Imprimir acórdão
Processo nº 496/99
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. J. P., notificado do Acórdão deste Tribunal n.º 644/99, de 24 de Novembro do corrente ano, veio:
'1 – Arguir a nulidade do mesmo douto acórdão;
2 – Requerer a sua reforma quanto a custas;
3 – Dar conhecimento que o pretenso acto administrativo do CSTAF, de 30 de Março de 1998, se encontra com a eficácia suspensa.' Sustenta o requerente, em conclusão, que
'1ª - O douto acórdão em causa enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, já que o reclamante expressamente pediu que fosse declarada inexistente ou nula a pretensa deliberação do CSTAF, de 30 de Março de 1998, que pretendeu aplicar-lhe
«a pena única de Aposentação Compulsiva», que o despacho então reclamado reconheceu como «produzi[ndo] efeitos», e, bem assim, expressamente pediu que fosse declarada inexistente ou nula a pretensa deliberação do ETAF, que pretendeu ser a resolução fundamentada a que se refere o artigo 80º, n.º 1, da LPTA, que o despacho então reclamado reconheceu como «produzi[ndo] efeitos.»
2ª - Nos termos do disposto nos artigos 134º, n.º 2, 137º, n.º 1, e 139º, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, e do artigo 88º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, é direito do reclamante ver declarada a inexistência ou a nulidade dos actos em causa «a todo o tempo», em «qualquer processo» e «por qualquer tribunal», incluindo nestes autos que correm termos perante o TC, conforme pediu.
3ª - O douto acórdão não emitiu pronúncia sobre os dois referidos pedidos, assim cometendo a nulidade prevista no artigo no artigo 668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
4ª- A condenação do reclamante quanto a custas não pode manter-se nos termos em que foi feita, porque o processo principal - que é um processo tributário de oposição à execução - tem o valor de 109.000$00 e a condenação num mero incidente importou logo em 210.000$00, faltando ainda as custas finais, o que viola o princípio da proporcionalidade na tributação e o direito de acesso ao tribunal consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição, tudo em harmonia com a jurisprudência do TC constante do acórdão n.º 1182/96, de 20 de Novembro de
1996, publicado no DR, Série, de 11-2-97 e do acórdão n.º 70/98, de 4 de Fevereiro.
5ª - Deste modo, o artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98 de 7 de Outubro, aplicado nos autos, é inconstitucional pelas ditas razões e também é organicamente inconstitucional, porque foi prolatado pelo Governo, arrogando-se competência própria, «nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198º» da Constituição, quando a decisão de tributar processos judiciais respeita ao exercício do direito fundamental de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, motivo por que o Governo carecia de autorização legislativa, nos termos do artigo 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição, autorização, essa, que não tinha ou não quis usar.
6ª - Por outro lado, verifica-se igualmente inconstitucionalidade, porque mediante o regime tributário constante do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, o Governo converteu o TC de «juiz-árbitro» em «juiz-treinador», sendo que tal alteração de «árbitro» para «treinador» viola o princípio do Estado de Direito.' Assim, requer nos autos de reclamação supra referenciados:
'1 – Seja declarada a nulidade do acórdão reclamado;
2 – Seja o mesmo douto acórdão reformado quanto a custas;
3 – Seja obtida confirmação do CSTAF de que este órgão, posteriormente a 24 de Agosto de 1999, não prolatou qualquer deliberação a que se refere o artigo 80º, n.º 1, da LPTA.
4 – Seja obtida confirmação do Tribunal Tributário de Lisboa, 2º Juízo, de que o reclamante continuou a proferir despachos e sentenças e a realizar audiências públicas de julgamento posteriormente a 15 de Abril de 1998.' Tendo ainda feito junção do documento de fls. 205 dos autos no qual, alegadamente, 'em 24 de agosto de 1999, foi deduzida suspensão de eficácia contra a pretensa deliberação do CSTAF, de 30 de Março de 1998, que quis aplicar ao reclamante «a pena única de Aposentação Compulsiva»', sendo que 'o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, quanto a essa suspensão de eficácia, jamais deliberou emitir qualquer resolução fundamentada a que se refere o artigo 80º, n.º 1, da LPTA, que, de resto, seria inexistente ou nula' e que 'nos termos desse preceito, a deliberação está suspensa'. Cumpre decidir. II. Fundamentos a) A arguição de nulidade
2. Vem arguida a nulidade do Acórdão n.º 644/99 por omissão de pronúncia quanto aos pedidos de declaração de nulidade da deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, de 30 de Março de 1998, que aplicou ao recorrente 'a pena única de Aposentação Compulsiva', bem como da resolução fundamentada tomada ao abrigo do artigo 80°, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, que reconheceu grave urgência para o interesse público na imediata execução daquele acto de aplicação da referida pena. O Acórdão reclamado não se pronunciou, porém, sobre estas questões apenas porque entendeu que o recorrente devia constituir advogado para litigar perante o Tribunal Constitucional (artigo 83º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional). Esta exigência, entendeu o Tribunal, é aplicável ao recorrente, que perdeu, com a eficácia da deliberação de aposentação compulsiva, os direitos decorrentes do estatuto de magistrado. O que o recorrente pretende com os pedidos de declaração de nulidade dos referidos despachos mais não é do que discutir, a propósito do patrocínio judiciário necessário para litigar perante o Tribunal Constitucional (isto é, a propósito da correcta verificação dos pressupostos processuais para litigar perante este) a questão de fundo de constitucionalidade, referente à manutenção do estatuto de magistrado. Não pode, porém, permitir-se que as disposições sobre a exigência de patrocínio judiciário sejam desta forma patentemente defraudadas.
3. Aliás, como se disse no despacho que convidou o recorrente a constituir advogado, a circunstância de o preenchimento pelo recorrente do pressuposto processual poder depender da solução da questão de fundo quanto à constitucionalidade não basta para, no momento da interposição do recurso de constitucionalidade, se dever dispensar a verificação desse pressuposto, sendo certo que – no que toca ao pressuposto consistente na exigência de patrocínio judiciário – nem sequer se encerra deste modo o recorrente num círculo vicioso, impedindo-o de ver apreciada a questão de constitucionalidade que lhe interessa, pois que o mesmo recorrente pode facilmente preencher tal pressuposto simplesmente constituindo advogado para o recurso. Foi, pois, como consequência necessária da falta de patrocínio judiciário – ou seja, da falta de um pressuposto processual para o Tribunal poder conhecer da questão de constitucionalidade, e também para se pronunciar sobre os ditos pedidos – que o Tribunal nada disse sobre os pedidos de declaração de nulidade efectuados, tendo, aliás, sido salientado que a decisão do Supremo Tribunal Administrativo que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia das deliberações referidas não é sindicável pelo Tribunal Constitucional nestes autos. Não se verifica, assim, qualquer nulidade, pelo que a sua arguição deve ser desatendida. b) O pedido de reforma quanto a custas
4. Baseia-se o pedido de reforma quanto a custas do Acórdão n.º 644/99 na alegação da sua inconstitucionalidade por violação 'do princípio da proporcionalidade na tributação e o direito de acesso ao tribunal consagrado no artigo 20º, n.º 1, da Constituição', bem como na da inconstitucionalidade do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro: inconstitucionalidade orgânica (por violação do artigo 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição) e inconstitucionalidade material (violação do princípio do Estado de Direito, por o reclamante pretender que com tal 'regime tributário' 'o Governo converteu o TC de «juiz-árbitro» em «juiz-treinador»'). Adianta-se desde já que todos estes fundamentos são improcedentes. Quanto à primeira inconstitucionalidade, assinale-se, antes de mais, que ela é referida pelo reclamante à própria decisão de condenação em custas, e não directamente como questão de constitucionalidade normativa. Admitindo-se, todavia, que está em causa, como determinante da violação do princípio da proporcionalidade, o facto de o regime de custas ser, no Tribunal Constitucional, independente do valor do processo que deu origem à questão de constitucionalidade, desde logo se adianta que tal opção não só nada tem de inconstitucional em si, como se afigura necessária, para além de, considerando concretamente os limites da 'moldura' legal para a condenação em custas, estar em conformidade com o princípio da proporcionalidade. A opção por um regime de fixação de custas que não segue o valor do processo que dá origem à questão de constitucionalidade afigura-se necessária, na verdade, pelo facto de muitas questões de constitucionalidade poderem ter origem em processos para os quais a lei não atribui um determinado 'valor da causa' – como acontece nos processos penais, por exemplo. Não se afigurando necessário – ou, mesmo, justificado, dada a identidade de natureza da intervenção do Tribunal – o recurso a critérios diferenciados na tabela de custas, estas têm, pois, de ser previstas com independência do 'valor da causa'. Aliás, numa certa perspectiva poderá ainda dizer-se que é a própria especificidade da intervenção do Tribunal Constitucional – dirigida à apreciação de questões de constitucionalidade normativa, embora, em sede de recurso, de questões que surgem incidentalmente num processo –, que inculca que o valor da questão discutida não tenha que andar estritamente ligado ao do processo no qual ela surgiu. O próprio legislador do Decreto-Lei n.º 303/98 não deixou, aliás, de salientar que se visou, na fixação do regime de custas contido naquele diploma, 'tomar em consideração as especificidades do processo no Tribunal Constitucional', não ignorando também a 'intervenção do tribunal motivada por uma contumácia crescente que importa desincentivar. O Tribunal Constitucional não pode ser utilizado como a 4.ª instância das ordens jurisdicionais, nem como pretexto para se protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado das decisões.' Também estes motivos podem ser relevantes para justificar a adopção de um regime de custas próprio.
5. A isto acresce que, considerando o valor máximo da 'moldura' de condenação em custas previsto no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (50 unidades de conta), bem como os critérios de fixação da taxa de justiça previstos no artigo 9º (com atenção à complexidade e natureza do processo, à relevância dos interesses em causa e à actividade contumaz do vencido), não pode dizer-se que o valor das custas seja em si desproporcionado ou excessivo – concluindo igualmente no sentido da inexistência de inconstitucionalidade de condenações em custas com base no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, v. os Acórdãos n.ºs 141/99 e 315/99 (ambos inéditos). Considerando, no caso concreto, a decisão de condenação em custas contida no Acórdão n.º 644/99, verifica-se que, prevendo o artigo 7º do Decreto-Lei n.º
303/98 a possibilidade de fixação da taxa de justiça entre 5 e 50 unidades de conta, naquele Acórdão se fixou tal taxa em 15 unidades de conta. Isto é, fixou-se um valor bem abaixo mesmo de metade da moldura legalmente prevista, que não pode ser considerado excessivo ou desproporcionado. Como se disse é, aliás, logo a especificidade da intervenção do Tribunal Constitucional que impossibilita a comparação directa com o valor das custas noutros tribunais, para afirmar a existência de uma desproporção. Não procede, pois, a alegação de violação do princípio da proporcionalidade.
6. A inconstitucionalidade orgânica do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro adviria, para o reclamante, do facto de este ter sido prolatado pelo Governo, no exercício de competência própria, quando a decisão de tributar processos judiciais respeita ao exercício do direito fundamental de acesso aos tribunais, sendo carecida de autorização legislativa, nos termos do artigo 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição. Acontece, porém, que, como é sabido, tal 'decisão de tributar processos judiciais' (nas palavras do reclamante) consta, no caso do regime de custas no Tribunal Constitucional, do artigo 84º ('Custas, multas e indemnização') da respectiva Lei de Organização, Funcionamento e Processo (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pelas Leis n.ºs 143/85, de 26 de Novembro, 85/89, de 7 de Setembro, 88/95, de 1 de Setembro, e 13-A/98, de 26 de Fevereiro – a redacção por esta última é a aplicável ao caso). Ou seja, a imposição de custas resulta de uma lei aprovada pela Assembleia da República, e de uma 'decisão' parlamentar. Em particular no que toca às reclamações, preceitua o n.º 4 deste artigo 84º:
'4 — As reclamações para o Tribunal Constitucional, e bem assim as reclamações de decisões por este proferidas, estão sujeitas a custas, quando indeferidas.' E diz o n.º 5 do mesmo artigo:
'5 — O regime das custas previstas nos números anteriores, incluindo o das respectivas isenções, será definido por decreto-lei.' O que o artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98 faz mais não é, pois, do que concretizar a previsão de existência de custas nas reclamações, constante do artigo 84º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, fixando os seus montantes. Ora, para tal concretização – em execução, aliás, do que se prevê na própria lei parlamentar, no artigo 84º, n.º 5 –, não se torna necessária lei da Assembleia da República, nem qualquer habilitação, por autorização legislativa, do Governo. O artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro não é, pois, organicamente inconstitucional.
7. Por último, o reclamante sustenta verificar-se igualmente inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, por violação do princípio do Estado de Direito, uma vez que com ele o Governo teria convertido o Tribunal Constitucional 'de «juiz-árbitro» em «juiz-treinador»'. Anuncia, porém, que não desenvolve o ponto (embora remeta, a propósito da distinção, para Castanheira Neves, Apontamentos de Metodologia Jurídica, Coimbra, policopiado, 1988-1989, pág. 156 e segs.). Não cabe, aqui, obviamente, apreciar o mérito da utilização de categorias como as de 'juiz-árbitro' e 'juiz-treinador', retiradas do quadro do específico problema jurídico-metodológico em que são utilizadas. Sempre se dirá, contudo, que não se vislumbra no regime de custas qualquer violação do princípio constitucional do Estado de Direito, em particular, pela desvirtuação do papel do Tribunal Constitucional enquanto órgão jurisdicional. Designadamente, tal violação não decorre da mera consideração, no estabelecimento desse regime, de finalidades como a de evitar a tentativa de utilização do Tribunal Constitucional como '4.ª instância das ordens jurisdicionais', ou 'como pretexto para se protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado das decisões'. c) Os restantes pedidos
8. Quanto aos restantes requerimentos, de obtenção de elementos junto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do Tribunal Tributário de Lisboa, não têm eles já cabimento, depois de prolatado Acórdão sobre a reclamação para a conferência apresentada pelo requerente, e relativa tão só à questão do preenchimento do pressuposto do patrocínio judiciário para litigar perante o Tribunal Constitucional. O poder jurisdicional do Tribunal encontra-se – para além dos casos de nulidade, esclarecimento de obscuridades ou ambiguidades ou reforma da sentença quanto a custas, que, como vimos, não se verificam – esgotado. III. Decisão Com estes fundamentos, decide-se desatender a arguição de nulidade e o pedido de reforma, quanto a custas, do Acórdão n.º 644/99. Custas pelo requerente, com 15 unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 11 de Janeiro 2000 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Bravo Serra Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida