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Processo n.º 829/10
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Em 30 de Junho de 2009 o Supremo Tribunal de Justiça, pela sua 1ª Secção Cível, proferiu acórdão a conceder a revista pedida por A. e, em consequência, condenou a ré Associação de Mulheres Contra a Violência a pagar à autora recorrente a quantia de €112.128,00 acrescida de juros e IVA. Em 8 de Setembro e em 12 de Novembro de 2009, e novamente em 2 de Fevereiro de 2010, a mesma 1ª Secção Cível indeferiu as reclamações sucessivamente apresentadas pela ré contra o primeiro aresto; em 22 de Fevereiro de 2010 a dita Associação de Mulheres Contra a Violência apresentou requerimento, naquele Supremo Tribunal, a interpor recurso das referidas decisões para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro). Requereu o seguinte:
Associação de Mulheres Contra a Violência, R nos autos à margem identificados, notificada do d. Acórdão a fls. , de 02.02.2010, vem do mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional , a par dos demais Acórdãos proferidos nos autos pelo d. Supremo Tribunal de Justiça:
1. Fundamento do recurso: art. 70.º/1, al. b) da Lei de Organização e Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
2. Normas cuja inconstitucionalidade pretende ver declarada: artigos 660.º, n.º 2 , artigo 661.º, n.º 1, artigo 664.º e artigo 729, n.º 1 CPC quando interpretados no sentido do conhecimento oficioso de uma questão jurídica poder resultar em condenação em objecto diverso do pedido e da causa de pedir formulada pela parte, in casu, a A.
3. Artigos da Constituição da República Portuguesa violados: arts. 2º, 3º/2 e 3, 9º, al. b), 18º/1, 202º/2 e 203º e princípio ne eat judex ultra vel extra petita partium.
4. Acto processual no qual a norma em causa foi aplicada: a norma em apreço foi aplicada nos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso de revista.
5. Prevenção da questão: a questão foi expressamente suscitada pela R. em Requerimento de Aclaração de 26.12.2009 e prevenida, pela R., em Reclamação de 29.09.2009 e Requerimento de Reforma de Acórdão de 15.07. 2009.
6. Regime de subida e efeito: imediato, nos autos e suspensivo, nos termos do art. 78º/4 da Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.
Nestes termos,
Deve ser admitido o presente Recurso e, a final, ser decretada a inconstitucionalidade material das normas em causa, com a consequente reforma das decisões recorridas, o que implicará a anulação das mesmas.
2. No Supremo Tribunal de Justiça, o Relator ouviu a parte contrária e decidiu, em 13 de Abril de 2010:
A ré “Associação de Mulheres contra a Violência” veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido a 2 de Fevereiro de 2010, invocando, para o efeito, a violação do disposto nos artigos 2.º, 3.º, n.ºs 2 e 3, 9.º b), 18.º, n.º 1, 202.º, n.º 2 e 203.º, da constituição da República Portuguesa (CRP), na aplicação dos art. 660.º, n.º 2, 666.º, n.º 1, 664.º e 729, n.º 1 do código de Processo Civil.
Após despacho do Relator que convidou as partes a pronunciarem-se sobre a admissibilidade do recurso, por eventual falta de respectiva norma fundante, a autora A. pronunciou-se no sentido de que o mesmo não deve ser admitido, por falta de base legal, enquanto que a ré suscitou a aclaração daquele despacho, questionando a pretensa falta de fundamento legal do recurso.
Importa, pois, decidir.
A fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, em sede de recurso para o Tribunal Constitucional, abarca, nos termos do disposto pelo artigo 280.º, da CRP, e seu nº 1, as decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade [a] que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo [b], e ainda, no seu nº 2, as decisões que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação da lei com valor reforçado [a], que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma [b] que recusem a aplicação de norma constante de diploma emanado de um órgão de soberania com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma [c] e que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas a), b) e c) [d].
Efectivamente, os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, conforme os casos, consoante decorre ainda do estipulado pelo artigo 280º, nº 6, da CRP.
Porém, para que se verifique o pressuposto da interposição deste específico recurso, é necessário uma decisão positiva de inconstitucionalidade, uma decisão negativa de inconstitucionalidade, uma decisão de acolhimento de ilegalidade ou uma decisão de rejeição de ilegalidade.
Ora, não se tendo suscitado, nomeadamente, por iniciativa da ré, quer nas instâncias, quer, fundamentalmente, no recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, qualquer uma das mencionadas questões, inexiste fundamento legal para a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Com efeito, como a própria ré reconhece, a questão da inconstitucionalidade só foi, por si, expressamente, suscitada, no requerimento de aclaração ao acórdão de reforma proferido quanto ao acórdão principal do recurso de revista.
Assim sendo, não se recebe o recurso interposto pela ré, através do requerimento de folhas 1046 e seguintes, dirigido ao Tribunal Constitucional. [...]
3. Inconformada, a AMCV reclamou deste despacho para a conferência da referida 1ª Secção Cível. Todavia, o pedido foi indeferido por despacho do Relator, com data de 27 de Maio de 2010, do seguinte teor:
A ré “Associação de Mulheres Contra a Violência” veio reclamar para a conferência do despacho de folhas 1065 e 1066, que não recebeu o recurso por si interposto para o Tribunal constitucional, invocando, para tanto, o preceituado pelo artigo 77.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
A autora A., na sua resposta, defende que deverá ser indeferida a pretensão da ré, por falta de fundamento legal.
Importa, pois, decidir.
O artigo 72.º, da Lei do Tribunal constitucional (LTC), citado pela ré, a propósito da legitimidade para recorrer, estatui, no que ao caso interessa, no seu n.º 1, b), que “podem recorrer ao Tribunal constitucional: as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso”, acrescentando o respectivo nº 2 que “os recursos previstos nas alíneas b) [Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;] e f) do nº 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar, obrigado a dela conhecer”.
Dispõe, por outro lado, o artigo 76º, nº 1, da LTC, que “compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo recurso”, cujo requerimento de interposição para o Tribunal Constitucional, prossegue o respectivo nº 2, “deve ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75º-A, mesmo após o suprimento previsto no seu nº 5, quando a decisão o não admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º, quando forem manifestamente infundados”.
Finalmente, preceitua o nº 4, deste artigo 76º, da LTC, que “do despacho que indefira o requerimento de interposição do recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional”.
Assim sendo, o meio procedimental específico para reagir contra o despacho do relator que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional era a reclamação para o próprio Tribunal Constitucional, sujeita a forma processual específica, e não a reclamação para a conferência deste Supremo Tribunal de Justiça.
Deste modo, indefere-se o requerimento de reclamação para a conferência do despacho de folhas 1065 e 1066, formulado pela ré.
4. Notificada deste despacho, a interessada apresentou, em 15 de Junho de 2010, a seguinte reclamação:
Associação de Mulheres Contra a Violência, R. nos autos à margem identificados, notificada do despacho a fls. 1079 e seguintes, vem do mesmo reclamar para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no art. 76º/4º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
Venerandos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional:
1.º
Todas as decisões proferidas, sucessivamente, pelo d. Supremo Tribunal de Justiça, nos presentes autos, foram tomadas em cabal desconsideração daquela que foi a matéria de facto provada e não provada nas competentes instâncias, conforme a R. suscitou nos articulados que antecedem.
2º
Mais ainda, as mesmas decisões foram tomadas em desconsideração completa daqueles que eram o pedido e, sobretudo, a causa de pedir, nos autos, definitivamente fixados aquando da citação, conforme o disposto nos arts. 481º, alínea b) e 268º CPC.
3º
Tais alterações ao pedido e causa de pedir foram oficiosamente promovidas ao abrigo da competência do Supremo Tribunal de Justiça para aplicar definitivamente o direito à matéria de facto provada nas instâncias inferiores, conforme dispõe o artigo 729º/1 CPC.
4º
Se as referidas decisões foram proferidas em desprezo da matéria de facto decidida, do pedido da A. e da sua causa de pedir, cabendo ao Supremo Tribunal decidir apenas e só o direito aplicável, então este d. Tribunal fê-lo em cometimento da mais axiomática ilegalidade, porque o faz contra legem, especificamente, o Código do Processo Civil.
5º
Prevendo a Constituição da República Portuguesa que os Tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei, cfr. artigo 203º CRP, o princípio da legalidade é normativo constitucional, ora concreta, e sucessivamente, violado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
6º
Nesse sentido, veio a R. interpor Recurso, da última – e por inerência das anteriores e sucessivas decisões –, para este d. Tribunal Constitucional, requerimento esse que foi indeferido pelo Venerando Juiz Conselheiro Relator, a fls. 1065 e ss.,
7.º
Na sequência do que foi apresentada Reclamação do mesmo despacho para a Conferência, nos termos do art. 77.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
8º
Conforme refere – e bem – esse despacho a fls. 1065 e ss. “é necessário uma decisão positiva de inconstitucionalidade, uma decisão negativa de inconstitucionalidade, uma decisão de acolhimento de ilegalidade ou uma decisão de rejeição de ilegalidade.
9º
Porém, contrariamente ao que refere o mesmo despacho, a R. não tinha que suscitar nenhuma destas questões nas alegações de revista porque o cometimento da ilegalidade ocorreu posteriormente, com a decisão do recurso de revista, de que a R. reclamou, por diversas ocasiões, invocando a ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão do recurso, bem como das subsequentes.
10º
Muito se lamenta que, em contradição com a sua exclusiva vocação, tenha o Supremo Tribunal de Justiça proferido e escolhido manter uma posição injusta, ilegal e de consequências tão trágicas como aquelas que sucessivamente foi proferindo, à revelia da matéria de facto que se provou, culminando, s.m.o., na inconstitucionalidade da mesma.
11º
Mas uma vez mais, desprezando a letra da lei, foi indeferida a Reclamação para a conferência que antecede, com a informação de que a correcta reacção ao anterior despacho seria a reclamação para o próprio Tribunal Constitucional.
12º
Termos em que vem a R. reclamar do despacho que indeferiu a Reclamação do d. a fls. 1065 e ss., para, deferida a reclamação, permitir a sujeição do recurso ao d. escrutínio Constitucional e posterior decretamento da inconstitucionalidade material da interpretação normas em causa, com a consequente reforma das decisões recorridas, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Fundamento do recurso: art. 70.º/1, alínea b) da Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.
2. Normas cuja inconstitucionalidade pretende ver declarada: arts. 660º/2, 661º/1, 664º e 729º/1 CPC quando interpretados no sentido do conhecimento oficioso de uma questão jurídica poder resultar em condenação em objecto diverso do pedido e da causa de pedir formulada pela parte, in casu, a A..
3. Artigos da Constituição da República Portuguesa violados: arts. 2º, 3º/2 e 3, 90, alínea b), 18º/1, 202º/2 e 203º e princípio ne eat judex ultra vel extra petita partium.
4. Acto processual no qual a norma em causa foi aplicada: a norma em apreço foi aplicada nos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso de revista.
5. Prevenção da questão: a questão foi expressamente suscitada pela R. em Requerimento de Aclaração de 26.12.2009 e prevenida, pela R., em Reclamação de 29.09.2009 e Requerimento de Reforma de Acórdão de 15.07.2009.
6. Regime de subida e efeito: imediato, nos autos e suspensivo, nos termos do art. 78º/4 da Lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.
Nestes termos,
E nos demais de direito, requer a V. Digníssimas Exas. se dignem admitir a presente reclamação, para sujeição do recurso ao d. escrutínio constitucional e para ulterior decretamento da inconstitucionalidade material da interpretação normas em causa, com a consequente reforma das decisões recorridas, o que implicará a anulação das, como é de direito e justiça.
5. Em 13 de Julho de 2010 foi proferido despacho, no Supremo Tribunal de Justiça, do seguinte teor:
A reclamação é intempestiva, porquanto foi apresentada fora do prazo a que reporta o artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
De todo o modo, mantenho o meu Despacho de folhas 1065 e 1066, que não admitiu o recurso dirigido ao Tribunal Constitucional, porquanto continuo a entender que inexiste fundamento legal para o seu recebimento.
Cumpra-se o disposto pelo artigo 688.º, n.º 4, 2.ª parte, do CPCivil, juntando-se aos autos cópia certificada da contestação, da sentença, do acórdão do Tribunal da Relação e dos acórdãos de folhas 116 e seguintes, 971 e seguintes, 996 e seguintes e 1035 e seguintes, bem assim como da reclamação de folhas 979 e seguintes, aclaração de folhas 1014 e seguintes, requerimento de folhas 1046 e seguintes, despacho de folhas 1050, despacho de folhas 1065 e seguintes, requerimento de folhas 1069 e seguintes, resposta de folhas 1074 e seguintes e despacho de folhas 1079 e seguintes.
6. O processo foi remetido ao Tribunal Constitucional onde entrou em 3 de Dezembro de 2010, sendo distribuído em 21 de Dezembro 2010.
7. Sobre a pretensão foi ouvido, nos termos do artigo 77º n.º 2 da LTC, o representante do Ministério Público neste Tribunal, que emitiu o seguinte parecer:
1º - O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da LTC.
2º - Como a própria reconhece, apenas quando requereu a aclaração do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, requerimento de fls. 124 a 132, a ora reclamante invoca a Constituição, afirmando «(…) a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, na aplicação do direito e dos critérios de equidade, é Inconstitucional, por violação do art. 2º, 3º/2 e 3, 9º/, al. b), 18º/1, 202º/2 e 203º todos da Constituição da República Portuguesa (…) Porque o Supremo Tribunal de Justiça faz “tábua rasa” da matéria de facto, que expressamente aceitou no Acórdão principal, nos termos dos arts. 722º/2 e 729º/2, decide contra a matéria de facto provada e contradiz-se, lamentavelmente uma vez mais».
3º - Tendo sido indeferido o pedido de aclaração, por acórdão do STJ de 2/02/2010, a reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art.º 70.º, nº 1, al. b), da LTC, invocando a inconstitucionalidade dos arts. 660.º, nº 2, 661.º, nº 1, 664.º e 729.º, nº 1, todos do Código Processo Civil, «(…) quando
interpretados no sentido do conhecimento oficioso de uma questão jurídica poder resultar em condenação em objecto diverso do pedido e da causa de pedir formulada pela parte (…), por violação dos citados artigos da Constituição, bem como do princípio «ne eat judex ultra vel extra petita partium».
4º - Ora, um dos requisitos da admissibilidade do recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.º 70.º da LTC, conforme decorre do nº 2 do artigo 72.º do mesmo diploma, consiste na suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de forma que, ele possa, e deva, dela conhecer.
5º - Acresce que a suscitação de questão de inconstitucionalidade não se basta com a afirmação de que a interpretação aplicada viola a Constituição ou os seus princípios, mas com a especificação, de forma clara e contundente, das razões da alegada desconformidade da norma ou interpretação normativa.
6º - Ora, o momento processual indicado para tal, no caso em apreço, eram as contra-alegações apresentadas no recurso de revista excepcional. Porém, resulta dos autos, sendo, aliás, como já vimos, admitido pela própria reclamante, que nessa peça processual não foi efectuada qualquer referência a preceitos ou princípios constitucionais, nem a convenções internacionais.
7.º - Por outro lado, o requerimento de fls. fls. 124 a 132, pedido de aclaração de acórdão, já não é o meio idóneo e atempado para suscitar a questão (v.g. Acórdãos nºs 646/2009 e 27/2010). Mas, mesmo nesse requerimento, não é questionada a constitucionalidade de qualquer interpretação normativa dos artigos do Código do Processo Civil aludidos no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
8.º - Por outro lado, o recorrente só está dispensado do ónus da suscitação prévia, em casos excepcionais e anómalos, se a interpretação acolhida na decisão recorrida for insólita, inesperada ou imprevisível.
9.º - No entanto, não só a decisão recorrida não pode ser caracterizada nesses termos, como também, para a recorrente poder beneficiar desse regime excepcional, teria ela própria, além de o invocar, de adiantar as razões porque entende que lhe deve ser aplicado tal regime (acórdão nº 213/2004), o que não fez quando interpôs o recurso.
10.º - Na realidade, a reclamante, só após o despacho de não admissão do recurso afirma que não tinha de suscitar anteriormente a questão, dado esta ter surgido apenas com o acórdão que decidiu o recurso de revista. Mas, nada acrescenta que justifique essa afirmação, sendo certo que recai sobre as partes o ónus de analisar as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas na decisão e, como tal, de adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem, em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus direitos.
11.º - Resulta do exposto não ter sido adequadamente suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa, pelo que, independentemente da intempestividade da reclamação, esta sempre deverá ser indeferida.
8. Notificada para os termos deste parecer, respondeu a reclamante:
Associação de Mulheres Contra a Violência, Reclamante nos autos de Reclamação à margem identificados, em que é Reclamada A., notificada do Parecer do Ministério Público, vem responder ao mesmo, o que faz nos termos seguintes:
1. Em face de decisão insólita, inesperada e imprevisível do Supremo Tribunal de Justiça que deu provimento ao recurso de revista da ora Reclamada, e esgotados os meios possíveis para salvaguardar os direitos da ora Reclamante, esta constatou a concretização da inconstitucionalidade que, no seu entendimento, atempadamente suscitou.
2. Tal inconstitucionalidade deu-se por confirmada face à posição dos doutos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, negando – de forma óbvia – à Reclamante a realização da justiça e da salvaguarda dos mais elementares direitos, que por elementares são constitucionalmente protegidos.
3. Assim, e apenas quando efectivamente pôde, reagiu a Reclamante, invocando a inconstitucionalidade, no mais estrito respeito pelo disposto no art. 75.º-A/1 e 2 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, como era seu dever em decorrência da citada disposição legal.
4. Impedir o acesso da Reclamante junto do Tribunal Constitucional, garante máximo de constitucionalidade no ordenamento jurídico português, tendo por base os fundamentos constantes do Parecer a que ora se responde, pode abrir caminho a teses que venham questionar a ratio legis da existência e necessidade deste douto Tribunal como responsável máximo do respeito da Primeira Lei da República Portuguesa.
9. Cumpre decidir.
A reclamante, Associação de Mulheres Contra a Violência, pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional quando foi notificada do acórdão proferido em 2 de Fevereiro de 2010 no Supremo Tribunal de Justiça. Apresentou, para esse efeito, o requerimento que consta dos autos, reproduzido supra em 1., que, no entanto, lhe foi indeferido por despacho de 13 de Abril de 2010.
A reclamação que formulou contra tal despacho foi erradamente dirigida à Conferência do Supremo Tribunal de Justiça e não ao próprio Tribunal Constitucional, conforme inequivocamente impõe o n.º 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro). Com esse fundamento, a reclamação foi indeferida por despacho do Relator. Notificada do despacho, a reclamante apresentou no processo, desta vez dirigido ao Tribunal Constitucional, um requerimento no qual incluiu dois pedidos: uma reclamação contra o despacho que, no Supremo Tribunal de Justiça, indeferira a reclamação e um requerimento de interposição do recurso de inconstitucionalidade formulado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
É esta, em suma, a questão agora em análise: saber se pode ser deferida tal reclamação e admitido o recurso.
Acontece que o meio processual adequado para a reclamante reagir contra o despacho de inadmissão do recurso de inconstitucionalidade é, como ficou dito, a reclamação dirigida ao próprio Tribunal Constitucional. A reclamante não procedeu deste modo, pois escolheu um meio processual inidóneo, requerendo a uma formação de julgamento que não dispunha de competência para tal. E a verdade é que – fora da hipótese especialmente prevista no já referido n.º 4 do artigo 76º da LTC – não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar reclamações contra despachos proferidos pelos relatores do Supremo Tribunal de Justiça. Não pode, em suma, o Tribunal Constitucional conhecer da reclamação formulada.
Além disso, também não cabe ao Tribunal Constitucional admitir recursos de inconstitucionalidade apresentados contra decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, é ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida que cabe apreciar a admissão do respectivo recurso (n.º 1 do artigo 76º da LTC).
Por estas razões deve ser indeferida a pretensão da reclamante, ficando prejudicado o conhecimento de quaisquer outras matérias.
10. Termos em que se decide indeferir a reclamação ora em análise. Custas pela reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.