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Processo nº 626/99
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1.C. S. e mulher M. H. F., ou H. S., com os sinais identificadores dos autos, vieram interpor 'recurso para o Tribunal Constitucional, versando a apreciação da inconstitucionalidade da norma da RAU (art. 107º nº 1 al. b))', do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Abril de 1999, que julgou improcedente o recurso de apelação por eles interposto e manteve a sentença que havia decretado
'a denúncia do contrato de arrendamento em causa, condenando os Réus a entregarem o local arrendado, livre de pessoas e bens, o mais tardar decorridos que sejam três meses sobre o trânsito em julgado de sentença, devendo os Autores pagar àqueles uma indemnização correspondente a dois anos e meio de renda à data do despejo', esclarecendo depois que 'o Recurso apresentado se funda na al b) do nº 1 do art. 70º, e que a norma julgada inconstitucional é o art. 107º nº 1 al. b) da RAU, por violação do art. 2º da Constituição da República Portuguesa, sendo que tal declaração de inconstitucionalidade foi proferida no Acórdão do Tribunal Constitucional datado de 5/3/98, publicado no BMJ. 475-119.(Dic. Leg. e Jurisp. nº 783º-Jan/1999)' ('Tal inconstitucionalidade embora superficialmente foi suscitada na 1ª Instância em sede de ‘contestação’, e expressamente, porque declarada posteriormente pelo Tribunal Constitucional, no requerimento dos recorrentes em que arguiram a nulidade do douto Acórdão proferido neste Venerando Tribunal da Relação' – acrescentam ainda).
2. Acontece que, tal como vem fundado o presente recurso (na alínea b) e não na alínea g), do nº 1 do artigo 70º, o que eventualmente poderia ter aqui relevo), não se verifica o pressuposto específico da arguição da questão da inconstitucionalidade durante o processo, arguição feita 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer', como se exige no nº 2 do artigo
75º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção do artigo 1º, da Lei nº
13-A/98, de 26 de Fevereiro. Consequentemente, por falta desse pressuposto, não se pode tomar conhecimento do presente recurso. Com efeito, são os próprios recorrentes a reconhecer que a questão de inconstitucionalidade 'embora superficialmente foi suscitada na 1ª Instância em sede de ‘contestação’, e expressamente, porque declarada posteriormente pelo Tribunal Constitucional, no requerimento dos recorrentes em que arguiram a nulidade do douto Acórdão proferido neste Venerando Tribunal da Relação', mas estes não são os momentos processuais próprios para tal suscitação. Ela deveria ter sido feita nas alegações do recurso de apelação, mas aí, embora se traga à colação a norma em causa do artigo 107º, nº 1, b), do RAU, não há nenhuma referência a qualquer matéria de inconstitucionalidade, nem se indica o acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/98. Por isso, não releva ter sido usada a arguição de nulidade do acórdão recorrido, 'ao abrigo do disposto no art. 668º, nº 3 da C.P. Civil', para discutir tal matéria e referir aquele acórdão nº
259/98 (daí que no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 8 de Junho de
1999, se tenha decidido 'indeferir a arguida nulidade', considerando-se, no que aqui importa, que a 'questão da inconstitucionalidade do artº 107º, nº 1, al. b), do RAU, não foi apreciada, pela simples razão de que não foi suscitada pelos apelantes, apenas tendo sido, agora, em sede de arguição de nulidade'). Por tudo isto, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
3. Termos em que, DECIDINDO, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº
85/89, de 7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não tomo conhecimento do recurso e condeno os recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em cinco unidades de conta'. B. Dela vieram os recorrentes 'reclamar para a conferência, nos termos do nº 3º e 4º do art. 78º-A da LTC (redacção da Lei nº 13-A/98 de 26/2)', invocando, a título de 'QUESTÃO PRÉVIA', e apelando 'ao único acórdão (conhecido) deste Tribunal Constitucional (datado de 5/3/98-BMJ 475-119) em que foi julgado inconstitucional o art. 107º nº 1, al. b) da RAU', 'que o fundamento do recurso para o Tribunal Constitucional só poderia fundar-se na al g) do art. 70º da LTC e nunca na alínea b), como por mero lapso de escrita se referiu, pois que, e como também não se deixou de alegar, tal inconstitucionalidade só foi claramente invocada aquando da arguição de nulidade do douto acórdão da Relação do Porto, o que inequivocamente dá azo ao entendimento sufragado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator, de que tal arguição, nesse caso não cumpre o pressuposto de
'legitimidade para recorrer' estatuído no art. 72º (e não 75º) nº 2 da lei 28/82 de 15/11, na redacção que lhe foi dada pela lei 13/A/98 de 26/2'. E acrescentam depois:
'B). e tal como já se alegou na Segunda Instância, mostra-se aqui verificada uma claríssima violação da regra da irrectroactividade da Lei pois que o direito invocado pelos recorridos já estava extinto quando o novo regime da RAU (leia-se art. 107º nº 1 b) entrou em vigor, pois que à data da alteração do art. 2º nº 1 al b) da Lei nº 55/79 de 15/9, pelo acima citado normativo da RAU, os recorrentes já há muito haviam preenchido todos os pressupostos da dita Lei que conduziriam à eliminação da competência de denúncia do senhorio, o que para aqueles recorrentes arrendatários constituiu um dado ou direito adquirido e uma mais valia de protecção da sua manutenção ou arrendado. Ora, e tal como se defende no acórdão nº 259/98 de 5/3/98 deste ilustre e alto Tribunal, ignorar-se ou omitir o conhecimento dos princípios fundamentais que enformam e conformam o estado de direito, tais como a 'ideia de justiça e a máxima de proporcionalidade, significará necessariamente questionar-se a segurança jurídica própria dos estados de direito democráticos, ao mesmo tempo que interpretar-se o art. 107º, nº 1 al b) da RAU de modo que se possibilite o invocado despejo com uma dimensão de imprevisibilidade e arbitrariedade, só pode significar violação das directivas imperativas prescritas no art. 2º da Constituição da República, o que só poderá conduzir à óbvia declaração de inconstitucionalidade do preceito normativo assim aplicado, o que como é sabido já se verificou no já antes supramencionado Ac. nº 259/98 de 5/3/98, o que fundamenta e possibilita o recurso de inconstitucionalidade suscitado, e que por essa soberana razão deverá ser admitido e por essa via conhecido, tal como prescreve o art. 70º nº 1 al g) da LTC'. C. O ora recorrido D. P., com os sinais identificadores dos autos, veio responder à reclamação, suscitando que deve ser confirmada aquela Decisão Sumária, por, e no essencial, não há 'dúvidas sobre qual a alínea a que os recorrentes deitaram mão' ('Como eles disseram, repetiram e concretizaram, foi a al. b) do art. 70º nº 1') e 'os erros materiais (ou de escrita) apenas existem quando sejam 'revelados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita' - Cód. Civil, artº 249º (aplicável a todos os actos judiciais ou das partes como é jurisprudência pacífica - v., entre muitos, Acs STJ de 6/6/73, BMJ 228-122)' e têm de ser 'ostensivos, patentes, manifestados de forma evidente'.
'Tudo requisitos que, como se viu, não se verificam neste caso e, pelo contrário, estão manifestados inexistirem. O requerimento de fls. entrado a 15/11/99, bem como a reclamação, entrada a
26/11/99, mais não são do que uma tentativa de salvar o náufrago já morto. Não têm qualquer sustento nos factos evidenciados no processo, nem na lei.' D. Vêm agora os autos à conferência, para se decidir. A Decisão Sumária não sai minimamente beliscada da reclamação, pois os reclamantes não a atacam na perspectiva que dela consta de estar fundado o recurso de constitucionalidade na alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº
28/82, significando isto que os reclamantes aceitam que, in casu, não se verifica o pressuposto específico da arguição da questão de constitucionalidade durante o processo, talqualmente ficou sublinhado naquela Decisão. Daí que os reclamantes se agarrem agora a diferente fundamento do recurso - o da alínea g) do mesmo nº 1 -, na 'tentativa de salvar o naufrago já morto' para usar a linguagem do recorrido, e invoquem o 'lapso de escrita referenciado no seu requerimento de recurso apresentado em 27/9/último no Venerando Tribunal da Relação do Porto', pretendendo tirar efeito do 'pedido de rectificação do erro de escrita antes referido', que apresentaram nestes autos ainda antes da apresentação da reclamação, conforme alegam. Tudo passa, porém, pela relevância a dar a esse pretenso 'erro de escrita'. Nenhuma como se vai ver. Quando os recorrentes vieram interpor o recurso de constitucionalidade da decisão do Tribunal da Relação do Porto - 'recurso para o Tribunal Constitucional, versando a apreciação da inconstitucionalidade da norma da RAU.
(art. 107º nº 1 al. b))' - e depois complementaram o requerimento com a informação 'de que o Recurso apresentado se funda na al b) do nº 1 do art. 70º, e que a norma julgada inconstitucional é o art. 107º nº 1 al. b) da RAU, por violação do art. 2º da Constituição da República Portuguesa, sendo que tal declaração de inconstitucionalidade foi proferido no Acórdão do Tribunal Constitucional datado de 5/3/98, publicado no BMJ 475-119. (Dic. Leg. e Jurisp. Nº 783-Jan/1999)', acrescentando ainda que tal 'inconstitucionalidade embora superficialmente foi suscitada em 1ª Instância em sede de 'contestação', e expressamente, porque declarada posteriormente pelo Tribunal Constitucional, no requerimento dos recorrentes em que arguiram a nulidade do douto Acórdão proferido neste Venerando Tribunal da Relação', sabiam perfeitamente que existia já o citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/98, mas não indicaram a alínea g) (e a identificação desse acórdão constava já de um requerimento de arguição de nulidade do acórdão recorrido de 20 de Abril de 1999, que foi indeferida no acórdão seguinte, de 8 de Junho de 1999, com a consideração de que a 'questão da inconstitucionalidade do artº 107º, nº 1, al. b), do RAU, não foi apreciada, pela simples razão de que não foi suscitada pelos apelantes, apenas o tendo sido, agora, em sede de arguição de nulidade'). Todavia, como se acaba de dizer, indicaram a alínea b) e desenharam o fundamento do recurso de constitucionalidade na base dessa alínea, evidenciando conhecê-la, por via do esclarecimento do local e modo de suscitação da questão de inconstitucionalidade em causa. Se os recorrentes sabiam quando e como suscitar a questão de constitucionalidade
- e é indiferente que tenham citado o acórdão nº 259/98 -, é porque queriam prevalecer-se da alínea b) e não da alínea g), que é uma hipótese distinta e respeitante à aplicação de norma 'já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional' (e até certamente só ficaram alertados para isso por na Decisão reclamada se referir a título marginal que
'eventualmente poderia ter aqui relevo' aquela alínea g)). Não se pode, portanto, falar em 'erro de escrita' no requerimento e seu complemento de interposição do recurso de constitucionalidade, pois não é caso de lapso ostensivo ou manifesto, dado o contexto em que é feito tal requerimento e seu complemento (a declaração dos recorrentes é clara e enquadra-se no módulo do recurso de constitucionalidade fundada na alínea b)), nada havendo, por consequência, a rectificar. Com o que deve manter-se a Decisão reclamada. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se os reclamantes nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 11 de Janeiro de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida