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Processo nº 724/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. M. e sua mulher, M. M., deduziram embargos à execução para pagamento de quantia certa que, no Tribunal Judicial da comarca de Ansião, o BANCO ... requereu contra eles, na qualidade de avalistas de uma livrança de que era portador, subscrita pela empresa F......., LDª.
Sustentaram os embargantes, entre o mais, que tinha ocorrido perda do direito de acção. Como não lograram fazer vingar a sua tese, recorreram da decisão da 1ª instância para a Relação de Coimbra, mas sem êxito. Recorreram, então, para o Supremo Tribunal de Justiça. Este, por acórdão de 1 de Junho de 1999, negou a revista e confirmou o acórdão da Relação. Do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, interpuseram eles recurso para este Tribunal, invocando a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pedindo que se julgue inconstitucional o artigo 53º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, 'na interpretação que lhe é dada'. Referem, para o efeito, na resposta ao convite que, no tribunal recorrido, lhes foi feito, que 'a inconstitucionalidade resulta implicitamente das alegações produzidas na apelação e na revista, além de que, por ser de conhecimento oficioso, pode ser suscitada e apreciada em qualquer momento da lide'.
No Supremo Tribunal de Justiça, o Conselheiro relator não admitiu o recurso, em virtude de a inconstitucionalidade do artigo 53º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, interpretado no sentido de que 'o portador da livrança não carece de
‘protesto’ para poder accionar o avalista', não ter sido suscitada durante o processo.
Deste despacho do Conselheiro relator (de 14 de Julho de 1999), sob invocação do disposto no artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil, reclamaram eles para a conferência, pedindo que 'sobre a matéria do referido despacho recaia acórdão'. Disseram, na oportunidade, que tal despacho viola 'o disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, bem como o artigo 18º, nº 2, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa, e também por na parte final conter excesso de pronúncia, violam o artigo 668º, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil'.
O Conselheiro relator, que, num primeiro momento, mandou que os autos fossem à conferência, veio a dar esse despacho sem efeito, determinando a remessa dos autos a este Tribunal. Fundou-se, de um lado, em que 'do despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso cabe, não reclamação para a conferência do Supremo Tribunal de Justiça, mas sim e imediatamente reclamação para o Tribunal Constitucional'; e, de outro, no facto de se lhe afigurar que a reclamação 'pode/deverá ser entendid[a] como reclamação para o Tribunal Constitucional, nesse sentido apontando a inequívoca intenção de os requerentes se não conformarem com o despacho do relator que indeferiu a admissão do recurso'. O PROCURADOR-GERAL ADJUNTO em exercício de funções neste Tribunal, no seu visto, pronunciou-se no sentido de que se não deve conhecer da reclamação, já que 'não
é admissível o suprimento do erro na forma de procedimento adequado que resulta de a parte que viu indeferida a interposição de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ter – em vez de deduzido a pertinente reclamação para este Tribunal Constitucional – no âmbito do tribunal ‘a quo’, pretendido reclamar para a conferência, nos termos do dito artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil, dada a absoluta e radical heterogeneidade destes dois meios impugnatórios, a apreciar por tribunais que não estão inseridos na mesma ordem jurisdicional'. E acrescentou que, 'ainda que assim não fosse, sempre seria manifesta a improcedência da reclamação, que, porventura, fosse de considerar deduzida já que – ao contrário do que parece supor o recorrente – não são admissíveis impugnações ‘implícitas’ da constitucionalidade, cumprindo à parte que pretende utilizar o tipo de recurso a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 o ónus de explicitar claramente qual a norma ou interpretação normativa que reputa inconstitucional confrontando o Tribunal com tal questão antes de ser proferida a decisão que pretende impugnar'.
4. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
5. Tem inteira razão o Ministério Público, como vai ver-se.
Ressalvando o nº 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil o disposto no artigo 688º - que, no nº 1, prescreve que, 'do despacho que não admita a apelação, a revista ou o agravo e bem assim do despacho que retenha o recurso, pode o recorrente reclamar para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso' -, é óbvio que, do despacho do Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso para este Tribunal, não era admissível reclamação para a conferência do Supremo Tribunal de Justiça. O que os recorrentes podiam era ter reclamado para este Tribunal, conforme claramente preceitua o nº 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional, que prescreve que 'do despacho que indefira o requerimento de interposição do recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional'.
Acontece, no entanto, que os recorrentes não reclamaram para este Tribunal do despacho do Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso que eles interpuseram para este Tribunal. Reclamaram, isso sim, para a conferência do Supremo Tribunal de Justiça, solicitando que, nos termos do nº 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil, recaísse acórdão sobre tal despacho, com vista, nomeadamente, a julgá-lo nulo, por excesso de pronúncia.
Ora, os tribunais não podem substituir-se aos recorrentes, entendendo como reclamação contra o despacho de inadmissão de recurso uma reclamação para a conferência do tribunal onde o despacho reclamado foi proferido. E, por isso, não pode este Tribunal conhecer da reclamação que, nos termos indicados, lhe foi remetida pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Ex abundanti, sempre se dirá que, se houvesse de conhecer-se da reclamação, teria ela que ser indeferida: justamente porque, como sublinhou o Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, os recorrente não suscitaram, durante o processo, podendo tê-lo feito, a inconstitucionalidade do artigo 53º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, interpretado como atrás se indicou. E essa suscitação é um pressuposto do recurso, não sendo admissíveis, como bem sublinhou o Ministério Público, 'impugnações ‘implícitas’ da constitucionalidade'.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer da presente reclamação.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2000 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida