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Proc. nº 476/97 Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A... e outros recorrem, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 1997, que indeferiu a reclamação por eles apresentada contra o despacho que não admitiu o recurso, que, restritamente à matéria de direito, quiseram interpor para aquele Supremo Tribunal, do acórdão da Relação de Lisboa que conheceu do recurso do despacho de pronúncia contra eles proferido em 1ª instância.
Indicam, como objecto do recurso, as normas dos artigos 21º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, 666º do Código de Processo Penal de
1929, 31º da Lei nº 82/77, de 6 de Novembro, 29º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, e 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
Neste Tribunal, alegaram os recorrentes, que formularam as seguintes conclusões:
1ª. - A decisão recorrida para desatender a reclamação contra a não admissão do recurso do despacho de pronúncia, circunscrito à matéria de direito, aplicou a doutrina do Assento de 24 de Janeiro de 1990.
2ª. - Só que aplicou tal doutrina, não como assento, mas como decisão vinculativa para os tribunais judiciais, encimados pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3ª. - Para assim decidir, no limite do assento, interpretou e aplicou as normas dos artigos 21º e 22º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, 377º e 6666º do Código de Processo Penal de 1929, 30º da Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro e 29º da Lei nº 38/87 com o sentido da exclusão daquele grau de recurso.
4ª. - Tais interpretação e aplicação violaram o princípio da igualdade, constante do artigo 13º da Constituição, uma vez que à sombra de entendimento contrário muitos réus viram conhecidos e providos numerosíssimos recursos idênticos.
5ª. - Violam, igualmente, as garantias de defesa, pontualizadas no direito ao recurso, o princípio da confiança que informa o comportamento dos cidadãos e as regras dos actos normativos, constantes dos artigos 2º, 32º, nºs 1 e 5, e 115º da Lei Fundamental.
6ª. - Pelo que o Tribunal Constitucional deverá apreciar as questões de inconstitucionalidade atrás enunciadas e revogar a decisão recorrida.
O Procurador-Geral Adjunto, em exercício neste Tribunal, concluiu a sua alegação dizendo:
1º A norma constante do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, na interpretação que lhe foi dada pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de
24 de Janeiro de 1990, segundo a qual dos acórdãos da Relação proferidos sobre despachos de pronúncia não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ainda que se pretenda controverter apenas matéria de direito, não viola o princípio da igualdade, nem abala as garantias de defesa do arguido.
2º Termos em que deverá improceder o presente recurso.
2. Dispensados os vistos, em virtude de a questão de constitucionalidade, que constitui objecto do recurso, já ter sido antes decidida por este Tribunal, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. O objecto do recurso:
Apenas constitui objecto do recurso a norma do artigo 21º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, interpretada no sentido de que, dos acórdãos da Relação proferidos sobre despacho de pronúncia, não há recurso para o Supremo, quer versem sobre matéria de direito, quer de facto - interpretação que é a que foi feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, no assento de 24 de Janeiro de 1990, publicado no Diário da República, I série, de 12 de Abril de
1990.
De facto, as normas dos artigos 666º do Código de Processo Penal de
1929, 31º da Lei nº 82/77, e 29º da Lei nº 38/87 não foram aplicadas pela decisão recorrida.
Quanto à norma do artigo 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de
12 de Dezembro - que prescreve que 'os assentos já proferidos têm o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B' do Código de Processo Civil -, foi ela aplicada pela decisão recorrida e indicada pelos recorrentes no requerimento de interposição do recurso. Simplesmente, foi por eles abandonada nas conclusões da alegação.
4. A questão de constitucionalidade:
Este Tribunal já decidiu, em múltiplas ocasiões, que o direito a um duplo grau de jurisdição é uma das garantias de defesa dos arguidos, em processo penal, contra sentenças condenatórias ou contra decisões que importem privação ou restrição da liberdade dos arguidos ou de outros direitos fundamentais. Mas, sempre decidiu também que daí não se segue que exista o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz. Ao invés - escreveu-se, por exemplo, no acórdão nº
178/88 (publicado no Diário da República, II série, de 30 de Novembro de 1988) -
'mesmo no processo penal, o legislador não está constitucionalmente obrigado a prever um triplo grau de jurisdição'. E, por isso, 'o facto de a lei não prever que, dos acórdãos da Relação, se possa recorrer para o Supremo, muito principalmente, como é o caso, quando a decisão da 2ª instância não é condenatória, nem põe termo ao processo, de per si, de nenhum modo o desfigura em termos de ele deixar de ser a due process of law, a fair process' (cf. também, entre outros, os acórdãos nºs 31/87 e 259/88, publicados no Diário da República, II série, de 1 de Abril de 1987 e de 11 de Fevereiro de 1989, respectivamente).
Aliás, este Tribunal já concluiu que o artigo 21º aqui em causa, na apontada interpretação, não viola o princípio da igualdade, nem o das garantias de defesa do arguido (cf. o acórdão nº 207/94, publicado no Diário da República, II série, de 13 de Julho de 1994).
Também agora se conclui - e pelos fundamentos desse acórdão nº
207/94, para os quais se remete - que o mencionado artigo 21º não viola qualquer norma ou princípio constitucional.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade. Lisboa, 3 de Fevereiro de 1998 Messias Bento Bravo Serra Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida