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Procº nº 170/99
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 5 de Novembro de 1999 (fls. 253 a 255), lavrou o relator nos presentes autos decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. Pelo Tribunal Cível da Comarca do Porto e contra Companhia de Seguros T., S.A., intentou o Licº C. M. acção, seguindo a forma de processo sumário, solicitando que aquela fosse condenada a pagar-lhe o montante de Esc:
702.317$00, a título de indemnização por danos sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.
Por sentença de 26 de Fevereiro de 1996, proferida pelo Juiz do 4º Juízo do aludido Tribunal, foi a acção julgada improcedente, sendo a ré absolvida do pedido, o que motivou o autor a apelar do assim decidido para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 17 de Junho de 1997, negou provimento à apelação.
Desse acórdão veio o Licº C. M. pedir a respectiva aclaração e, subsequentemente, a sua reforma, pretensões que vieram a ser desatendidas por arestos de 2 de Dezembro de 1997 e 12 de Maio de 1998.
Posteriormente, o autor fez juntar aos autos requerimento onde escreveu:-
‘REQUER -- vista a nulidade ‘ipso jure’ das normas relativas a taxas de justiça do Cód. das Custas Judiciais vigente e, bem assim, dos antecedentes sob a Constituição de 1976, ditada pelo actual comando da al. i) do n.º 1 do art.
165.º da Constituição da República -- sejam reformados quer o Acórdão ora notificado quer as precedentes decisões ‘in casu’, através de novo aresto a declarar ‘sem custas’ - - por inexistência de normativo tributário válido -- todos esses actos judiciais.’
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 18 de Janeiro de 1999, indeferiu a requerida reforma e condenou o reclamante em custas.
Notificado dessa decisão, juntou ao processo o Licº C. M. Fez novo requerimento, no qual disse:-
‘.....................................................................................................................
....................................................................................................................... face ao teor do d. Acórdão datado de 19 de Janeiro, visto tal decisão reaplicar, patentemente, o normativo pelo signatário ante-arguido de inconstitucional, porquanto editado em contravenção ao comando da al. i) do n.º 1 do art. 165.º da Constituição, vem ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, interpor daquela decisão o competente
recurso de constitucionalidade.’
2. Torna-se claro que o recurso submetido à apreciação deste Tribunal pretende ter por objecto as ‘as normas relativas a taxas de justiça do Cód. das Custas Judiciais vigente’ por violação da alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Lei Fundamental.
Por outro lado, claro é também que no requerimento de interposição de recurso se não surpreende a indicação da totalidade dos elementos a que se reportam os números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Mas, suposto que, ao se esgrimir com a inconstitucionalidade orgânica de todo um corpo de leis, se pretende pôr em causa a validade, perante o Diploma Básico, de todo o normativo nele ínsito, atento o vício que se suscita, assim não havendo necessidade, quer de suscitar antes da decisão intentada recorrer a desconformidade constitucional reportada a uma concreta norma, quer de a indicar, também concretamente, no requerimento de interposição de recurso, e suposto também que ao se referir o ora recorrente ao ‘o normativo pelo signatário ante-arguido de inconstitucional’, isso seria bastante para integrar o requisito de indicação da peça processual onde foi suscitada a questão de inconstitucionalidade (suposições de que se legitimamente se duvida), ainda assim a questão a equacionar neste recurso sempre seria de perspectivar como
«simples» para os efeitos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, atendendo à jurisprudência anterior deste Tribunal quanto à matéria. E, por isso, justifica-se, in casu, a prolação desta decisão sumária, por intermédio da qual se nega provimento ao recurso.
2.1. De facto, como por várias vezes foi já sublinhado por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, a denominada «taxa de justiça» não é algo que deve ser perspectivado como imposto e, por isso, não está sujeita à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República constante, hoje, da alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Constituição e, antes, após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, da alínea i) do nº 1 do artigo 168º (cfr., verbi gratia, os Acórdãos deste Tribunal números 412/89, 377/94, 379/94 e 382/94, publicados na
2ª Série do Diário da República de, respectivamente,15 de Setembro de 1989, 7 de Setembro de 1994 e 8 de Setembro de 1994, e os Acórdãos números 582/94, 583/94 e
584/94, ainda inéditos).
As razões que levaram o Tribunal Constitucional a emitir tais juízos de não inconstitucionalidade orgânica são, como límpido se depara, totalmente transponíveis para a vertente questão, independentemente de se postar agora um
«novo» Código das Custas Judiciais.
3. Termos em que se nega provimento ao recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
É da transcrita decisão sumária que o recorrente vem reclamar para a conferência, argumentando, em síntese, que, após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, a Lei Fundamental, na alínea i) do nº 1 do artigo 165º, veio cometer à exclusiva competência da Assembleia da República a competência para legislar sobre o regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, sendo certo que o actual Código das Custas Judiciais, não obstante ter sido editado antes de tal Revisão ter sido levada a efeito, nem por isso, e mesmo na perspectiva de ser considerado como organicamente inconstitucional de um ponto de vista formal, poderá deixar de ser visualizado como materialmente feridente do Diploma Básico, na medida em que as normas nele contidas infringem, 'na actualidade', o 'princípio constitucional da reserva de lei' consagrado naquela alínea.
Cumpre decidir.
2. O Tribunal, adianta-se desde já, não antevê motivos para o deferimento da vertente reclamação.
Efectivamente, a edição de legislação sobre matéria hoje elencada na sobredita alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Constituição, no que respeita ao regime geral de taxas e outras contribuições financeiras a favor das entidades públicas, levada a cabo pelo Governo sem estar parlamentarmente credenciado, só pode conduzir, quanto ao particular dessa edição, a que se considere tal legislação como enfermando de um vício de inconstitucionalidade orgânica. E, como por várias vezes já tem sido sublinhado pela jurisprudência deste Tribunal
(cfr., verbi gratia, o Acórdão nº 241/90, publicado na 2ª Série do Diário da República de 22 de Janeiro de 1991), se um dado diploma foi emitido pelo Governo e regeu sobre matéria que, ao tempo da sua emissão, era da competência legislativa concorrente do Executivo e do Parlamento, a circunstância de, posteriormente, tal matéria vir a ser incluída na reserva exclusiva de competência da Assembleia da República, não irá desencadear um superveniente vício de inconstitucionalidade orgânica, já que as disposições constitucionais sobre as forma e repartição de competência legislativa tão só podem estatuir a partir do momento em que venha a vigorar o diploma fundamental (ou a respectiva alteração) onde elas se venham a estabelecer.
E não colhe, neste passo, a argumentação do reclamante segundo a qual, vindo, após a Revisão Constitucional de 1997, a ser erigido como princípio material do Diploma Básico, o 'princípio constitucional da reserva de lei consagrado no comando da al. i) do n.º 1, ‘ex vi’ do n.º 2, do art. 165.º da Constituição vigente', todo o normativo do Código das Custas Judiciais, 'mercê do preceituado no art. 3.º, n.º 3, outrossim da Constituição', seria retroactivamente inválido a partir daquela Revisão.
É que um tal princípio não se dirige, como é óbvio, ao concreto elenco das matérias constantes das diversas alíneas do nº 1 do assinalado artigo
165º.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 11 de Janeiro de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida