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Proc. nº 867/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma (Cons. Paulo Mota Pinto)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional I Relatório
1. J. R. e M. M. foram julgados e condenados por acórdão de 18 de Maio de 1994 do Tribunal de Círculo de Beja pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º, 22º, 23º e
74º do Código Penal, na pena de dois anos de prisão e de dois anos e cinco meses de prisão, respectivamente, tendo a execução desta última ficado suspensa por um período de três anos. Os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Évora. Este, por acórdão de
22 de Outubro de 1996, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea g), da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), para apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, norma que, nos termos do requerimento de recurso então apresentado, 'já fora anteriormente julgada inconstitucional no acórdão do Tribunal Constitucional – proferido em julgamento com intervenção do plenário – nº 190/94, de 23.2.94, in D.R., II Série, de 12.12.95 e, na sequência deste douto acórdão, nos acórdãos nº
430/94, de 24.5.94, in D.R., II Série, de 10.1.95, nº 680/95, de 29.11.95, in D.R., II Série, de 22.5.96 e 184/96, de 27.2.96, in D.R., II Série, de 21.5.96, igualmente do Tribunal Constitucional'. O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão nº 485/97, de 2 de Julho de 1997,
'aplicando o juízo de inconstitucionalidade dos acórdãos nºs 190/94 e 430/94', concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, 'a fim de ser reformada em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade expresso nos citados arestos'. Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Évora, foi neste proferido novo acórdão em 25 de Novembro de 1997, decisão esta que, confirmando a decisão recorrida, negou provimento ao recurso. Novamente inconformados, interpuseram os ora recorrentes recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes conclusões:
1.ª – O acórdão recorrido, não fundamentando as respostas dadas aos quesitos, viola o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 712º do Código de Processo Civil, e o artigo 649º do Código de Processo Penal de 1929.
2.ª – O comando inscrito no artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929, ao vedar a motivação das respostas aos quesitos, perfila-se como inconstitucional, por violação do disposto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como dos artigos 8º, nºs 1 e 2, 32º, nº 1 e 205º, nº 1, da Constituição da República.
3.ª – O acórdão recorrido deverá, em conformidade, ser revogado, e reformulada a decisão condenatória, com observância do juízo de inconstitucionalidade sustentado e do disposto nos nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil e artigo 649º do Código de Processo Penal de 1929. Por Acórdão de 17 de Junho de 1998, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, considerando que não procediam as questões de constitucionalidade alegadas.
2. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929. Nos termos do requerimento de recurso:
(…) B) Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida no artº
469º do Cód. Proc. Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada no acórdão recorrido; C) Tal norma, com a interpretação que lhe foi dada no acórdão objecto do recurso, viola os artigos 32º, nº 1 e 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e os princípios neles consagrados. D) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelos ora recorrentes em recurso oportunamente interposto de acórdão do Tribunal da Relação de Évora para o Supremo Tribunal de Justiça;
(…) Os recorrentes juntaram no Tribunal de Círculo de Beja uma peça dirigida ao Tribunal Constitucional, intitulada 'Alegações de recurso'. Sendo, nos termos do artigo 79º, nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional, nos recursos para o Tribunal Constitucional as alegações 'sempre produzidas no Tribunal Constitucional', os recorrentes foram notificados para produzir alegações, o que fizeram concluindo do seguinte modo:
1ª – O acórdão recorrido, não fundamentando as respostas aos quesitos, viola o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 712º do Código de Processo Civil, e o artigo
649º do Código de Processo Penal de 1929.
2ª – O comando inscrito no artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929, ao vedar a motivação das respostas aos quesitos, perfila-se como inconstitucional, por violação do disposto no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como os artigos 8º, nºs 1 e 2, 32º, nº 1 e 205º, nº 1, da Constituição da República.
3ª – O Acórdão recorrido deverá, em conformidade, ser revogado, e reformulada a decisão contraditória, com observância do Juízo de inconstitucionalidade sustentado e do disposto nos nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil e artigo 649º do Código de Processo Penal de 1929.' Por sua vez, o Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal concluiu as suas alegações do seguinte modo:
1º A norma constante do artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929, ao dispensar a fundamentação das respostas aos quesitos enunciados sobre a matéria de facto não é – conforme jurisprudência reiterada deste Tribunal – inconstitucional.
2º Na verdade, estando assegurada a plenitude dos poderes cognitivos das Relações para reapreciarem, sem qualquer limite ou restrição – como decorrência da inconstitucionalidade da norma do artigo 665º do Código de Processo Penal de
1929 – a decisão sobre a matéria de facto impugnada, mostram-se garantidos os direitos de defesa do arguido e o direito ao recurso da decisão condenatória.
3º Termos em que deverá improceder o presente recurso.
3. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação A A questão do parâmetro de constitucionalidade
4. A norma cuja constitucionalidade se questiona no presente recurso é o artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação segundo a qual não é obrigatório fundamentar as respostas aos quesitos.
Foi essa a interpretação normativa aplicada pela decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelos recorrentes.
Poder-se-á, desde logo, colocar a questão de saber se o parâmetro pelo qual se deverá aferir a constitucionalidade do artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929 é o artigo 205º, nº 1, da Constituição introduzido pela Revisão Constitucional de 1997 ou o artigo 208º, nº 1, que vigorava no momento em que foi definida pela decisão da primeira instância a matéria de facto através da resposta aos quesitos sem fundamentação. Essa questão poderia ser decisiva se se entendesse que a norma constitucional passou a ter um diferente alcance quanto às exigências de fundamentação de decisões judiciais. Assim, quem entenda que o artigo 208º, nº 1, da Constituição não tinha efectivo conteúdo material, remetendo para a lei ordinária, em absoluto, os casos e os termos em que se deveria cumprir o dever de fundamentação, tomará como central esta questão, uma vez que o artigo 205º, nº 1, contempla, sem remissões para outras fontes normativas, um dever geral de fundamentação das decisões judiciais. Mas já quem não entenda que o artigo 208º, nº 1, era uma norma totalmente remissiva para o teor da lei ordinária, sem um núcleo de conteúdo próprio quanto ao dever de fundamentação, poderá não considerar decisiva a questão para o juízo de constitucionalidade em casos como o do presente recurso. Isto é, se o conteúdo do dever de fundamentação, que já se retirava do artigo 208, nº 1, da Constituição, for essencialmente idêntico ao que resulta do actual artigo 205º, nº 1, a questão do parâmetro de constitucionalidade não expressará nada de substancial, mas será meramente formal.
5. Relativamente a esta questão, embora se reconheça que pode existir, em abstracto, alguma diferença de parâmetro de constitucionalidade, confrontando-se o momento em que a decisão da primeira instância se verifica e o momento em que o acórdão recorrido se prolata, pelo facto de o actual artigo
205º, nº 1, da Constituição não fazer qualquer remissão para o conteúdo da lei ordinária, o Tribunal Constitucio-nal não considera, no entanto, que, quanto ao núcleo essencial do dever de fundamen-tação das decisões judiciais, nos casos em que tal fundamentação é necessariamente exigida, possa ter existido uma alteração do parâmetro de constitucionalidade.
Considera-se, consequentemente, como se referiu, a questão do parâmetro de constitucionalidade como não essencial para a decisão da questão suscitada, no caso concreto.
Da explicitação do núcleo essencial do dever de fundamentação previsto no artigo 208º, nº 1, da Constituição antes da Revisão de 1997 resulta, assim, como se demonstrará, que o problema agora em apreciação teria necessariamente a mesma solução tanto em face do artigo 208º, nº 1, como do actual artigo 205º, nº 1, da Constituição.
B A questão de constitucionalidade do artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929
6. Reconhece-se no presente Acórdão a necessidade de uma interpretação do artigo 208º, nº 1, da Constituição, antes da Revisão Constitucional de 1997, segundo a qual tal preceito consagrava um dever de fundamentação das decisões judiciais que impedia a dispensa de fundamentação das respostas aos quesitos em matéria de facto no Processo Penal.
Essa necessidade interpretativa resulta do conteúdo essencial do direito de recurso, como expressão das garantias de defesa e da função da fundamentação de sentenças no Estado de direito democrático e de justiça.
7. No que diz respeito ao direito de recurso, é inegável que a fundamentação das decisões judiciais é, em geral, pressuposto do seu efectivo exercício e, em particular, do direito de recurso quanto à matéria de facto.
Por outro lado, a possibilidade de recurso quanto à matéria de facto, independentemente do tipo de poderes do tribunal de recurso, é uma manifestação essencial daquele direito, pois da discussão da delimitação da matéria de facto operada pelo tribunal depende a efectiva possibilidade de os recorrentes fiscalizarem a solução obtida, através do controlo do pressuposto da aplicação do Direito (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 55/85 - D.R., II Série, de 28 de Maio de 1985, e declarações de voto dos Conselheiros Luís Nunes de Almeida, no Acórdão nº 61/88, de 29 de Agosto de 1988, e Vital Moreira, no Acórdão nº 207/88, de 3 de Janeiro de 1989).
Sendo o direito de recurso um direito fundamental, integrante da garantia de defesa no artigo 32º, nº 1, da Constituição, e não podendo tal direito deixar de abranger a matéria de facto para cumprir a sua função, torna-se constitucionalmente exigível que os recorrentes possam discutir o essencial das razões que levaram o tribunal recorrido a fazer uma certa delimitação da matéria de facto.
É, por isso, necessário articular o dever de fundamentação das decisões judiciais em Processo Penal, com a efectivação do direito de recurso, não sendo admissível que este direito seja restringido pela insuficiência da garantia do dever de fundamentação.
8. Por outro lado, no sistema do Código Penal de 1929, era essencial a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, tal como foi reconhecido no Acórdão nº 55/85, em que se afirmou que 'num processo de tipo oral como o processo de querela, em que o tribunal de recurso perde o contacto com os elementos probatórios não registados documentalmente (depoimentos, declarações, etc. ...), tem de se reconhecer que a dispensa de explanação do fio lógico explicativo das opções tomadas, ao nível da questão de facto, pelo tribunal colectivo, estorva o consciente exercício, nesse plano, do direito de recurso, quase sempre impedido de criticar a decisão de facto e de a alterar'.
9. E a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto não era de modo algum irrelevante no sistema do Código de 1929, nem mesmo perante o reduzido alcance do âmbito do recurso em matéria de facto, nomeadamente devido à proibição de registo da prova produzida oralmente (cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 230), pois que também só assim seria possível um controlo da suficiência e da correcção da prova.
Deste modo, considerando, no seu conjunto, o sistema processual resultante do Código de Processo Penal de 1929, não poderá deixar de concluir-se pela essencialidade, como meio de efectivar o direito de recurso e as garantias de defesa, do dever de fundamentar as respostas aos quesitos em matéria de facto.
Por outro lado, a inconstitucionalidade do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929 (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/91 - D.R., I Série, de 8 de Janeiro de 1992), a qual implica o reconhecimento de amplos poderes de cognição em matéria de facto para as Relações, não torna dispensável a fundamentação das respos-tas aos quesitos. Com efeito, não só o dever de fundamentação se situa num plano dis-tinto do plano da abrangência dos poderes de cognição dos tribunais de recurso - justi-ficando-se pelas exigências de controlo público, pela defesa e pelos tribunais, da validade da sentença - como daquela inconstitucionalidade não decorre, necessaria-mente, a repetição da prova sempre que haja recurso quanto à matéria de facto.
10. Numa outra perspectiva, a do princípio do Estado de direito democrático e de justiça, é também inconstitucional a não obrigatoriedade da fundamentação da resposta aos quesitos.
Com efeito, como foi bem evidenciado nas declarações de voto citadas, a fundamentação das decisões judiciais tem funções 'extraprocessuais' que asseguram o controlo público das decisões judiciais. O reconhecimento das convicções do julgador quanto à matéria de facto e dos critérios de avaliação da prova com que operou é essencial para o controlo da definição da verdade dos factos no Processo Penal pelos cidadãos. A fundamentação das decisões judiciais, em geral e, particularmente, em relação à matéria de facto é, assim, uma expressão do princípio do Estado de direito democrático, na sua vertente de controlo público da justiça, e é particularmente exigível em matéria penal.
11. A estrutura constitucional do Processo Penal - a estrutura essencialmente acusatória (artigo 32º, nº 5, da Constituição) - não seria plenamente desenvolvida se os tribunais pudessem eleger, sem fundamentar, a partir de convicções não objectiváveis e verificáveis, a matéria de facto. Com efeito, a restrição da discussão da causa no julgamento à matéria da acusação impõe uma demonstração pelo tribunal de que a matéria de facto que subjaz à acusação se confirma. Só assim se realizará a plenitude garantística da estrutura acusatória, impedindo-se que a acusação seja, apenas, o impulso formal do processo, em que, porém, o tribunal adquiriria o poder absoluto de fixar, sem qualquer controvérsia, a matéria de facto.
12. Em face destas razões, não seria concebível que o artigo 208º, nº 1, da Constituição, mesmo antes da Revisão de 1997, pudesse prever um dever de fundamentação vazio, dirigindo-se 'em branco' ao legislador ordinário.
Havia, com efeito, um conteúdo constitucional obrigatório, indisponível pelo legislador ordinário, do dever de fundamentação das decisões judiciais.
Efectivamente, na medida em que o dever de fundamentação constitua garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático e do direito fundamental de recurso, impõe-se à fórmula constitucional e modela o seu conteúdo. O esvaziamento pelo legislador ordinário do conteúdo constitucionalmente irrenunciável corresponderia, aliás, a uma violação de outras normas constitucionais. Deste conteúdo indisponível faz parte, como foi demonstrado, em face do direito de recurso e do princípio do Estado de direito, a fundamentação das respostas aos quesitos.
13. Consideradas todas estas razões, impor-se-á a conclusão de que o artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação segundo a qual não é necessário fundamentar as respostas aos quesitos sobre matéria de facto, é inconstitucional por violação do artigo 208º, nº 1, da Constituição
(205º, nº 1, na redacção introduzida pela Revisão Constitucional de 1997), em conjugação com os artigos 2º e 32º, nº 1, da Constituição.
III Decisão
14. O Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucional o artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929, na medida em que dispensa a fundamentação das respostas aos quesitos em processo de querela, por violação do artigo 208º, nº 1, da Constituição (hoje 205º, nº 1, da Constituição), em conjugação, com os artigos 2º e 32º, nº 1, da Constituição, e, consequentemente, conceder provimento ao recurso. Lisboa, 11 de Janeiro de 2000 Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto (vencido, conforme declaração de voto que junto) DECLARAÇÃO DE VOTO Votei no sentido da não inconstitucionalidade, conforme o projecto de acórdão que elaborei, que se sustentava nas razões que passo a expor sucintamente:
1. Quanto ao parâmetro segundo o qual se deve resolver a questão de constitucionalidade, há que ter em conta que a aplicação da norma do artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929, através da resposta aos quesitos sem fundamentação, ocorreu em Maio de 1994 – muito antes, portanto, da alteração do texto constitucional no ponto em questão. Ora, entendo que, como salientou este Tribunal no Acórdão n.º 680/98 (publicado no Diário da República, II série, n.º
54, de 5 de Março de 1999), 'estando em causa um elemento da sentença que releva para efeitos da respectiva validade, deve avaliar-se da conformidade constitucional da norma em apreciação à luz do texto constitucional vigente à data da prolação do acórdão.' Apreciaria, pois, a constitucionalidade da norma em apreço tendo em conta o parâmetro constitucional resultante do texto anterior à revisão de 1997, sendo certo que não pode excluir-se a relevância das alterações no texto constitucional para a presente questão de constitucionalidade – onde antes se previa (artigo 208º, n.º 1) que 'as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei', passou, na verdade, a ler-se agora que 'as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei', o que, como se salientou no citado Acórdão n.º 680/98,
'inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.'
2. Anteriormente a 1997, não se consagrava na Constituição, na verdade, um dever geral de fundamentação das decisões dos tribunais, limitando-se tal dever aos casos e aos termos previstos na lei. Ora, no presente recurso está em questão uma norma anterior à própria Constituição (o artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929), sendo de entender que, entre os casos que o legislador constitucional possibilitava excluir da obrigatoriedade da fundamentação, se encontrariam, justamente, os casos em que tal fundamentação se não encontrasse já prevista na lei. Isto, portanto, diversamente do que acontece actualmente, quer com o artigo 374º, n.º
2, do Código de Processo Penal de 1987, quer em face do parâmetro constitucional após a alteração de 1997 – ou seja, do actual artigo 205º, n.º 1 da Constituição, cuja alteração, posterior ao Código de Processo Penal de 1987, veio deixar ao legislador ordinário apenas a previsão da forma como a fundamentação deverá ocorrer, e que estendeu este dever geral de fundamentação à generalidade das decisões judiciais que não sejam de mero expediente. Com este fundamento, teria no presente caso reiterado a jurisprudência que, embora com vozes discordantes, este Tribunal firmara – a qual era, aliás, dominante à data da resposta aos quesitos (vejam-se os Acórdãos n.ºs 55/85,
61/88, 207/88, 304/88, 124/90, publicados no DR, II série, respectivamente: n.º
122, de 28 de Maio de 1985, n.º 192, de 20 de Agosto de 1988, n.º 2, de 3 de Janeiro de 1989, n.º 84, de 11 de Abril de 1989 e n.º 33, de 3 de Dezembro de
1991, e os Acórdãos n.ºs 97/95 e 200/97, não publicados) –, e concluído pela não inconstitucionalidade da norma em causa. Bravo Serra (vencido, pelos motivos da declaração de voto que apus ao acórdão
485/97) Luís Nunes de Almeida