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Processo n.º 791/10
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte “decisão sumária”:
«1. A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que indeferiu uma reclamação deduzida ao abrigo do artigo 688.º do Código de Processo Civil (CPP) com a seguinte fundamentação:
“(…)
Com efeito, o despacho objecto do recurso é uma decisão proferida após ter sido deferida a providência cautelar requerida, sendo que nessas circunstâncias e contrariamente ao sustentado pela Reclamante (que invoca a alínea b), do n.º 1, do artº 783.º do Código de Processo Civil) ser-lhe-á aplicável o disposto no artº 738.º, n.º 1, al. c) (parte final), de tal diploma legal, isto é, o recurso deverá subir quando o procedimento cautelar estiver findo.
Refira-se ainda não se vislumbrar em que medida é que se registará a alegada inconstitucionalidade, por violação do artº 205.º da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que a Reclamante não alega elementos bastantes para a sustentar.
Pelo que se deixa dito, conclui-se pois que o agravo em causa terá um regime de subida diferida, nos termos do disposto no artº 738.º, n.º 1, al. c) (2ª parte) do Código de Processo Civil).
A ser assim, como é, entende-se que a reclamação não poderá proceder.
(…).”
2. Não contendo o requerimento de interposição a indicação dos elementos a que se refere o artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), o relator proferiu despacho a convidar à sua indicação.
A recorrente respondeu com um extenso requerimento em que narra os factos do litígio e as vicissitudes do processo e em que concluiu dizendo pretender que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre:
“(…)
a) a constitucionalidade da decisão proferida pelo 1º Juízo Cível do Tribunal de Cascais, sobre a retenção do recurso, a sua subida diferida e o seu efeito meramente devolutivo, recusando aplicar ao recurso os artº 738.º, n.º 1, alínea b) e artº 740.º, n.º 1 e n.º 3, todos do CPC;
b) a constitucionalidade da decisão proferida pelo 1º Juízo Cível do Tribunal de Cascais, sobre a retenção do recurso, a sua subida diferida e o seu efeito meramente devolutivo, aplicando ao recurso a parte final da alínea c) do n.º 1 do artº 738.º do CPC, e;
c) se essa recusa e aplicação desses normativos colidem com a força obrigatória geral das decisões dos tribunais, constitucionalmente consagrado no artº 205.º, n.º 2 da CRP onde se estipula que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades, na medida em que o cumprimento imediato da providência cautelar, sem que o Tribunal da Relação de Lisboa se pronuncie sobre as constitucionalidades suscitadas no recurso, coloca em causa uma anterior decisão judicial que atribuiu essa fracção à recorrente enquanto casa de morada de família.”
3. É manifesto que o presente recurso não tem objecto idóneo segundo o sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade a cargo do Tribunal Constitucional tal como a Constituição (artigo 280.º da CRP) e a Lei (artigo 70.º da LTC) o configuram. Efectivamente, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade entre nós instituído é um contencioso de normas. Compete ao Tribunal apreciar a conformidade a regras ou princípios constitucionais das normas aplicadas (ou desaplicadas com fundamento em inconstitucionalidade) pelas decisões judiciais que constituam o objecto (aqui em sentido processual) do recurso. Não cabe ao Tribunal apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais em sim mesmas consideradas. Ainda que possa apreciar a constitucionalidade de uma norma em determinada interpretação aplicada (ou desaplicada) pela decisão recorrida, é sempre do critério normativo da decisão que o Tribunal Constitucional se ocupa.
Ora, em qualquer das alíneas em que identifica as questões de constitucionalidade que pretende ver apreciadas no presente recurso, a recorrente imputa a inconstitucionalidade às concretas decisões judiciais, não a uma norma de que essa decisão tenha resultado.
Por estes motivos, independentemente de outras razões que poderiam aduzir-se com igual resultado, o recurso não pode prosseguir.
4. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar a recorrente nas custas, com sete unidades de conta de taxa de justiça, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário.»
2. A recorrente reclamou desta decisão, para a conferência, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
“(…)
1. Ao indicar o objecto do recurso, conforme convite proferido pelo Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator do processo, a recorrente nunca pretendeu que este Tribunal apreciasse a constitucionalidade da decisão judicial de retenção do seu recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
2. Mas, admite que ao indicar três alíneas onde em duas delas [alíneas a) e b)] se referiu à constitucionalidade da decisão proferida possa ter suscitado, ainda que involuntariamente, a dúvida no Juiz Conselheiro, Relator.
3. Na verdade, no objecto do recurso não está em causa a apreciação da constitucionalidade de uma decisão judicial.
4. Mas, antes a interpretação não conforme à Constituição das normas constantes nos art.ºs. 738.º, n.º 1, alínea b) e c) e 740.º, n.ºs 1 e 3, todas do CPC.
5. Termos em que se requer este Tribunal Constitucional, em conferência, admita o presente recurso cujo objecto é a apreciação da constitucionalidade dos artº.s 738.º, n.º1, alíneas b) e c) e 740.º, n.ºs 1 e 3, todos do CPC quando interpretados no sentido de reterem um recurso de uma providência cautelar, e com essa retenção não ser respeitada uma anterior decisão judicial que atribui a casa de morada de família à recorrente, em clara violação do art.º 205.º da CRP que consagra a força obrigatória geral das decisões dos tribunais para todas as entidades públicas e privadas.”
3. O fundamento da reclamação consiste em que, apesar de o requerimento de interposição adoptar uma formulação que aponta para a apreciação da inconstitucionalidade da decisão judicial recorrida, o verdadeiro objecto do recurso é uma norma, aquela que se identifica no n.º 5 da reclamação, acima transcrito. Sucede que essa afirmação não tem um mínimo do suporte, seja no requerimento de interposição do recurso, seja na resposta da recorrente ao convite que lhe foi formulado ao abrigo do artigo 75.º-A da LTC. O que a recorrente extensamente sustenta, designadamente na resposta ao convite à indicação precisa da norma ou sentido normativo que quer ver apreciado, é que a decisão recorrida, não aplicando determinadas normas e aplicando outras à determinação do efeito e regime de subida do recurso (na providência cautelar), não atende ao que designa por “força obrigatória geral” de uma decisão tomada noutro processo (no processo de divórcio). Não se trata de mera deficiência de expressão, mas de compreensão da inconstitucionalidade como resultando directamente da decisão e não do critério normativo aplicado.
Deste modo, mesmo que fosse admissível uma interpretação tão pouco exigente do ónus de identificação do objecto do recurso, mais a mais após convite nos termos do artigo 75.º-A da LTC, é manifesta a improcedência da reclamação.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas custas, com vinte unidades de conta de taxa de justiça, sem prejuízo do regime de apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2011.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.