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Processo n.º 873/98 Conselheiro Messias Bento
Acórdão na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. M... vem, ao abrigo das alínea b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, interpor recurso do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Maio de 1998.
Pretende o recorrente que este Tribunal aprecie 'a ilegalidade e a inconstitucionalidade das normas legais contidas nos artigos 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, e 32º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (97)', com a interpretação que, naquele aresto, lhe foi dada, ou seja,
'na parte em que considerou parcialmente aplicável ao processado antes de 1 de Janeiro de 1997 o disposto no artigo 32º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais
(97)'.
O caso dos autos, no que aqui importa, pode resumir-se como segue:
(a). Elaborada, no Supremo Tribunal Administrativo, a conta de custas, dela reclamou o ora recorrente, argumentando que a quantia de 13.200$00, que aí se incluiu para reembolso de encargos com gastos de papel, franquias postais e expediente, não era devida, por não ser aplicável no caso o artigo 32º, n.º 2, do actual Código das Custas Judiciais, atento o disposto nos artigos 1º e 16º do Decreto-Lei n.º 41.150, de 12 de Dezembro de 1959;
(b). Vendo indeferida a reclamação pelo relator, reclamou ele, de novo, agora para a conferência, sustentando que a aplicação do artigo 32º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais vigente viola as 'legítimas expectativas do reclamante'; e que uma interpretação diferente da que propugnou 'revela-se inconstitucional [
...] , por violar injustificada e desproporcionadamente o princípio do Estado de Direito democrático, o princípio da legalidade e o princípio da igualdade,
ínsitos nos artigos 2º, 3º e 13º da Constituição da República Portuguesa';
(c). A conferência, no acórdão recorrido, argumentou que, embora o processo tivesse sido instaurado num momento em que - por força da redacção que o Decreto-Lei n.º 387-D/87, de 19 de Dezembro, deu à alínea a) do artigo 65º do Código das Custas Judiciais pré-vigente - 'haviam deixado de ser liquidadas a título de encargos os gastos de papel, franquias postais e expediente', o certo
é que, quando, em 1 de Janeiro de 1997, entrou em vigor o novo Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro), ele ainda se achava pendente. Ora - acrescentou -, o artigo 4º, n.º 1, deste último diploma legal 'manda aplicar o novo Código aos processos pendentes, salvo no que respeita à determinação da taxa de justiça, custas e multas decorrentes de decisões transitadas em julgado e aos prazos de pagamento de preparos, custas ou multas que estejam em curso'. Por isso - concluiu -, 'a partir de 1 de Janeiro de 1997, os processos pendentes nos tribunais administrativos ficaram sujeitos à regra de cálculo a forfait do reembolso pelos encargos por franquias postais, comunicações telefónicas, telegráficas, por telecópia ou por meios telemáticos constante do artigo 32º, n.º 2, do actual Código das Custas Judiciais';
(d). Entendendo, pois, que - por força do que preceitua o artigo 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro - o artigo 32º, n.º 2, do actual Código das Custas Judiciais era aplicável à elaboração da conta de custas reclamada, o acórdão recorrido, depois de ponderar que 'o recorrente não deu causa a parte substancial da actividade processual desenvolvida, uma vez que o pedido de intimação foi parcialmente deferido no Tribunal Administrativo de Círculo', julgou a reclamação parcialmente procedente, pondo a cargo do recorrente apenas metade dos encargos calculados nos termos desse artigo 32º, n.º 2 (ou seja, 6.600$00).
2. Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações, dizendo, em síntese, o seguinte, para o que aqui importa:
(a). Como 'o presente meio processual foi interposto em 02.08.96, ou seja, muito antes da entrada em vigor (01.01.97) do novíssimo CCJ'; e, ao tempo, 'deixaram de se liquidar a título de encargos, nas contas dos processos judiciais, os gastos em papel, franquias postais e expediente'; 'viola o princípio das legítimas expectativas do ora recorrente a aplicação in casu do novíssimo CCJ'.
(b). 'Qualquer outra interpretação das normas legais em causa revela-se ilegal por não conter na letra da lei qualquer correspondência verbal, nos termos prescritos nos arts. 8º, n.º 3, 9º, 10º e 12º, n.º 1, do CC, e inconstitucional por violar injustificada e desproporcionadamente o princípio do Estado de Direito democrático, o princípio da legalidade, o princípio da igualdade, o princípio da não retroactividade das leis e o princípio da boa fé, ínsitos nos arts. 2º, 3º e 13º da CRP, porquanto o disposto no artigo 4º, n.º 1, do DL. n.º
224-A/96, de 26/11, ao determinar que o novo CCJ, designadamente o disposto no art. 32º, n.º 2, se aplica aos processos pendentes, frustra de forma injustificada e desproporcionada as legítimas expectativas das partes ao tempo da propositura da acção, o que não é razoável nem aceitável'.
(c). Deve, por isso, julgar-se 'ilegal e inconstitucional a interpretação conjugada das normas legais contidas nos arts. 4º, n.º 1, do DL. n.º 224-A/96, de 26/11, e 32º, n.º 2, do CCJ (97) dada no douto acórdão de 07.05.98, a fls... dos autos, na parte em que julgou parcialmente improcedente a reclamação de fls.
201, ou seja, na parte em que considerou parcialmente aplicável ao processado antes de 01.01.97 o disposto no art. 32º, n.º 2, do CCJ (97)'.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal também produziu alegações, que concluiu assim:
1º - O princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático, não implica o 'congelamento' dos valores devidos pelas partes a título de custas, em função do quadro normativo existente no momento em que foi proposta a acção que as originou, de modo a postergar em absoluto a aplicabilidade da lei nova às causa pendentes, desde que tal não envolva um agravamento desproporcionado dos montantes devidos.
2º - Não implica qualquer desproporção significativa, susceptível de abalar expectativas dignas de tutela, o agravamento em cerca de 6000$00 dos encargos com expediente processual, devidos pela parte vencida.
3º - Termos em que improcede manifestamente o recurso interposto.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. A norma sub iudicio:
É o Decreto-Lei n.º 41.150, de 12 de Fevereiro de 1959, que regula as custas a pagar nos processos que correm termos pela Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo. De acordo com o que preceitua o § único do artigo 1º deste decreto-lei, as custas compreendem a taxa de justiça (imposto de justiça, na designação anterior), os selos (hoje, não são devidos) e os encargos. Os encargos a pagar em cada recurso são os enumerados no artigo 16º do mesmo diploma legal. O quantitativo dos encargos é, por força do que preceitua o artigo 66º do citado Decreto-Lei n.º 41.150, o que se achar fixado no Código das Custas Judiciais.
No Código das Custas Judiciais que vigorou até 1 de Janeiro de 1997 - data em que entrou em vigor um novo Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro (cf. artigo 16º deste decreto-lei)
-, os encargos achavam-se fixados no artigo 65º. Este artigo 65º, após a publicação do Decreto-Lei n.º 387-D/87, de 29 de Dezembro (entretanto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro), não incluía, entre os encargos, 'as importâncias despendidas com correio e telégrafo', referidas no n.º 6º do artigo 16º do citado Decreto-Lei n.º 41.150.
No artigo 32º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro), voltam, porém, tais despesas a aparecer entre os encargos a incluir na conta de custas. Aí se fala, com efeito, no 'reembolso por franquias postais, comunicações telefónicas, telegráficas, por telecópia ou por meios telemáticos'. E o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que o reembolso por esses encargos 'é calculado à razão de metade de 1 UC nas primeiras 50 folhas ou fracção do processado e de um décimo de UC por cada conjunto subsequente de 25 folhas ou fracção do processado'.
O processo de que emerge o presente recurso entrou no Supremo Tribunal Administrativo antes de 1 de Janeiro de 1997, mas foi contado já domínio do novo Código das Custas Judiciais - mais precisamente, em 17 de Setembro de 1997. Ora, o artigo 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, cuja constitucionalidade o recorrente questiona, preceitua o seguinte:
1. O Código das Custas Judiciais aplica-se aos processos pendentes, salvo no que respeita à determinação da taxa de justiça, custas e multas decorrentes de decisões transitadas em julgado e aos prazos de pagamento de preparos, custas ou multas que estejam em curso.
Por isso, nos termos do n.º 2 do artigo 32º do novo Código das Custas Judiciais, incluiu-se na conta de que o ora recorrente então reclamou, a título de reembolso de encargos, a verba de 13.200$00, que o acórdão recorrido reduziu para metade, ou seja, para 6.600$00.
É certo que o recorrente indica, como constituindo objecto do recurso, as
'normas legais contidas nos artigos 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de
26 de Novembro, e 32º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (97)', com a interpretação que, no aresto recorrido, lhe foi dada, ou seja, 'na parte em que considerou parcialmente aplicável ao processado antes de 1 de Janeiro de 1997 o disposto no artigo 32º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (97)'. Mas, em direitas contas, está aqui apenas sub iudicio a norma constante do artigo 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, pois foi só por aplicação dela que se 'considerou parcialmente aplicável ao processado antes de 1 de Janeiro de 1997 o disposto no artigo 32º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais
(97)'. O artigo 32º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais apenas fixa o montante a pagar a título de 'reembolso por franquias postais, comunicações telefónicas, telegráficas, por telecópia ou por meios telemáticos'. E fá-lo, independentemente da data do processado.
A questão de inconstitucionalidade (e, bem assim, a questão de ilegalidade) respeita, pois, apenas à norma do artigo 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro. Foi, de facto, por aplicação dela que o recorrente, que goza de apoio judiciário, foi condenado a pagar 6.600$00, a título de reembolso de encargos de expediente.
5. A questão da ilegalidade:
5.1. O recorrente sustenta que a aplicação imediata da lei nova, impondo o pagamento de uma quantia a título reembolso de despesas de expediente (scilicet,
'reembolso por franquias postais, comunicações telefónicas, telegráficas, por telecópia ou por meios telemáticos', na linguagem do artigo 32º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, ou das 'importâncias despendidas com correio e telégrafo', na terminologia do n.º 6º do artigo 16º do citado Decreto-Lei n.º
41.150) é ilegal, 'por não conter na letra da lei qualquer correspondência verbal, nos termos prescritos nos artigos 8º, n.º 3, 9º, 10º e 12º, n.º 1, do Código Civil'.
Não tem, porém, razão.
É, na verdade, manifesto que o recurso da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - um recurso de decisões judiciais 'que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)' - não pode ter por fundamento uma pretensa ilegalidade, consistente no facto de a interpretação da lei, adoptada pela decisão recorrida, 'não conter na letra da lei qualquer correspondência verbal'. A única ilegalidade susceptível de fundar um tal recurso é, de facto, uma ilegalidade reforçada. Ou seja: uma ilegalidade que se traduza na 'aplicação de norma constante de acto legislativo' que o recorrente entenda violar 'lei com valor reforçado'; ou na 'aplicação de norma constante de diploma regional' que ele considere violadora do 'estatuto da região autónoma' ou de 'lei geral da República'; ou ainda na 'aplicação de norma emanada de um órgão de soberania' que, segundo ele, viole o 'estatuto de uma região autónoma'. Ora, o Código Civil não se enquadra em nenhuma dessas categorias de actos legislativos.
6. A questão da inconstitucionalidade:
6.1. O recorrente sustenta igualmente que a aplicação imediata das referidas normas é também inconstitucional, por 'violar injustificada e desproporcionadamente o princípio do Estado de Direito democrático, o princípio da legalidade, o princípio da igualdade, o princípio da não retroactividade das leis e o princípio da boa fé, ínsitos nos artigos 2º, 3º e 13º da Constituição da República Portuguesa'.
6.2. Também aqui não assiste razão ao recorrente, como vai ver-se.
6.2.1. Começando pelo princípio da legalidade: Em bom rigor, fica-se sem saber que vício de inconstitucionalidade é este a que o recorrente se quer referir, com a invocação do princípio da legalidade e a alusão ao artigo 3º da Constituição, que afirma ter sido violado. De todo o modo, se, com isso, pretender dizer que a norma sub iudicio viola o princípio da legalidade democrática, que é pressuposto e há-de servir de fundamento a toda a actividade do Estado (cf. o mencionado artigo 3º, n.º 2), então, não diz ele nada que se não contenha já na afirmação, que também faz, de que aquela norma viola o princípio do Estado de Direito democrático e de que, com a sua aplicação, se comete uma ilegalidade.
Na norma sub iudicio, não é, pois, reconhecível qualquer inconstitucionalidade capaz de reconduzir-se à ideia de violação do princípio da legalidade.
6.2.2. Quanto ao princípio da igualdade: Este princípio obriga a tratar por igual o que for essencialmente igual e a dar tratamento diferente ao que substancialmente for diferente. Ele não proíbe o estabelecimento de distinções; proíbe, isso sim, o arbítrio e a discriminação, as soluções irrazoáveis, as distinções de tratamento carecidas de justificação ou fundamento material bastante.
Claro é que a aplicação, em matéria de custas, da lei nova às acções que tenham sido propostas antes da sua entrada em vigor, mas que, nesse momento, ainda não tenham sido julgadas, pode conduzir a que duas acções idênticas, propostas no mesmo dia, recebam tratamento diferente: basta que uma delas ainda seja julgada no domínio da lei antiga, pois, nesse caso, é essa lei que se aplica na elaboração da respectiva conta.
Simplesmente, essa não é uma desigualdade que o legislador esteja obrigado a evitar. Ele só estaria obrigado a dispensar o mesmo tratamento, em matéria de custas, a todas as acções que foram propostas no mesmo dia, se o princípio da igualdade tivesse que operar diacronicamente. Isso, porém, não sucede, pois o legislador não tem por que manter as soluções jurídicas que alguma vez adoptou. A sua função caracteriza-se, justamente, pela liberdade de conformação e pela auto-revisibilidade [ cf., neste sentido, os acórdãos nºs 34/86, 352/91, 309/93
(publicados no Diário da República, II série, 13 de Maio de 1986, 17 de Dezembro de 1991 e 5 de Junho de 1993, respectivamente), n.º 563/96 (publicado no Diário da República; I série-A, de 16 de Maio de 1996) e n.º 575/98 (por publicar)] .
O princípio da igualdade não é, pois, violado pela norma sub iudicio.
6.2.3. Quanto ao princípio do Estado de Direito:
6.2.3.1. No Estado de Direito, os cidadãos hão-de poder confiar na ordem jurídica, pois só assim poderão organizar as suas vidas com um mínimo de segurança. O Estado tem, por isso, que organizar a protecção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida [ cf. acórdão n.º
330/90 (publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de 1991)] . A ideia de Estado de Direito leva, pois, implicada uma ideia de protecção da confiança. Nessa medida, o Estado tutela a boa fé dos cidadãos que organizaram as suas vidas confiando na ordem jurídica . Não leva, porém, ínsita uma proibição geral de retroactividade da lei. Só não podem ser retroactivas a lei penal, a lei que cria impostos e a que restringe direitos, liberdades ou garantias. Fora destes três domínios, uma lei retroactiva, só por o ser, não é inconstitucional. Só o será, se violar princípios ou disposições constitucionais autónomos. E isso é, justamente, o que sucede, quando ela afectar, de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos. Num tal caso, com efeito, a lei viola aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito [ Sobre isto, cf., por último, o acórdão n.º 575/98 (publicado no Diário da República, II série, de 26 de Fevereiro de
1999)] .
6.2.3.2. Pois bem: a norma sub iudicio, não obstante mandar aplicar o novo Código das Custas Judiciais às acções propostas antes da sua entrada em vigor
(no caso deste recurso, interessa apenas a aplicação do n.º 2 do artigo 32º, que fixa os quantitativos a cobrar a título de reembolso de despesas de expediente), não é retroactiva. A dívida de custas só nasce, na verdade, com a condenação (cf. ALBERTO DOS REIS, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 73º, página 68; e MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1956, página 342). Por isso - como se sublinhou no já citado acórdão n.º 352/91 -, não importa retroactividade a aplicação, em matéria de custas, da lei vigente à data em que foi proferida a respectiva decisão condenatória. Mas então, mesmo que vigorasse na matéria um princípio de proibição de retroactividade da lei, nem por isso a norma aqui em apreciação seria, a essa luz, inconstitucional.
6.2.3.3. Com dizer isto, porém, não se resolve em definitivo a questão de constitucionalidade. Para a resolver, é ainda necessário averiguar se não terá sido violado o princípio da confiança que, nos termos apontados, vai ínsito no princípio do Estado de Direito.
É que, quem vai a juízo propor uma acção ou a defender-se numa acção que alguém propôs contra si ou, ainda, a recorrer de uma decisão que lhe foi desfavorável, pondera, primeiro, entre o mais, quanto é que, se não ganhar, terá de pagar de custas. Há-de, por isso, convir-se que, se, entretanto, ocorrer um aumento das custas, a confiança que, com toda a legitimidade, o litigante depositou na ordem jurídica pode ser seriamente abalada. Tal sucederá, se esse aumento das custas for muito acentuado. Num tal caso (isto é, quando puder afirmar-se que as expectativas dos litigantes foram frustradas de forma opressiva ou demasiado acentuada), tem, na verdade, que concluir-se que o princípio da protecção da confiança sai violado [ cf., neste sentido, o citado acórdão n.º 352/91 e, bem assim, o acórdão n.º 49/92 (publicado no Diário da República, II série, de 11 de Junho de 1992)] .
Pergunta-se, então: terá o recorrente, em matéria de custas, visto as suas expectativas serem frustadas, de forma tão acentuada, opressiva ou arbitrária, que possa dizer-se violada a confiança que, num Estado de Direito, as pessoas devem poder depositar no legislador?
A resposta a esta pergunta só pode ser negativa.
De facto, por força da norma sub iudicio, na dimensão em que ela foi aplicada no caso, o recorrente apenas viu ser-lhe imposta a obrigação de pagar encargos relativos a despesas de expediente, que já no domínio da lei anterior eram devidos e que apenas não eram exigidos por terem deixado, transitoriamente, de estar quantificados no Código das Custas Judiciais. E esses encargos montam a
6.600$00. Ora, as expectativas dos litigantes não podem, na verdade, considerar-se frustradas com um aumento de custas, que apenas se traduziu em exigir-se o pagamento de encargos no montante de 6.600$00. E, se, acaso, alguma frustração existiu, há-de convir-se que ela não é acentuada, opressiva ou arbitrária em termos de implicar violação daquela confiança que as pessoas devem poder depositar no legislador de um Estado de Direito.
7. Conclusão: A norma sub iudicio não padece, pois, de inconstitucionalidade. Há, por isso, que negar provimento ao recurso.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). negar provimento ao recurso;
(b). condenar o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 10 de Março de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida