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Proc. n.º 104/99
1ª Secção Cons. Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO:
1. – E.-R.,LDA veio deduzir impugnação judicial contra o acto de liquidação da quantia de Esc.s: 13.027 020$00, efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa, nos meses de Abril e Maio de 1990, a título de taxa de publicidade, pela emissão de anúncios luminosos em telhados.
Por sentença do 5º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, tal impugnação judicial foi julgada improcedente e mantida a liquidação efectuada.
Não se conformando com o assim decidido, a E.-R.,LDA interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), aí deduzindo a questão da inconstitucionalidade das taxas exigidas a título de renovação de ‘licença de publicidade,’ que devem ser consideradas impostos ou pelo menos tratadas como tais, se forem consideradas contribuições especiais; mais alega que, caso se qualifiquem as taxas de licenciamento de publicidade como taxas fiscais, elas violam o princípio da legalidade em virtude da ausência de correlação entre o seu montante e eventual serviço público prestado (artigos
106º/2 e 168º/1/i da CRP); admitindo a natureza de taxa do tributo impugnado, então a alteração do seu valor entre 1989-1990, de 152$00/reclamo/ano para
8.500$00, viola o princípio da proporcionalidade e da tutela da confiança; alega também a recorrente que as normas que criaram as taxas em causa são formal e organicamente inconstitucionais, uma vez que contém disciplina inicial inovatória sobre direito, liberdades e garantias e também materialmente inconstitucionais por violação do disposto nos artigo 18º, n.º2 e 266º, n.º2, da CRP.
O STA, por acórdão de 3 de Julho de 1996, decidiu anular a sentença recorrida para que o processo baixasse à 1ª instância e aí fosse ampliada a decisão de facto, de forma a poder constituir base suficiente para a decisão de direito.
Notificada desta decisão, E.-R.,LDA veio arguir nulidades, por mera cautela, para o caso de o recurso para o Pleno da 2ª Secção
– entretanto interposto - vir a ser considerado como recurso extraordinário.
Por despacho de 27 de Novembro de 1996, foi indeferido o requerimento de interposição do recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário com fundamento que o acórdão recorrido não foi proferido 'em primeiro grau de jurisdição' e, após o trânsito, foi proferido novo acórdão do STA que apreciou a questão das nulidades arguidas pela recorrente E.-R.,LDA.
Nesse acórdão, o STA decidiu atender a reclamação da recorrente decidindo que 'na oportunidade devida, irá ser proferido um novo acórdão, em substituição do que constitui fls. 682 a 688 dos autos'.
2. – Neste novo acórdão de 15 de Janeiro de 1997, o STA julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.
Para chegar a tal conclusão, o STA rebateu, ponto por ponto, a argumentação da recorrente: considera que a quantia paga pela renovação da licença de publicidade sobre anúncios luminosos deve ser qualificada como uma taxa, na modalidade de remoção por acto administrativo de obstáculos jurídicos a um comportamento de particulares, que passa a ser livre; enquanto taxa, tal receita não goza de reserva parlamentar em matéria fiscal, que apenas se reporta aos impostos; o Regulamento sobre Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa
(CML) e a respectiva Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais agravaram, para os reclamos luminosos, a taxa nos termos referidos pela recorrente, porém, não apontam para uma desproporção excessiva ou «gigante» de que fala a recorrida, pelo que não foram violados os princípios da confiança, da proporcionalidade ou da proibição do excesso; quanto à inconstitucionalidade orgânica e formal, o acórdão reafirma que quando se está no domínio das meras taxas não é de observar a reserva parlamentar em matéria fiscal; quanto à inconstitucionalidade da Lei nº97/88, de 17 de Agosto, na interpretação de que o exercício dos direitos liberdades e garantias fiquem sujeitos a autorização prévia por acto administrativo e na interpretação da sua aplicação retroactiva a situações pretéritas consolidadas, o acórdão entendeu que só as mensagens de propaganda e não as de publicidade podem caber no âmbito das disposições constitucionais citadas pela recorrente, pelo que estas últimas não respeitam à matéria dos direitos liberdades e garantias.
3. – Ainda inconformada com a decisão, E.-R.,LDA veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por requerimento de 3 de Fevereiro de 1997. Porém, por novo requerimento de 4 de Fevereiro de 1997, a recorrente interpôs recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário.
Este último recurso para o Pleno não foi admitido.
Após ter sido resolvida uma reclamação da conta de custas, foi o processo remetido a este Tribunal, onde se determinou a produção de alegações.
Nestas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
'1ª - Para além da sinalagmaticidade que distingue a taxa do imposto, quando se trate de importâncias exigidas pela remoção de limites jurídicos à actividade dos particulares ('licenças'), como parece ser o caso, é pacífico na doutrina e jurisprudência nacionais que só estaremos perante uma verdadeira e própria taxa se a remoção desse limite permitir a utilização de um bem semipúblico. Se daí não resultar a utilização deste tipo de bens, se se tratar de um obstáculo artificialmente criado, sem que a remoção deste limite jurídico conceda aos seus sujeitos passivos qualquer utilização de um bem semipúblico, ou motive outra actividade que não a de lançar e cobrar a licença, estamos perante um imposto
(cfr., por todos, JJ. Teixeira Ribeiro, A noção..., cit. p. 292);
2ª - As contribuições especiais estão sujeitas ao mesmo regime dos impostos do ponto de vista jurídico, i.e., trata-se de verdadeiros e próprios;
3ª - Pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 63/99, de 2/2/99, proferido no Proc. 513/97, a 1ª Secção já se pronunciou pela natureza de imposto da licença de publicidade impugnada e pela inconstitucionalidade material, orgânica e formal do artº 18º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais da CML, publicitada pelo Edital 100/89, com as alterações constantes do Edital 26/90
(cfr. texto, nº 8, resumidamente, 9);
4ª - 0 douto acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, na qualificação como taxas s.s. das importâncias impugnadas, exigidas a título de renovação de
'licença de publicidade', uma vez que esta receita constitui um verdadeiro imposto, como já se decidiu no citado acórdão do Tribunal Constitucional e nº
63/99, de 2/2/99, Proc. 513/97, DR, IIª S., de 31/3/99 e como apontam de forma inequívoca os pareceres dos Profs. Gomes Canotilho, Pitta e Cunha e Xavier de Basto, e do Dr. Lobo Xavier, juntos aos autos pela impugnante, pois (cfr. texto, núms. 10 a 17, resumidamente, 19):
5ª - A receita cobrada pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) a título de
'licença de publicidade', referente a reclamos luminosos, constitui um imposto e não uma taxa porque se reduz exclusivamente, aos actos burocráticos de mera remoção do obstáculo jurídico à actividade dos particulares, não se verificando a prestação de qualquer serviço ou, mais genericamente, a utilização de um bem semi-público;
6ª - Em especial, quando a afixação impõe o licenciamento prévio de obras de construção, como sucede com os reclamos luminosos da impugnante, implantados no topo de prédios urbanos de propriedade privada, o licenciamento e taxas de obras sempre consumiriam toda a actividade municipal susceptível de representar uma contrapartida de qualquer taxa, nada restando em sede de licenciamento de publicidade;
7ª - No caso vertente trata-se de importâncias exigidas a título de renovação automática e anual de licença de publicidade, sendo ainda mais patente a inexistência de qualquer actividade camarária de suporte ou contrapartida à exigência que não se reduza aos actos de levantamento do condicionamento estabelecido, tratando-se de um imposto indirecto periódico e inconstitucional, por violação do princípio da tipicidade fiscal;
8ª - 0 critério de fixação do montante da 'licença de publicidade' contido no artº 14º do Regulamento sobre Publicidade da CML, que devolve para o artº 18º da
'Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais' (Edital 100/89) desliga-se do custo da eventual actividade administrativa-burocrática de remoção do limite jurídico, assentando numa grandeza - área de anúncio - que não tem qualquer conexão com os hipotéticos actos em que se consubstanciaria a contraprestação municipal (cfr. texto n' 21, 22, resumidamente, 23);
9ª - Sendo que a não utilização de um critério que razoavelmente forneça a medida da diferença de intensidade da actividade administrativa subjacente - cujos custos são idênticos de anúncio para anúncio, como a própria CML confessa a fls. 454-510 significa que a CML não pretende repercutir custos dos seus serviços pelos utentes, mas sim participar a actividade económica dos sujeitos, partilhando o lucro da actividade através de um imposto indirecto sobre a publicidade, calculado por um índice de capacidade contributiva - a área do anúncio - o que viola os arts. 106/2 e 168º/1/i) da CRP (cfr. texto n' 21, 22, resumidamente, 23);
10ª - As receitas públicas cobradas em conexão com serviços públicos, que vêem o seu valor determinado por referência não factos indiciadores da medida de uso dos serviços, mas sim de índices de capacidade contributiva, devem ser incluídas no perímetro do princípio da legalidade tributária, ainda que não se tratem de impostos s.s. (cfr. texto nº 21, 22, resumidamente, 23);
11ª - A conjugação da renovação anual automática das licenças de publicidade com a cobrança de 'taxas anuais', sem que se vislumbre a prestação de qualquer contrapartida real, acentua o carácter inconstitucional deste verdadeiro imposto indirecto periódico sobre a afixação de mensagens publicitárias, por violação do princípio da legalidade fiscal (artº 106º/2 da CRP), assim também violado pela sentença recorrida (cfr. texto n.º 21, 22, resumidamente, 23 e Parecer dos Profs. Pitta e Cunha e Xavier de Basto, junto aos autos);
12ª - 0 acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 106º/2, e 168º/1/i) da CRP, pois, caso se qualifiquem as taxas de licenciamento de publicidade previstas no artº 18º da Tabela de Taxas e outras Licenças constante do Edital
100/89 da CML, como taxas fiscais, em virtude da ausência de correlação entre o seu montante e o eventual serviço público prestado, atento o teor da confissão da CML quanto ao custo da tramitação burocrática de emissão de um título de licença e o objectivo de aproximar o valor das taxas dos valores do mercado publicitário (fls. 455-510), aquela estaria sujeita ao principio da legalidade, sendo o tributo impugnado inconstitucional, por violação do princípio da legalidade (artº 106º/2 e 168º/1/i) da CRP) (cfr. texto, nº 25, resumidamente,
27);
13ª - Admitindo por mera hipótese, e sem conceder, a natureza de taxa do tributo impugnado, a alteração do seu valor entre 1989 e 1990 (Editais 110/88, 100/89, e
26/90), de 152$00(/m2/reclamo/ano), para 8.500$00, com o fundamento constante de fls. 454-510, traduz uma alteração súbita e inesperada do quantum da 'taxa e uma desproporção gritante entre a quantia exigida e a eventual actividade do ente público, violando os princípios da tutela da confiança, da proporcionalidade na actuação administrativa, bem como a proibição de excessos, constante do artº
18/2 da CRP, ambos decorrências do princípio do Estado de Direito (cfr. texto, nº 26, resumidamente, 27); l4ª - As normas dos arts. 14º e 22º do Regulamento sobre Publicidade e do artº
18º da tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais da CML, acima melhor identificados, que criaram e disciplinaram o imposto sobre publicidade impugnado são formal e organicamente inconstitucionais, tendo violado o princípio da legalidade fiscal (arts. 106º/2 e 168º/1/i) da CRP - cfr. texto, nº
28);
15ª - As normas dos arts. 3º, 4º. a) e b); 6º do Regulamento sobre Publicidade contêm disciplina inicial e inovatória sobre matéria de Direitos, Liberdades e Garantias, configurando um Regulamento Autónomo, formal e organicamente inconstitucional, violando o disposto nos arts. 115º/6 e 7, 168º/1/b) e 242º da CRP (cfr. texto nº 29);
16ª - As normas dos arts. 3º, 4º, a) e b); 6º do Regulamento sobre Publicidade restringiram Direitos, liberdades e Garantias, sem observância do princípio da proibição do excesso e salvaguarda do núcleo essencial dos direitos, sendo também materialmente inconstitucionais por violação do disposto nos arts. 18º/2 e 3 e 266/2 da CRP (cfr. texto nº 29 e Parecer do Prof. Gomes Canotilho junto aos autos);
17ª - A previsão de 'renovações automáticas de licença' (artº 22º do Regulamento sobre Publicidade) constitui uma evidente fraude ao disposto na Lei 97/88, sendo também materialmente inconstitucional, estabelecendo, neste ponto restrições desproporcionadas aos DLG constantes dos arts. 37º/1, 42º/1, 61º/1 e 62º/1 da CRP, ao prever prazos de validade do licenciamento inicial muito curtos e desajustados relativamente ao investimento, custos e manutenção dos reclamos durante décadas, violando assim o disposto no artº 18º/2 e 3 e 226º/2 da CRP
(cfr. texto, nº 30 e parecer do Dr. Lobo Xavier, junto aos autos);
18ª - Por último, entende a impugnante que a Lei 97/88, de 17/8, tem de considerar-se materialmente inconstitucional, caso venha a ser interpretada no sentido de permitir que o exercício dos DLG constantes dos arts. 37º/1, 42º/1,
61º/1 e 62º/1 da CRP fique sujeito a prévia autorização por acto administrativo
(cfr. texto, nº 31);
19ª - Do mesmo passo, caso se venha a entender que o mesmo diploma é retroactivamente aplicável a situações pretéritas consolidadas, como sucede com os reclamos da impugnante, entende esta que o mesmo é materialmente inconstitucional, por violação do artº 18º/2 e 3º da, CRP (cfr. texto, nº 31).'
Também a Fazenda Nacional apresentou alegações, tendo formulado a seguintes conclusões:
'a) A recorrente ao obter a licença de publicidade para colocação de anúncios visíveis dos espaços públicos da localidade acedeu à comunicação com os utentes dos espaços públicos; b) Os utentes dos espaços públicos são os eventuais clientes dos bens ou serviços promovidos pelos anúncios; c) A utilização dos bens semi-públicos é o elemento de correspectividade da prestação em causa; d) O sinalagma próprio da natureza jurídica de taxa reside na utilização de bens semi-públicos; e) As importâncias impugnadas nos autos só podem ser qualificadas como taxas; f) É manifesta a vantagem económica da promoção publicitária proporcionada pela afixação do reclamo; g) A vantagem económica proporcionada pela fixação do reclamo compensa sobejamente o montante cobrado a título de taxa; h) A circunstância do montante da taxa haver sido fixado em 8.500$00/M2/ano, é a mera expressão da actualização real do valor da taxa; i) Pelo que o artigo 18º da Tabela de Taxas e outras Receitas Municipais constante do Edital da Câmara Municipal de Lisboa não ofende qualquer princípio constitucional.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS:
4. – A recorrente suscita nos presentes autos a questão da natureza da receita cobrada pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) a título de
'licença de publicidade' referente a reclamos luminosos. Tal receita, em seu entender, constitui um imposto e não uma taxa, tanto mais que, no caso, se trata de mera renovação automática e anual de licença de publicidade, inexistindo assim qualquer actividade camarária que constitua contrapartida do pagamento da taxa.
A recorrente foi convidada a especificar correctamente quais as normas cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie e qual o princípio constitucional violado em relação a cada norma.
Na sequência desse convite, a recorrente veio indicar as seguintes normas que deviam ser apreciadas pelo Tribunal:
1. Artigos 3º, 4º, alíneas a) e b), 14º e 22º do Regulamento sobre a Publicidade da CML, com as alterações introduzidas pelo Edital n.º 7/90, de 26 de Fevereiro e o Artigo 18º da Tabela de Taxas e Licenças e outras Receitas Municipais, constante do Edital n.º 100/89, (Diário Municipal 15.714, 2º Supl.) de 15 de Setembro de 1989, com alterações introduzidas pelo Edital n.º 140/89
(Diário Municipal (Supl.) 15836, de 16/03/90), que prevêem a receita impugnada, por violação do artigo 106º/2 e 168º/1/i, da Constituição;
2. Os artigos 3º, 4º, alíneas a) e b), 6º do Regulamento sobre a Publicidade da CML, com as alterações do Edital n.º 7/90, de 26/2, que contêm disciplina primária em matéria de direitos, liberdades e garantias além de restrições desproporcionadas a esses direitos, em violação dos artigos 18º, n.º2 e 3 e 226º, n.º2 da Constituição;
3. O artigo 22 do Regulamento sobre Publicidade ao prever 'renovações automáticas de licença' com prazos de validade iniciais muito curtos e desajustados relativamente aos investimentos, custos e manutenção dos reclamos, causando assim restrições desproporcionadas aos direitos liberdades e garantias decorrentes dos artigos 37º/1, 42º/1, 61º/1 e 62º/1 da Constituição (CRP), pelo que é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18º/2 e 226º/2 da CRP;
4. As normas da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, se interpretadas no sentido de permitir que o exercício dos direitos, liberdades e garantias dos artigos
37º/1, 42º/1, 61º/1 e 62º/1 da Constituição (CRP), fique sujeito a prévia autorização por acto administrativo, são inconstitucionais por violação dos mesmos preceitos;
5. De igual modo, as normas da Lei n.º 97/88 serão inconstitucionais se se considerarem retroactivamente aplicáveis a situações consolidadas, como é o caso dos reclamos da recorrente, por violação do artigo 18º, n.ºs 2 e 3 da Constituição;
6. O Regulamento sobre Publicidade da CML (Diário Municipal n.º 15616, de
26/04/89, com as alterações do Edital n.º 7/90, de 26/2) e a Tabela das Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais (Edital n.º 190/89, Diário Municipal 15714
(2ª Sup.), de 15/09/89, com a alteração do Edital n.º 140/89, Diário Municipal
15742, de 26/10/89 e pelo Edital n.º 26/90, Diário Municipal (Sup) 15836, de 16 de Março de 1990) enquanto prevêem receitas públicas determinadas não pelo uso dos serviços mas antes pela capacidade contributiva devem ser tratadas como impostos mesmo que o não sejam, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária;
7. É inconstitucional a conjugação da renovação anual automática das licenças de publicidade com a cobrança de 'taxas anuais' constante do Regulamento e da Tabela citados, sem a prestação de qualquer contrapartida real, por violação do princípio da legalidade fiscal (artigo 106º/2 da CRP);
8. As normas publicitadas pelo Edital da Câmara Municipal de Lisboa n.º
140/89, publicado no Diário Municipal n.º 15 742, de 26.10.1989, que permitiram a deliberação da Assembleia Municipal, de fixar em 1,133 o coeficiente de actualização, a partir de 1 de Janeiro de 1990, dos valores das taxas, tarifas, licenças constantes da Tabela das Taxas e outras receitas municipais, ao permitirem um aumento do montante traduzido numa subida de mais de 5000% entre
1989 e 1990, violam o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso. Essencialmente, a recorrente considera inconstitucionais as normas do Regulamento sobre Publicidade e da Tabela das Taxas, Licenças e Outras Receitas emanados da Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo das quais se cobram receitas, a título de «taxas», referentes a reclamos luminosos, sem qualquer contrapartida real. As normas que se questionam são os artigos 3º, 4º, alíneas a) e b), 6º, 14 e 22º do Regulamento e o artigo 18º da Tabela de Taxas.
5. – Vejamos o teor das normas em questão. Do Regulamento sobre Publicidade (aprovado pelo Diário Municipal, n.º 15.616, de
26 de Abril de 1989, com as alterações introduzidas pelo Edital n.º 7/90, de 26 de Fevereiro ):
'Artigo 3º
(Licenciamento prévio)
1.A afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público, ou deles visíveis, fica sujeito a licenciamento prévio da Câmara Municipal.
2.As mensagens publicitárias amovíveis, visíveis de bens ou espaços afectos ao domínio público e expostas no interior de montras ou locais semelhantes destinados aos mesmos fim, não estão sujeitas ao licenciamento previsto no número anterior.
Artigo 4º
(Limites I) Não podem, em qualquer caso, ser emitidas licenças para afixação ou inscrição de mensagens publicitárias que, por si só, ou através dos meios ou suportes que utilizam, obstruam perspectivas panorâmicas, afectem a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem, ou causem danos a terceiros, nomeadamente: a. Inscrições e pinturas murais ou afins em bens afectos ao domínio público ou privado que não pertençam ao autor da mensagem, ao titular desses direitos ou a quem dela resulte identificável; b. Faixas de pano, plástico, papel ou outro material semelhante que atravessem a via pública; c. [...].' Artigo 6º
(Limites III) Não pode, ainda, ser licenciada a afixação de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público e nas coberturas ou telhados ou edifícios que se situem na área delimitada no mapa anexo, excepto se se lhes reconhecer indubitável interesse público e não for posta em causa a conservação da zona ambiental e arquitectónica definida.' Artigo 14º
(Taxas)
1. São aplicáveis ao licenciamento e renovações previstos neste Regulamento as taxas estabelecidas na Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais.
2. O montante da taxa aplicável é corrigido, a final, em função do valor correspondente ao período de tempo durante o qual o titular da licença se viu privado da utilização do meio ou suporte, por força do disposto da alínea e) do n.º3 do artigo 19º;
3. As entidades isentas do pagamento de taxas às Autarquias não estão, todavia, isentas do licenciamento a que se refere este Regulamento.' Artigo 22º
(Renovação) A licença cujo prazo seja igual ou superior a 30 dias renova-se automática e sucessivamente, salvo se: a. A Câmara Municipal notificar o titular de deliberação em sentido contrário por escrito e com a antecedência mínima de 20 dias antes do termo do prazo respectivo; b. O titular comunicar á Câmara Municipal intenção contrária por escrito e com antecedência mínima de 15 dias antes do termo do prazo respectivo. Da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais da Câmara Municipal de Lisboa (aprovada pelo Edital n.º 100/89, Diário Municipal n.º 15.714, 2º Suplemento, de 15 de Setembro de 1989, com as alterações dos Editais n.ºs
140/89, de 26 de Outubro de 1989 e 26/90, de 16 de Março de 1990):
'Artigo 18º Anúncios luminosos (por metro quadrado e por ano) 8 500$00.
6. - Importa, antes de mais, delimitar o objecto do presente recurso. De facto, o que a recorrente vem impugnando nos presentes autos é a liquidação de uma taxa, a título de renovação de «licença de publicidade» relativa a vários reclamos luminosos por si instalados em diversos locais (cf. fls. 113, dos autos – alínea a) dos factos provados)
Assim sendo, é manifesto que os artigos 3º, 4º, alíneas a) e b) e 6º do Regulamento de Publicidade não foram aplicada na decisão recorrida. Com efeito, no caso trata-se de reclamos luminosos já instalados e licenciados, tendo sido liquidada apenas a taxa de renovação: ora, os preceitos aqui em causa referem-se unicamente ao licenciamento prévio de mensagens publicitárias por parte da Câmara Municipal e aos limites que tal licenciamento tem de respeitar.
Nos autos, não se questiona o licenciamento mas sim a obrigação de pagamento de uma nova taxa pela renovação de licença já concedida. Ou seja, em causa estão tão somente os artigos 14º e 22º do Regulamente de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa e o artigo 18º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais.
Deste modo, tem de se concluir que as normas da Lei n.º
97/88, 17 de Agosto que a recorrente também invoca no requerimento de interposição de recurso, mas que não identifica de forma concreta, na medida em que possam ser relativas aos artigos 3º, 4º e 6º do Regulamento, também não podiam ter sido aplicadas na decisão recorrida, não podendo conhecer-se de qualquer questão de constitucionalidade relativamente a outras normas desta lei pelo simples facto de as mesmas não terem sido correctamente identificadas.
Efectivamente, o presente recurso de constitucionalidade vem interposto ao abrigo do preceituado no artigo 70º, n.º1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Este tipo de recurso impõe que o recorrente respeite os seguintes requisitos de admissibilidade: que a constitucionalidade das normas questionadas seja suscitada durante o processo e que a decisão recorrida aplique, como seu fundamento normativo, tais normas.
Não tendo a decisão recorrida aplicado, como se referiu, as normas dos artigos 3º, 4º e 6º da Regulamento de Publicidade e não tendo sido identificadas quaisquer normas da Lei n.º97/88, salvo na parte em que tal Lei constitui fundamento de emissão daquele Regulamento – matéria que não vem questionada -, o presente recurso de constitucionalidade apenas conhecerá das normas constantes dos artigos 14º e 22º do Regulamento de Publicidade e do artigo 18º da Tabela de Taxas, atrás transcritas.
7. – Vai começar-se a analisar esta matéria apreciando o artigo 14º do Regulamento, em conjugação com o artigo 18º da Tabela de Taxas, na medida em que o primeiro dos preceitos manda aplicar às renovações previstas no Regulamento as taxas estabelecidas na Tabela, ou seja, naquele artigo 18º.
A questão que a recorrente coloca , a este respeito, é a da natureza da importância exigida pela Câmara Municipal, a título de licença ou sua renovação: será uma «taxa» ou revestirá a natureza de um verdadeiro imposto?
O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta matéria e precisamente sobre o artigo 18º da mencionada Tabela. Uma primeira vez, a propósito de norma de teor idêntico, mas correspondente à publicidade nos veículos de transporte colectivo e nos veículos particulares (Artigo 62º da Tabela de Taxas e Licenças Municipais da Câmara Municipal de Guimarães), no Acórdão n.º 558/98, publicado no Diário da República, IIª Série, de 11 de Novembro de 1998). E, pela segunda vez, mas agora exactamente sobre o artigo 18º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, no Acórdão n.º 63/99, de 2 de Fevereiro de 199, publicado no Diário da República, IIª Série, de 31 de Março de 1999.
Neste segundo Acórdão, o Tribunal remeteu para a argumentação expendida no Acórdão n.º 558/98, por se tratar de hipóteses em tudo semelhantes, a merecerem o mesmo tratamento jurisprudencial.
No caso em apreço, trata-se exactamente da mesma norma que foi apreciada no Acórdão n.º63/99, não se vislumbrando quaisquer razões que imponham uma diferente solução da que ali foi adoptada. Assim, passa-se a transcrever a fundamentação que ali foi expendida:
'Simplesmente, não será do simples facto de o licenciamento da actividade publicitária competir, na área dos respectivos municípios, às câmaras municipais, que decorre, desde logo e sem mais, que o tributo cobrado pelas edilidades aos responsáveis pela afixação e inscrição das mensagens de propaganda, haja de ser considerado como uma «taxa». Efectivamente, não passa este Tribunal em claro que, como se disse no citado Acórdão nº 313/92, 'mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares sofre uma limitação, aqueloutra actividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a imposição de uma «taxa» somente desde que tal retirada se traduza na dação de possibilidade de utilização de um bem público ou semi-público (cfr., sobre o ponto, Teixeira Ribeiro na citada Revista)', acrescentando-se que, '[s]e este último condicionalismo não ocorrer, deparar-se-á uma situação subsumível à existência de um encargo ou de uma compensação tributo que se aproximará da figura do «imposto» nos termos que a seguir se verão, sem que com isto se queira significar que a imposição de contributo só é recondutível à dicotomia de «taxas» ou «impostos». Na realidade, assente uma relação sinalagmática característica da «taxa», o que, como é claro, implica uma contrapartida de diferentes naturezas por parte do ente público impositor do tributo, tem a doutrina entendido que são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo mesmo, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares (cfr. Teixeira Ribeiro, ob. e local citados, Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier, também ob. e loc. cits.). Ora, quando em causa se encontra a terceira daquelas situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina que o encargo pela remoção - in casu, a concessão de licenciamento para a afixação ou inscrição de publicidade - só pode configurar-se como «taxa» se com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semi-público (vide autores por último citados e Sousa Franco in Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., vol.
1, 33, que, em vez de bens semi-públicos, fala de bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão pública, quer de bens colectivos impuros). Neste contexto, e não olvidando que a norma sub specie se reporta a painéis publicitários afixados ou inscritos, não em quaisquer bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas sim em veículos de transporte colectivo ou em veículos particulares (e são desta última espécie os veículos da recorrente), não se lobriga, por um lado, que forma de utilização de um bem semi-público esteja em causa e, por outro, que o ente tributador venha a ser a ser constituído numa situação obrigacional de assumpção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico. Mas, mesmo que o tributo criado pela norma em análise, possa ser visualizado como aquilo que certa doutrina (designadamente estrangeira) apelida de contribuições especiais ou tributos especiais (cfr. Perez de Ayala e Eusebio Gonzalez Curso de Derecho Tributário, 1º Tomo, 208), o que é certo é que a doutrina nacional, quase diríamos sine discrepante, tem sustentado que tais contribuições ou tributos não devem, do ponto de vista do seu tratamento, ser vistas diferenciadamente dos «impostos». Em face do exposto, e porque se não vê, por um lado - perspectivando o tributo em causa como um encargo derivado pelo levantamento de obstáculos jurídicos ao exercício ou ao desenvolvimento de uma actividade por parte de um particular - que haja da sua parte a utilização de um bem semi-público (ou colectivo na linguagem de Sousa Franco) e, por outro, que, mesmo na óptica de nos situarmos perante uma contribuição ou um tributo especial, ele devesse ter um tratamento sui generis diferente do que deve ser conferido aos impostos, uma só solução se nos anteolha. É ela a de a respectiva imposição haver de obedecer aos ditames que pela Lei Fundamental são dirigidos aos «impostos». E daí que a norma impositora do encargo em apreciação, porque criada por diploma não emanado pela Assembleia da República (ou pelo Governo devidamente credenciado por aquela), deva ser considerada como enfermando do vício de inconstitucionalidade orgânica.'.
8 – Nos autos, tratando-se de hipótese inteiramente similar da que foi tratada no acórdão transcrito – reclamos luminosos instalados em telhados de/ou nos próprios prédios urbanos - não se está perante a utilização de bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas de bens ou locais pertencentes a particulares, como resulta do artigo 1344º do Código Civil, pois que 'a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície'.
Acresce que o facto de, no caso em apreço, se tratar de renovações, em nada altera a conclusão a que se chegou quanto á natureza da importância exigida pela Câmara Municipal. De facto, para além de a renovação da licença – se o prazo para que foi concedida for igual ou superior a 30 dias – ser «automática e sucessiva», o Regulamento respectivo determina que a tais renovações se aplica a mesma «taxa» que se exige para o licenciamento: ou seja,
à renovação da licença é aplicável a mesma obrigatoriedade de pagamento de uma dada importância a título de «taxa» que é exigida para o licenciamento prévio, que ficam assim totalmente equiparados.
No sentido de que este tipo de taxa criado pela norma que vem questionada é inconstitucional, veja-se o trabalho de P. Pitta e Cunha, J. Xavier de Basto e A. Lobo Xavier, Os Conceitos de Taxa e Imposto – A propósito de licenças Municipais, in FISCO, n.º 51-52, Fev.-Mar. 93, pág. 13 e ss).
Tem, pois, de se concluir pela inconstitucionalidade orgânica das normas questionadas: os artigos 14º e 22º do Regulamento sobre Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa, e o artigo 18º da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais.
Alcançado este juízo sobre a inconstitucionalidade orgânica das normas questionadas, torna-se desnecessária a averiguação da invocada inconstitucionalidade material dessas normas ou de outras com elas relacionadas, uma vez que a questão essencial dos presentes autos se prende com a natureza da importância exigida pela Câmara Municipal de Lisboa pela renovação das licenças em causa: taxa ou imposto. Resolvida esta questão no sentido de que se trata de um imposto, todas as outras questões suscitadas perdem relevância neste processo.
III – DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 106º, n.º2 e 168º, n.º1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (versão de 1982), as normas constantes dos artigos 14º e 22º do Regulamento sobre Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa (aprovado pelo Diário Municipal, n.º 15.616, de 26 de Abril de 1989, com as alterações introduzidas pelo Edital n.º 7/90, de 26 de Fevereiro), e do artigo 18º da Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais (aprovada pelo Edital n.º 100/89, Diário Municipal n.º 15.714, 2º Suplemento, de 15 de Setembro de 1989, com as alterações dos Editais n.ºs
140/89, de 26 de Outubro de 1989 e 26/90, de 16 de Março de 1990). b. Em consequência, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada de acordo com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2000 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida