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Proc. nº 379/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A... intentou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato de trabalho contra C..., EP, em liquidação, na qual pedia a condenação desta no reconhecimento do seu crédito, no montante de 2.112.624$00 e a inclusão deste montante no mapa respectivo.
Por sentença de 16 de Novembro de 1995, o Juiz a quo, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a C... a reconhecer os créditos do Autor, no montante de 1.619.987$00, a título de indemnização pelo despedimento, de 304.987$00, a título
de diferenças salariais e de 55.484$00 a título de juros.
Nessa decisão julgou-se inconstitucional a norma constante do artigo
4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio.
2. Dessa decisão veio a C... interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 2 de Outubro de 1996, a Relação de Lisboa, concedendo total provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e absolveu a C... do pedido.
3. Inconformado, veio o recorrente interpor recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo na sua motivação de recurso, entre o mais, que o aresto recorrido «fez aplicação de norma considerada inconstitucional com força obrigatória geral» pelo Acórdão nº 162/95 do Tribunal Constitucional.
Nas suas contra-alegações, a recorrida C... entendeu que «a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artº 4º nº 1 al. c) do D.L. 137/85, de 3 de Maio, não obsta ao entendimento de que os contratos de trabalho se extinguiram, por caducidade, nos termos gerais de direito», pelo que não «seria, assim, devida qualquer indemnização ao apelado por cessação do seu contrato de trabalho a título de despedimento colectivo».
No seu parecer, o Ministério Público pronunciou- -se no sentido da improcedência da revista, por proceder a remissão abdicativa dos créditos do recorrente.
Por acórdão de 28 de Maio de 1997, o STJ negou a revista e confirmou o acórdão recorrido.
Entendeu-se nesse aresto:
Nos termos do artº 4º nº 1 al. c) daquele DL [137/85, de 3 de Maio], a extinção da 'C...' implicava a 'extinção por caducidade imediata, de todos os contratos de trabalho em que fosse parte a referida 'C...'. Tal normativo foi já declarado inconstitucional com força obrigatória geral, pelo Acórdão nº 162/95 do tribunal Constitucional (in DR, I-A série, de 8 de Maio de 1995).
Pensamos, todavia, que a extinção da referida empresa pública por
'factum princípis' implicou necessariamente a caducidade dos contratos de trabalho que mantinha com vista ao desenvolvimento da sua actividade empresarial - à luz do disposto no artº 8 nº 1 al. b) do DL nº 372-A/75 de 16 de Julho, então vigente.
E, entendendo embora que essa caducidade não significava que o trabalhador não gozasse de um direito de indemnização pela cessação do vínculo contratual, e bem assim, não prejudicava a faculdade de o trabalhador reclamar outros direitos emergentes do seu contrato de trabalho, veio, no entanto, a julgar válida a remissão abdicativa operada pela declaração de quitação do recorrente, pelo que estariam extintos aqueles créditos do recorrente.
4. É dessa decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC. Indica o recorrente no requerimento de interposição do recurso que a decisão recorrida «fez aplicação implícita da norma constante do artº 4º, nº 1 c) do Decreto-Lei nº 137/85, norma essa declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 162/95».
Admitido o recurso, o relator elaborou exposição prévia, nos termos do artigo 78º-A da LTC, na qual se afirmou:
...face à juridprudência fixada no Acórdão nº 528/96 (D:R:, II, de
18/07/96) e no Acórdão nº 1121/96 (ainda inédito), de que se ordena junção de cópia aos autos, a questão a resolver afigura-se simples, devendo conceder-se provimento ao recurso.
5. Na sua resposta, a recorrida C... considerou que:
...não se julgou no Acórdão recorrido que tenha existido caducidade do contrato de trabalho por força do disposto na alínea c) do citado artº 4º nº
1 do DL 137/85, mas sim caducidade do contrato nos termos gerais de direito, qualificação jurídica, que é a que melhor se adapta às circunstâncias da extinção.
[...]
Mas ainda que o contrato de trabalho não tivesse cessado por caducidade nos termos gerais de direito, sempre o contrato de trabalho do A. e outros ex-trabalhadores tinham cessado de facto.
Ora, [...] mesmo no caso [...] pode o trabalhador dispor livremente de todos os direitos emergentes do contrato, ainda que se trate de direitos indis-poníveis, pois que a indisponibilidade só tem relevância durante o período de subordinação do trabalhador à entidade patronal.
Deste modo, tratando-se de direitos disponíveis, nada impedia o Tribunal 'a quo' de julgar, como julgou, válida e eficaz a Remissão abdicativa.
[...]
Assim, ainda que a citada norma tivesse sido objecto de aplicação ou desaplicação (e não foi no modesto entender da Recorrida) a decisão constante do aresto impugnado sempre seria a mesma, visto que tal juízo, a existir, nenhuma influência teria no tocante ao decidido.
O recorrente não apresentou qualquer resposta.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
6. O entendimento seguido pela decisão recorrida não corresponde, com efeito, ao sentido e alcance da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 162/95, tal como explicitado, de resto, no Acórdão nº
528/96.
Como se referiu neste Acórdão:
...o alcance mínimo da declaração de inconstitucionalidade constante desse acórdão é o de que existe a obrigação de aos trabalhadores das extintas empresas públicas C... e CN... ser paga uma indemnização, em consequência da cessação dos seus postos de trabalho, de montante idêntico ao que lhes seria devido caso houvesse lugar a um despedimento colectivo.
O que se decidiu nos presentes autos foi, exactamente, que o recorrente não tinha direito a tal indemnização (montante substancial dos créditos peticionados) por, tendo cessado o seu contrato de trabalho por caducidade, ter-se extinguido tal direito, por força da remissão abdicativa que se julgou válida.
As razões aduzidas pela recorrida não afastam este entendimento.
Assim, aquela conclusão do aresto recorrido envolve, pelo menos, aplicação implícita da norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 137/85, com preterição da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dessa norma.
Da mesma forma, a decisão a proferir neste âmbito sempre terá necessária repercussão na causa, levando, no caso de provimento, à necessária reformulação do decidido.
A decisão recorrida, ao declarar extinto por caducidade o contrato de trabalho do recorrente, não lhe reconhecendo o direito a uma indemnização legal, semelhante àquela a que teria direito no caso de despedimento colectivo, por considerar válida a remissão abdicativa dos créditos do recorrente, não respeitou aquele conteúdo mínimo da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 162/95, tal como explicitado pelo Acórdão nº 528/96.
III - DECISÃO
7. Nestes termos, decide-se, em aplicação da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão nº
162/95, conceder provimento ao recurso, devendo reformar-se a decisão recorrida, por forma a que seja proferida uma outra que respeite o sentido e alcance daquela declaração, tal como explicitado no Acórdão nº 528/96.
Lisboa, 22 de Janeiro de 1998 Luis Nunes de Almeida Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa