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Proc. nº 478/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. Por acórdão de 19 de Março de 1997, do Tribunal de Círculo do Funchal, L... foi condenado, pela prática em co-autoria de 30 crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 296º e 297º, nº 1 e nº 2, alíneas c), d) e h) do Código Penal de 1982 e de um furto qualificado p. e p. pelo artigo 204º, nº
1, alínea b) do Código Penal de 1995, e após efectuado o respectivo cúmulo jurídico, na pena única de 12 anos de prisão.
Não se conformando com esta decisão, dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na sua motivação de recurso, para além das nulidades e irregularidades apontadas à decisão recorrida, suscitou a violação pelo tribunal a quo do artigo 206º da Constituição, por alegada falta de independência do mesmo.
2. Por acórdão de 24 de Setembro de 1997, o STJ negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
Novamente inconformado, veio o recorrente interpôr recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº
1, alínea b) da LTC, «por violação do artº 206º da Constituição da República Portuguesa, resultante da inconstitucionalidade dos artigos 9º e 88º do Código de Processo Penal na forma como o tribunal os interpretou».
3. Admitido o recurso, subiram os autos a este tribunal, tendo o relator do processo elaborado exposição prévia, nos termos do artigo 78º-A da LTC, com o seguinte teor:
Nos termos do disposto no artº 70º, nº 1, al. b), da LTC, o recurso de constitucionalidade ali previsto pressupõe que o recorrente haja suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade de uma norma.
Ora, no caso vertente, verifica-se que na motivação do recurso interposto para o STJ o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma, designadamente das contidas nos artigo 9º e 88º do Cód. Proc. Penal, limitando-se a invocar a existência de uma violação do artigo 206º da CRP, mas sem a assacar a qualquer norma jurídica; quando muito, terá considerado que o acto judicial violava directamente a mencionada norma constitucional, sendo certo que o objecto do recurso de constitucionalidade são normas e não actos judiciais.
4. Na sua resposta, o recorrente veio dizer que:
A fls 24, no ponto 2 da motivação de recurso, o arguido, ainda que sumariamente, levantou a questão da violação do artº 32º 1 da Constituição da República Portuguesa.
[...]
Não obstante os mecanismos processuais desencadeados pelo arguido e referentes à arguição da inconstituciona-lidade não terem, provavelmente, sido os mais adequados, caso o tribunal Constitucional (último recurso que resta ao arguido) não tome conhecimento do recurso, correr-se-ão sérios riscos de manter na prisão um cidadão cujas garantias de defesa, em Processo Penal, não foram integralmente respeitadas.
No seu visto, o Ministério Público manifestou a sua inteira concordância com a exposição do relator.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
5. Como é referido na exposição do relator, o presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de norma ou normas jurídicas, que tenham sido concretamente aplicadas na decisão recorrida, e cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo.
Ora, é claro que o recorrente, na sua motivação de recurso no STJ, não se refere à inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, mas tão somente da decisão recorrida.
Nem anteriormente, em qualquer momento do processo, suscitou a inconstitucionalidade de quaisquer normas jurídicas.
6. A Constituição da República e a Lei do Tribunal Constitucional atribuem a este um controlo da constitucionalidade de normas jurídicas, e não dos actos judiciais. Como flui do disposto nos artigos 280º, nº 1, alíneas a) e b), e nº 5, da Constituição, e dos artigos 70º, nº 1, e 75º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade há-de interpôr-se de decisões judiciais que apliquem norma jurídica cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo, ou que desapliquem determinada norma jurídica com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Não competindo a este Tribunal o conhecimento de questões de inconstitucionalidade de actos judiciais, nem sendo o recurso de constitucionalidade uma última instância de recurso para efectivação de eventuais direitos e garantias das partes, como pretende o recorrente, manifestamente faltam os pressupostos processuais para que se possa conhecer do recurso.
III - DECISÃO
7. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 22 de Janeiro de 1998 Luis Nunes de Almeida Fernando Alves Correia josé de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa