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Processo n.º 874/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O Relator proferiu a seguinte “decisão sumária”:
«1. Do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10 de Fevereiro de 2010 (fls. 13 019 a 13 130), foram interpostos os seguintes recursos de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
Pelos arguidos A., B. e C.
Estes arguidos pretendem que o Tribunal aprecie as seguintes questões de inconstitucionalidade:
I – Da norma constante do n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal (CPP), interpretada no sentido de que “a sua conformação constitucional se basta com uma qualquer fórmula, resumida ou sumária”;
II – Das normas constantes dos artigos 58.º, 59.º, 127.º e 138.º do CPP, interpretadas no sentido de que “uma testemunha, que sempre teve esta qualidade, mas que durante o julgamento do seu depoimento resulta que comparticipou nos factos pelos quais os arguidos por si incriminados estão a ser julgados, tem uma relação de co-arguido em sentido material e como tal está impedida de prestar depoimento nessa qualidade”;
III – Da norma do artigo 428.º do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que “tendo tribunal de 1.ª Instância apreciado livremente a prova perante ele produzida, basta para julgar o recurso interposto da decisão de facto que o tribunal de 2ª instância se limite a afirmar que “escutada a essencialidade da prova pessoal – actividade que complementamos com a leitura das declarações e depoimentos prestados em audiência, e de que o acórdão, ainda que sem necessidade, como já frisamos, nos dá conta - vistas atentamente as transcrições das intercepções telefónicas que o aresto recorrido invoca na motivação da decisão de facto e observada a restante prova, temos por seguro quer as provas, aqui e ali referidas, com as apontadas deficiências, pelos recorrentes, ou quaisquer outras, não justificam - e muito menos impõem, como exige a lei – decisão diversa da recorrida”
Pelo arguido D.
Este arguido pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal interpretado no sentido de que “os meros critérios da experiência comum possam servir como prova para a condenação penal” tendo em conta que o tribunal recorrido “afastou de forma expressa, por a considerar não credível, toda a prova testemunhal, e as declarações obtidas em audiência de julgamento”. Considera que tal afastamento viola o princípio “in dubio pro reo” que decorre do artigo 32.º da Constituição, bem como o disposto no n.º 1 do artigo 163.º do CPP.
Pelo arguido E.
Este arguido pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 127.º do CPP interpretado no sentido de que “os meros critérios da experiência comum possam servir como prova para a condenação penal, tendo em conta que o Tribunal recorrido afastou de uma forma expressa por a considerar não credível, toda a prova testemunhal e as declarações obtidas em audiência de julgamento que foram apresentadas por parte da defesa”. Sustenta que tal afastamento enferma de inconstitucionalidade material por violação do princípio “in dúbio pró reo”, que é uma decorrência dos artigos 32.º e 34.º da Constituição, bem como viola os artigos 163.º, 187.º, 188.º e 190.º da Constituição.
2. Não pode conhecer-se de nenhum dos recursos – aliás, já admitidos com dúvidas no tribunal a quo – o que imediatamente se decide ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 76.º e no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Efectivamente, no sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade instituído pelo nosso sistema jurídico, a intervenção do Tribunal Constitucional só pode ter por objecto (em sentido material) a verificação da conformidade à Constituição de normas aplicadas (ou, se for o caso, a que tenha sido recusada aplicação com fundamento em inconstitucionalidade) por parte da decisão judicial de que se interpõe recurso. Não cabe ao Tribunal censurar a decisão recorrida quanto à determinação dos factos relevantes, à interpretação do direito infra-constitucional e à sua aplicação ao caso concreto.
E – aspecto este do regime jurídico que é fonte de frequentes equívocos decorrentes de se identificar o nosso sistema com outros modelos de garantia da constitucionalidade ou de defesa de direitos constitucionais fundamentais (o a recurso de amparo ou a queixa constitucional) –, também não compete ao Tribunal sindicar a directa violação da Constituição por outros actos do poder público, designadamente pelas decisões judiciais impugnadas quando em si mesmo consideradas. De modo que, para ter acesso ao Tribunal Constitucional, o interessado tem o ónus de referenciar normativamente a questão. Assim, sem prejuízo de o Tribunal apreciar a conformidade constitucional da norma com o sentido com que foi concretamente aplicada e que não é necessariamente coincidente com aquele que da norma poderia extrair um intérprete ideal, sempre tenha o recorrente de submeter-lhe para apreciação o verdadeiro critério normativo de decisão, mediante uma proposição susceptível de uma enunciação generalizante, e não o caso na sua concreta e irrepetível conformação.
Acresce, para que possa conhecer-se do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, além da aplicação pela decisão de que se recorre da norma que se identifica como objecto do recurso, é necessário que a inconstitucionalidade dessa mesma norma tenha sido suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de esse estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC). O que significa que, salvo situações excepcionais ou anómalas, o interessado, quando confrontado com a possibilidade de vir a ser aplicada uma determinada norma com um sentido que lhe é desfavorável e que tem por inconstitucional, tenha de chamar o tribunal de cuja decisão pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional a recusar-lhe aplicação. Mas tem de fazê-lo de modo preciso e suficientemente substanciado de tal forma que possa dizer-se que o tribunal incorre em omissão de pronúncia se não apreciar autonomamente tal questão. Para tanto não bastam, em princípio, genéricas imputações de desconformidade a preceitos constitucionais de todas e quaisquer interpretações que não correspondam às pretensões do interessado.
Por outro lado, quando impugne a constitucionalidade de um determinado sentido normativo incumbe ao recorrente proceder à sua enunciação mediante uma formulação precisa de tal modo a que a discussão fique balizada e o Tribunal a possa reproduzir no seu julgamento em caso de provimento do recurso e, assim, habilitar os tribunais da causa a reformular a decisão em conformidade.
3. Ora, presentes estas básicas considerações, verifica-se o seguinte:
3.1. Quanto aos recursos interpostos pelos arguidos E. e D., de modo algum pode afirmar-se que o acórdão recorrido tenha interpretado o artigo 127.º do CPP, que dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é interpretada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, como permitindo que “os meros critérios de experiência comum possam servir como prova para a condenação penal”.
A condenação dos arguidos fundou-se na afirmação de factos que se consideraram ter ocorrido, conclusão a que os tribunais chegaram mediante provas extrínsecas, traduzidos em acontecimentos sensíveis da realidade externa, documentados ou produzidos perante o juiz (declarações, depoimentos, documentos, relatórios de vigilância, perícias, resultado das escutas), e não em presunções, meras inferências ou induções a partir de raciocínios fundados na experiência comum, sem análise de qualquer evidência, ocorrência ou afirmação exterior ao julgador. Na valoração dos meios de prova foram usados ou invocados critérios de experiência comum. Mas esses critérios não substituíram os meios de prova. Fora, apenas, um instrumento da sua apreciação.
Se aquilo que os recorrentes pretendem censurar é – como parece, apesar da inadequada formulação que utilizaram –, o facto de não ter sido atribuída credibilidade à prova testemunhal e a declarações produzidas pela defesa, isso não é já consequência do critério de apreciação da prova estabelecido pelo artigo 127.º do CPP, mas do concreto exercício da função judicativa por parte do tribunal da causa. A prova teria sido mal apreciada, os factos teriam sido mal julgados, mas isso é matéria que não cabe ao Tribunal Constitucional censurar. Seria então, para dizê-lo como os recorrentes, o acórdão recorrido que teria violado “os limites endógenos exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova”. Mas aí já será um caso de censura sobre a decisão, que exorbita das competências do Tribunal Constitucional.
3.2. Também quanto aos recursos interpostos pelos arguidos A., B. e C. as normas identificadas no requerimento de interposição não correspondem ao sentido normativo que o acórdão recorrido adoptou na resolução das concretas questões a que elas respeitam. Isto independentemente de saber se, nas circunstâncias concretas do processo, pode considerar-se que tenha sido cumprido o ónus de suscitar as questões de constitucionalidade agora deferidas ao Tribunal Constitucional em termos adequados, de modo a que o tribunal a quo devesse conhecer delas.
Quanto à primeira questão, os arguidos discorrem sobre o que entendem ser a melhor interpretação do n.º 1 do art.º 187.º do Código de Processo Penal no que respeita aos requisitos da fundamentação do despacho judicial que autoriza as intercepções das comunicações telefónicas. E concluem que o acórdão recorrido interpretou (e aplicou) a norma com o sentido de que “a sua conformação constitucional se basta com uma qualquer fórmula resumida ou sumária”. É uma norma assim entendida que tem de considerar-se que os recorrentes escolheram como objecto do recurso de constitucionalidade que interpuseram, uma vez que é seu o ónus de identificação precisa da norma sujeita a apreciação e é esse o sentido último que consideram ter o acórdão adoptado.
Ora não é esse o sentido que se retira do acórdão, designadamente das passagens que o requerimento de interposição do recurso transcreve. O acórdão não disse apenas isso. Acrescentou ser necessário que através dessa fórmula, “em correlação até com outros actos ou diligências processuais anteriores, se possa concluir que o juiz ponderou os motivos de facto e de direito do despacho decisório, ou seja, que ao proferi-lo não actuou discricionariamente”. E extraiu dos despachos em apreciação, em conjugação com os seus antecedentes necessários, designadamente das promoções do Ministério Público, a conclusão de que se mostrava satisfeita a suficiência da fundamentação assim entendida. No plano normativo – e relembra-se que no plano concretamente judicativo não cabe ao Tribunal Constitucional intervir – considerou ser necessário que o juiz ponderasse os pressupostos de facto e direito de autorização da escutas e o expressasse através da fundamentação, ainda que de forma sumária e de modo implícito ou por remissão. Cabia aos recorrentes enunciar o critério normativo que querem ver apreciado por forma a corresponder ao entendimento que efectivamente subjaz a este julgamento.
Quanto à segunda questão, é evidente que o acórdão recorrido não extraiu dos preceitos legais que os recorrentes identificam o sentido de que a testemunha de cujo depoimento resulte “que comparticipou nos factos pelos quais os arguidos por si incriminados estão a ser julgados tem uma relação de co-arguido em sentido material e como tal está impedida de prestar depoimento nessa qualidade”. Não só não é possível afirmar ter-se considerado, face ao teor do acórdão, que a testemunha comparticipou nos factos em julgamento, como o sentido da decisão é precisamente o contrário: não se considerou haver qualquer impedimento para depor como testemunha.
Quanto à terceira questão – em que não é claro o sentido normativo que o recorrente, afinal, pretende ver apreciado –, não pode considerar-se que o acórdão recorrido tenha interpretado a norma do n.º 1 do artigo 428.º do Código de Processo Penal no sentido de não estar o tribunal de recurso obrigado a ponderar a especificidade da impugnação do julgamento de facto apresentada pelo recorrente, ou que a tenha aplicado no sentido julgado inconstitucional pelo acórdão n.º 116/07.
O que sucede é que a Relação escutada a “essencialidade da prova pessoal” em conjugação com a leitura das declarações e depoimentos prestados em audiência e “vistas atentamente as transcrições das intercepções telefónicas que o aresto recorrido invoca” concluiu que a prova não justifica decisão diversa da recorrida. O acórdão recorrido não negou o dever de (re)apreciação do julgamento dos pontos da matéria especificadamente impugnados e de análise dos meios de prova pertinentes. O que concluiu foi que a prova, que analisou, não impunha julgamento diverso. Se assim é ou se a conclusão deveria ser outra, escapa ao poder cognitivo do Tribunal.
Tanto basta para que, também relativamente a estes recorrentes, não possa conhecer-se das questões que querem ver apreciadas no presente recurso.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto dos recursos e condenar cada recorrente em 7 unidades de conta de taxa de justiça.»
2. Desta decisão vieram os recorrentes reclamar para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), nos termos que a seguir se apreciam.
D. e E.
Alegam, em síntese, estes recorrentes que não se pretende que o Tribunal constitucional verifique se o tribunal da causa apreciou os factos bem ou mal, “mas sim se os apreciou respeitando os princípios constitucionais ou os apreciou de forma a violar esses princípios, quando tendo prova testemunhal a afasta sem a apreciar”. Ou seja:
“(…)
7.º
Tendo em conta que o Tribunal recorrido afastou de forma expressa, por a considerar não credível, toda a prova testemunhal, e as declarações obtidas em audiência de julgamento, se a forma como afastou esta prova violou ou não os limites endógenos e exógenos que tinha que respeitar.
8.º
Tal afastamento enferma de inconstitucionalidade material, por violação do “in dúbio pró reo”, que é uma decorrência do art.º 32.º, n.º 2 da C.R.P., bem como viola o artigo 163.º n.º 1 do C.P.P.
9.º
O artigo 127.º do C.P.P., ao defender o princípio da livre apreciação da prova, tem no entanto limites, a C.R.P. e a lei estabelecem limites endógenos e exógenos ao exercício do poder de livre apreciação da prova, limites esses que foram violados pelo Douto Acórdão recorrido, nos termos já expostos.
(…).”
É certo que os reclamantes não pedem ao Tribunal Constitucional a reapreciação da fixação da matéria de facto. Nem a decisão reclamada o afirma. O que essa decisão diz é que do requerimento de interposição do recurso resulta que a violação de normas ou princípios constitucionais que os recorrentes submetem ao Tribunal Constitucional é imputada à decisão recorrida. Ora, a própria reclamação destes arguidos confirma essa asserção, quando refere que o que interessa saber é se o acórdão recorrido violou ou não os limites endógenos e exógenos que tinha de respeitar, por imposição da Constituição e da Lei, quando “afastou de forma expressa, por a considerar não credível, toda a prova testemunhal e as declarações obtidas em audiência de julgamento”. Não estamos perante uma mera imperfeição que não prejudique a identificação do objecto do recurso como sendo uma norma. Na verdade, o afastamento, por não credíveis, de determinados elementos de prova produzida em audiência – que é o que os recorrentes pretendem ver sindicado – é indesligável da actividade de julgamento do caso concreto. Não respeita à validade constitucional do critério de livre apreciação de prova estabelecido pelo artigo 127.º do Código de Processo Penal, mas ao resultado da aplicação desse critério nas circunstâncias do caso.
Improcede, pois, a reclamação dos arguidos identificados na epígrafe.
B) C., A. e B.
Estes recorrentes reclamam porque entendem que, contrariamente ao decidido, nas três questões que pretendem submeter ao Tribunal identificaram correctamente uma norma e que essa norma corresponde ao sentido normativo com que foram aplicados os preceitos legais indicados.
Vejamos, sem perder de vista que, em regra, tem de haver coincidência entre a norma cuja inconstitucionalidade é suscitada perante o tribunal a quo, a norma por este aplicada e a norma submetida a fiscalização de constitucionalidade e que o ónus de identificação rigorosa dessa norma incumbe ao recorrente.
B1) Quanto à norma relativa à fundamentação do despacho judicial que autorize a intercepção das comunicações, os recorrentes começam por dizer no requerimento de interposição do recurso o seguinte:
«(…)
O douto acórdão interpretou a norma constante do artigo 187.º do CPP com o sentido de que o despacho que autoriza a intercepção de escutas telefónicas não tem de, “…explicitamente, se deter sobre os alegados princípios – subsidiariamente, necessidade e proporcionalidade -, tanto mais que, aderindo à promoção do Ministério Público, nesta já se invocara o mencionado artigo 187.º, o que permite concluir que os despachos, embora sintéticos, tiveram presentes, ainda que implicitamente, os pressupostos legais exigíveis para que pudessem ser autorizadas as intercepções”.
Entendemos que esta interpretação fere de inconstitucionalidade material as normas constantes dos artigos 18º, 26º, 32º, 34º e 205º, todos da Constituição da República.
(…)»
Seguidamente passam a argumentar acerca das exigências constitucionais e legais de ponderação ou de externação da ponderação desse tipo de despacho e da sua inobservância no caso, transcrevendo passagens da fundamentação do acórdão ao versar sobre esta questão e os despachos que autorizaram as escutas, bem como uma opinião doutrinaria, para concluir:
«(…)
O douto acórdão recorrido acrescenta que, “mas inexistindo um preceito legal específico – ao invés do que sucede para o acto decisório por excelência, a sentença – que estabeleça os requisitos a que deva obedecer esse despacho, temos por seguro que é suficiente para a respectiva fundamentação uma qualquer fórmula, resumida ou sumária, através da qual, em correlação até com outros actos ou diligências processuais anteriores, se possa concluir que o juiz ponderou os motivos de facto e de direito do despacho decisório, ou seja, que ao proferi-lo não actuou discricionariamente”.
Ou seja, o douto acórdão interpreta a norma constante do artigo 187.º n.º 1. do CPP, no sentido de que a sua conformação constitucional se basta com uma qualquer fórmula, resumida ou sumária.
(…).»
Ora, considerando que o recorrente só cumpre o ónus de identificar a norma cuja apreciação de constitucionalidade se pretende mediante a apresentação de uma proposição que corresponda ao sentido normativo efectivamente aplicado e que seja expressa de tal modo que o Tribunal o possa enunciar no seu julgamento em caso de procedência do recurso, nem com a fórmula inicial, nem com a conclusão subsequente, tal desiderato se alcança. Como na decisão reclamada se refere, não é “uma qualquer fórmula resumida ou sumária” que o acórdão recorrida aceita bastar para dar por cumprida as exigências de fundamentação ou expressão da ponderação dos despachos que autorizam as escutas.
Ora, em vez de procederem a uma adequada determinação do objecto do recurso, de natureza necessariamente normativa, os recorrentes dedicaram-se à antecipada demonstração do incumprimento das exigências constitucionais e legais por parte dos despachos em causa.
Aliás, ainda agora não lograram a determinação de tal norma. Efectivamente, não é objecto idóneo para o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade aquele que apresentam na seguinte passagem da reclamação, com a qual pretendem demonstrar que “levaram ao conhecimento [deste] Tribunal a interpretação da referida norma jurídica tal como no Tribunal da Relação a julgou”:
“(…)
Os recorrentes, como resulta do seu requerimento, aludindo aos vários recortes interpretativos levados a efeito pelo acórdão da Relação, referiram como objecto de interpretação daquela norma o sentido de que de seguida transcrevem: «O douto acórdão recorrido acrescenta que, ‘Mas inexistindo um preceito específico – ao invés do que sucede para o acto decisório por excelência, a sentença – que estabeleça os requisitos a que deva obedecer esse despacho, temos por seguro que é suficiente para a respectiva fundamentação uma qualquer fórmula, resumida ou sumária, através da qual, em correlação até com outros actos ou diligências processuais anteriores, se possa concluir que o juiz ponderou os motivos de facto e de direito do despacho decisório, ou seja, que ao proferi-lo não actuou discricionariamente.’»
B2) Quanto à segunda questão, embora reconheçam que a interpretação acolhida no acórdão recorrido não foi aquela que referem, pretendem os recorrentes que o Tribunal conheça dela porque anteriormente tinham suscitado a questão da qualidade em que a testemunha poderia ser ouvida, dada a sua relação com os factos a que depunha. É manifesta a improcedência da reclamação nesta parte, porque o Tribunal só conhece da constitucionalidade de normas aplicadas (ou a que seja recusada aplicação com fundamento em inconstitucionalidade), não lhe competindo determinar o sentido com que deveriam ter sido aplicadas. Designadamente, não cabe ao Tribunal averiguar se do depoimento da testemunha resulta ter ela com os factos uma relação que, contrariamente ao expressamente considerado pelo acórdão recorrido, deveria levar a classificar as suas declarações como correspondendo materialmente às de um arguido.
B3) Relativamente à terceira questão, não é possível concluir do acórdão recorrido ter a Relação interpretado o n.º 1 do artigo 428.º do CPP no sentido de que o tribunal de recurso não estar obrigado a ponderar a especificidade da impugnação do julgamento de facto apontado pelo recorrente ou que baste para julgar o recurso interposto da decisão de facto em processo penal que o tribunal de 2ª instância se limite a afirmar que os dados objectivos indicados na fundamentação da sentença objecto de recurso foram colhidos na prova produzida, transcrita nos autos. Verdadeiramente, o que os recorrentes questionam é o concreto grau de fundamentação, o que não cabe ao Tribunal Constitucional censurar.
Improcede, pois, a reclamação apresentada da decisão sumária por estes recorrentes.
3. Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar as reclamações improcedentes e condenar cada reclamante nas custas, com 20 vinte unidades de taxa de justiça, individualmente, sem prejuízo do regime de apoio judiciário quanto aos que dele beneficiam.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2011.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.