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Processo nº 192/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): C..., Ldª Recorrido(s): Ministério Público
I. Relatório:
1. A recorrente interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da Relação de Lisboa proferido nos autos.
Pretende que este Tribunal aprecie a constitucionalidade das normas constantes do artigo 795º, nº 2, do Código Civil e do artigo 187º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho, que, em seu entender, violam, respectivamente, os artigos
22º e 20º da Constituição.
Por considerar não se verificarem os pressupostos do recurso, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do mesmo.
2. Dessa decisão sumária, de 23 de Março de 1999, reclama, agora, a recorrente para a conferência, sustentando dever conhecer-se do recurso, uma vez que, de um lado, o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo não pode ser entendida nos termos em que o foi, antes devendo admitir-se tal suscitação 'enquanto houver possibilidade das partes do pleito apresentarem articulados ou requerimentos junto do tribunal que proferiu a decisão ou no tribunal superior com a mesma competência material'; e, de outro lado, 'o único momento em que a recorrente pôde suscitar a violação do artigo 22º da CRP foi quando arguiu a nulidade do acórdão', para além de que 'também não imaginava a recorrente que os senhores desembargadores fossem recorrer ao artigo 187º, nº 2, pois a sua aplicação no presente processo e na fase em que foi feita não é permitida, sob pena de se pôr em causa o princípio do contraditório e o princípio do acesso ao direito e aos tribunais'.
Respondeu o Ministério Público que a reclamação deduzida é claramente improcedente, uma vez que não é caso de dispensar a recorrente do ónus de suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo. De facto – disse -, ela 'podia e devia' 'ter contado com a eventual aplicação da norma processual constante do artigo 187º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho: impugnando a recorrente a condenação proferida em 1ª instância, podia e devia ter perspectivado, desde logo – atenta a autonomia entre a responsabilidade contravencional e os efeitos civis da possível subsistência da relação laboral – a eventualidade de absolvição quanto àquela responsabilidade não precludir o reconhecimento dos direitos civis e patrimoniais do trabalhador, conduzindo o tribunal à prolação da condenação oficiosa prevista naquela norma'. E, 'de igual modo, não se configura como ‘insólita e imprevisível’ a solução do pleito, no que se refere à subsistência da relação laboral durante o período de litígio entre as partes – sendo certo que a invocação da norma do artigo 795º-2 do Código Civil não traduz sequer, a nosso ver, solução absolutamente diferenciada da alcançada em 1ª instância – que já apontava nitidamente para a existência de uma situação de incumprimento contratual da relação laboral imputável à entidade patronal'. Ora – acrescentou -, 'a invocação da norma constante do nº 2 do artigo 795º do Código Civil pressupõe precisamente que a prestação se haja tornado impossível ‘por causa imputável ao credor’, pressupondo uma ‘mora credendi’ que já havia estado, de algum modo, subjacente à condenação em 1ª instância'.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Na decisão sumária, escreveu-se: O conhecimento dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do mencionado artigo 70º, pressupõe, de facto, que a inconstitucionalidade das normas, que se pretende sejam apreciadas sub specie constitutionis, tenha sido suscitada, durante o processo. Significa isto – tem-no este Tribunal sublinhado repetidamente – que a questão de constitucionalidade há-de, em regra, suscitar-se antes de proferida a decisão que julgou o caso de que emerge o recurso, pois a reclamação por nulidades e o pedido de aclaração não são meios, nem momentos processuais adequados para suscitar a inconstitucionalidade de normas que aquela decisão tenha aplicado. Pois bem: no presente caso, o que, justamente, aconteceu foi que, apenas na reclamação por nulidades que apresentou contra o acórdão que manteve a sua condenação no pagamento das retribuições à trabalhadora (o acórdão de 2 de Dezembro de 1998), é que a recorrente suscitou a inconstitucionalidade do artigo
187º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho. E, quanto ao artigo 795º, nº 2, do Código Civil, nem nesse momento suscitou a sua desconformidade com a Constituição; antes, imputou à condenação, considerada em si mesma, a violação do artigo 22º da Constituição. Ora, foi o acórdão de 2 de Dezembro de 1998, e não o de 27 de Janeiro de 1999, que, ao julgar o recurso, aplicou os referidos artigos 187º, nº 2, do Código de Processo de Trabalho e 795º, nº 2, do Código Civil. Este último aresto só se referiu a tais normativos, para explicar por que é que o acórdão que julgou o recurso não enfermava dos vícios que lhe foram assacados (oposição da decisão com os fundamentos e condenação em objecto diverso do pedido). E, justamente por ter entendido que a arguição por nulidades não era já momento azado para suscitar a inconstitucionalidade do referido artigo 187º, nº 2, o acórdão de 27 de Janeiro de 1999, depois de referir que o 'requerimento de arguição de nulidade é de todo inadequado para se conhecer de questões de inconstitucionalidade', acrescentou que não tomava posição sobre tal questão,
'por não ser esta a sede própria para o efeito'.
5. Vindo agora a reclamante pugnar pela dispensa do ónus da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, resta acrescentar, a quanto se escreveu na decisão sumária, que no caso se não verifica uma situação capaz de legitimar a pretendida dispensa. De facto, como bem mostra o Ministério Público na sua resposta, a recorrente podia e devia contar com a aplicação pelo acórdão recorrido das normas cuja legitimidade constitucional questiona: desde logo, no que concerne ao artigo
187º, nº 2, ele tinha já sido aplicado pela sentença da 1ª instância. E, por isso, era-lhe exigível que, antes da prolação daquele acórdão, suscitasse a inconstitucionalidade de tais normas, para que a Relação pudesse decidir essa questão. Não o tendo feito e não sendo caso de a dispensar daquele ónus, não pode conhecer-se do recurso.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos decide-se:
(a). indeferir a reclamação apresentada;
(b). consequentemente, não conhecer do recurso;
(c). e condenar a recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 29 de Abril de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida