação e aplicação, tenha este Tribunal, nas ditas situações, considerado dispensável o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade.
Dessa postura seguida pelo Tribunal Constitucional, segue-se, também, que, se a interpretação e aplicação se não apresentaram como inesperadas, inusitadas e insólitas, não haverá lugar à dispensa do referido
ónus.
2.1. Assentes estes considerandos, há inequivocamente que reconhecer, como de modo claro deflui da transcrição acima efectuada, que, in casu, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, tocantemente ao nº 2 do artº
119º do Estatuto da Aposentação, não lhe conferiu nenhuma interpretação que, seja porque modo for, possa ser considerada como inusitada ou insólita.
De facto, aquele aresto limitou-se, ao apelar a tal normativo, a dizer o que o respectivo teor literal prescreve, ou seja, que compete à Junta Médica de Revisão determinar a conexão entre a incapacidade e o acidente em serviço ou facto equiparado.
Vale isto por dizer que, contrariamente ao defendido pelo reclamante, com a interpretação e aplicação levadas a cabo, referentemente à mencionada norma, pelo acórdão tirado no Supremo Tribunal Administrativo, qualquer operador jurídico, razoavelmente, podia contar, justamente pela circunstância de as mesmas em nada se terem afastado do respectivo teor literal.
Acresce que os juízos jurídicos efectivados por aquele aresto se não diferenciaram em nada daqueloutros que tiveram lugar na sentença proferida no Tribunal Administrativo de Círculo, pelo que, se o ora reclamante entendesse que tais juízos, estribados na norma do nº 2 do artº 119º do Estatuto da Aposentação
(e, mais concretamente, na interpretação desse preceito), enfermavam de inconstitucionalidade, ser-lhe--ia exigível que colocasse uma tal questão no recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo.
O que, de todo em todo, não fez.
Não se coloca, em consequência, no vertente caso, nenhuma situação semelhante àquelas em que este Tribunal tem dispensado o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade.
III
Em face do exposto desatende-se a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando em 15 unidades de conta a taxa de justiça. Lisboa, 10 de Março de 1999 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa